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11 julho 2013

Uma notícia muito encorajadora e outra muito preocupante

Começo pela boa notícia: o comissário europeu para o Mercado Interno anunciou que, afinal, a proposta de directiva sobre a concessão a empresas privadas de serviços de interesse público não iria aplicar-se à gestão dos recursos hídricos.

É duplo o motivo de satisfação com aquele anúncio.

Como sempre o Grupo Economia e Sociedade tem defendido (v.g. as mensagens aqui publicadas em 17 de Maio e 26 de Junho por dois dos seus membros), juntando a sua voz á de outros movimentos da sociedade civil, a gestão da água deve manter-se na esfera pública, pois só desta forma se garante o direito fundamental dos cidadãos ao acesso à água.

Um pouco por toda a Europa, este é o sentir das populações, que têm mesmo levado a que se volte atrás em processos de concessão já em vigor, por se ter constatado que delas resultava um manifesto prejuizo dos seus direitos.

Em segundo lugar, é muito relevante que se trate, neste caso, de uma conquista da primeira Iniciativa Cidadã Europeia, que se revelou assim ser um instrumento eficaz de intervenção ao ser capaz de influenciar uma política comunitária, defendendo um direito muito importante para o seu bem–estar.

Todavia, este recuo da Comissão Europeia não dispensa que nos mantenhamos vigilantes, face às pressões no sentido da concessão da gestão da água a interesses privados, com o argumento da necessidade de uma rápida obtenção de recursos financeiros, desconsiderando tanto a vontade das populações como as características de monopólio natural que, só por si, desaconselhariam uma privatização.

A notícia preocupante a que nos referimos no título, é que o ex-ministro das Finanças, já preparado para apresentar a sua demissão, assinou, conjuntamente com o ministro da Solidariedade e Segurança Social, a Portaria nº 216-A que determina que o Fundo de Reserva da Segurança Social deve comprar, em menos de dois anos e meio, até cerca de 4 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa. Ou seja, aquela aplicação absorverá quase 90% do total dos recursos do Fundo (contra 55% actualmente) sendo esta concentração de risco absolutamente desaconselhável por qualquer gestor prudente de tão elevada quantia.

O que assim pode ser posto em causa é a capacidade financeira do Fundo para fazer face a pensões e outras prestações sociais, caso ocorram futuras dificuldades nas finanças públicas: a factura será então apresentada aos mesmos de sempre e tudo isto se passou sem que se tenha dado conta de um debate aberto sobre a alteração da lei, como se impunha pela sua relevância.

É, no mínimo, descer a uma escala de erosão da democracia que julgavamos impossível acontecer.

16 maio 2013

A correção do erro na folha de Excel continua a não ter qualquer importância

A 22 de Abril publiquei, aqui, um post com o título “O erro na folha de Excel tem muito pouca importância”. Não era esse o ponto de vista dos autores do estudo em que concluíam que quanto mais elevada é a dívida pública, menor é o crescimento económico e, talvez por isso, depressa entenderam ir corrigi-lo.
Só que com a correção, em vez de serenarem os espíritos, juntaram mais achas à fogueira, já que continuaram a concluir que “há uma forte correlação entre dívida pública alta e crescimento económico baixo”, daí deduzindo que “quanto mais elevada é a dívida pública, menor é o crescimento económico”.
Ninguém pôs em causa as conclusões do estudo empreendido, segundo as quais “há uma forte correlação entre dívida pública e crescimento económico”. Os mesmos tratamentos estatísticos permitiriam concluir que “há uma forte correlação entre crescimento económico e dívida pública”.
Mas, como sublinhei no meu post anterior, uma coisa é o reconhecimento de uma correlação e outra é a da determinação de uma relação de causa e efeito. Para que estas sejam estabelecidas, para além da análise estatística é precisa uma teoria económica que fixe relações de causa e efeito e esta não foi apresentada. Portanto, continuamos na mesma quanto ao estabelecimento de relações entre o crescimento e a dívida pública ou entre a dívida pública e o crescimento.
Acresce que as conclusões dos autores foram abundantemente citadas por pessoas com responsabilidades políticas na atual situação do país pretendendo, assim, justificar as opções de austeridade que têm vindo a ser tomadas.
Procurando, ao que se crê, reforçar a autoridade dos autores da folha de Excel, o Sr. Ministro das Finanças entendeu patrocinar, ontem (15-5-2013), o lançamento de um outro trabalho daqueles autores sobre episódios de bancarrota num período de mais de oito séculos.
Os resultados são conhecidos!
Convém acrescentar que não foi a presença do Sr. Ministro das Finanças que permitiu atribuir ao estudo apresentado maior ou menor credibilidade. Os critérios de credibilidade dos trabalhos científicos são outros que não a presença física dos Srs. Ministros no seu lançamento.        
 

12 maio 2013

Dizem que só funcionários serão 100 mil. Se isso fôr verdade, esta bomba atómica provocará muito mais destruições

Na semana que terminou, a sanha devastadora contida nas medidas de política anunciadas pelo Governo deixou o país atónito. Tendo em conta outras já anteriormente publicitadas podemos aí encontrar uma boa imagem do avanço destruidor dos exércitos germânicos sobre a Europa, durante a 2ª Grande Guerra.
 
Quero aqui focar-me no anúncio feito por um Secretário de Estado de que estava em preparação a redução de 100 000 funcionários públicos até ao fim da atual legislatura.
Ouve-se e comenta-se: será que estou a ficar surdo? O que é que eu entendi mal?
Refeitos da surpresa não podemos deixar de nos interrogar: será que este Sr. sabe o que está a dizer? Avaliou convenientemente as consequências de uma tal decisão? E porque não 99 999 ou 100 101, ou 56 784, ou qualquer outro número? Não pretendo justificar ou injustificar a medida, pela maior ou menor precisão do número anunciado, mas chamar a atenção para o fato de que a referência a um número tão preciso não pode ser senão ser um exercício de pura irresponsabilidade política e intelectual. Ao Governo exige-se que nos explique, como e porque chegou àquele número.
Deixemo-nos, no entanto destes pormenores e procuremos aproximar-nos de algo que é mais substancial. Vamos admitir que são 100 000. Recorde-se que este número equivale a cerca de 20% do total dos funcionários. Anunciar este número, ou um outro qualquer, do modo como tal foi feito, só pode encontrar a sua justificação no pressuposto ideológico de que tudo o que for função pública é mau e é, também, a raiz do mal. Quanto maiores forem as baixas, melhor, e não importa, o como, o onde e o timing.
A redução do número dos funcionários públicos é um passo na estratégia da redução do Estado à sua expressão mais simples: Defesa, Segurança, Negócios Estrangeiros e pouco mais. Porquê à sua expressão mais simples?
Os detentores do capital financeiro compreenderam que podem, hoje,  maximizar o seu retorno reduzindo as funções do Estado, à dimensão de Estado mínimo. Querem convencer-nos de que tudo o que andamos a fazer durante os últimos 80 anos foi um puro engano. As áreas funcionais acima mencionadas são as únicas que lhes poderão prestar serviços úteis. Do seu ponto de vista, todas as outras manifestações do Estado mais não são, do que formas ilegítimas de transferência de rendimentos dos seus bolsos para os dos que menos têm.
A construção do Estado moderno caracterizou-se pelo desenvolvimento da sua intervenção em domínios que se tem convencionado designar por áreas sociais: Saúde, Educação, Segurança Social, mas também, Justiça, e organização e regulação do trabalho, etc. Ao conjunto destas componentes do Estado designou-se por Estado Social. Convém compreender o porquê do desenvolvimento destas novas áreas.
Após a Grande Depressão, mas sobretudo depois do fim da 2ª Grande Guerra, a Europa encontrava-se completamente devastada. A pobreza e a penúria de toda a espécie atingiam grande parte da população. Alguma clarividência dos responsáveis políticos de então permitiu-lhes compreender que a economia não poderia crescer e desenvolver-se se os serviços básicos de saúde, de educação e de proteção social não pudessem ser usufruídos por todos os cidadãos.
Foi com este pressuposto que se foi construindo, pouco a pouco, o “Estado Providência”, ou o Estado de Bem Estar que, muito justamente, é considerado como uma grande conquista civilizacional. As funções sociais que o Estado garantia aos cidadãos eram gratuitas, ou prestadas a preços muito reduzidos. Implicavam, no entanto, custos que encontravam a sua contrapartida de financiamento num sistema de impostos progressivos que atingiam mais pesadamente os titulares de rendimentos mais elevados. Tratava-se de uma espécie de remuneração indireta que ajudava a corrigir a desequilibrada repartição de rendimentos decorrente do funcionamento dos mecanismos de remuneração do mercado.
Entretanto, as práticas de política económica e social liberal, introduzidas na Europa pela Sr.ª Tachter, mas continuadas pelos seus sucessores na Grã-Bretanha e em muitos outros países da Europa, foram o sinal de que o capital tinha entendido que estavam criadas as condições para voltar ao estádio existente antes dos anos 30 do séc. XX. A crise iniciada em 2008 mais não veio do que acelerar o processo de destruição do “Estado Social”. Estavam criadas as condições para recuperar o capital que, ao longo de mais de oito décadas, tinha financiado o Estado Social através de transferências de rendimentos dos que vivem na abundância para os que vivem na precariedade.
É a isso que continuamos, hoje, a assistir, através de métodos que não será exagerado designar por terrorismo de Estado. Quase sempre as medidas que suportam aquela destruição escondem-se sob as roupagens da Reforma do Estado. Mas importa averiguar em que é que se poderá estar a pensar quando se usa a designação "reforma", porque o termo reveste-se da maior das ambiguidades.
Tem-se falado de Reforma do Estado para cobrir conteúdos tão diversos como:
1. A melhoria do funcionamento das administrações públicas de modo a que os   serviços prestados possam ser caracterizados por grande qualidade e eficiência;
2. A alteração da estrutura de funcionamento das administrações públicas, para que se possa melhorar a qualidade dos serviços prestados;
3. A alteração da estrutura de funcionamento do Estado, não porque se pretende melhorar a qualidade dos serviços prestados, mas porque se pretende eliminar os serviços existentes, reduzindo as funções do Estado existentes, nomeadamente, as funções principais do Estado Social.
Aquilo a que estamos a assistir em Portugal é à destruição do Estado Social (última hipótese). O financiamento que se destinaria ao Estado Social é afeto a aplicações que importam ao capital financeiro: sustentação bancária (ratios), cobertura de riscos em operações especulativas; transferências para paraísos fiscais e muitas outras.
O que daqui pode resultar não pode ser senão a destruição maciça do modo de estar e de viver, até aqui adquirido, como resultado de conquistas de muitas décadas. A destruição para que caminhamos pode, de algum modo ser comparada à de uma bomba atómica. Nessa destruição estarão envolvidos não apenas os 100 000 funcionários públicos, mas a grande maioria da população do país.
Teremos que encontrar forma de parar este retrocesso civilizacional. O debate ontem promovido pelo Congresso Democrático das Alternativas em torno do tema “Vencer a crise com o Estado Social e com a Democracia” constitui uma excelente contribuição para a clarificação dos caminhos que importa trilhar.

22 abril 2013

O erro na folha de Excel tem muito pouca importância!

Em meados da semana passada foi objeto de abundante divulgação, nos media, a existência de contradições entre os resultados de um estudo publicado em 2010 por dois académicos americanos (relacionando o comportamento da dívida pública e o crescimento do PIB) e os resultados de um estudo mais recente, da autoria de dois outros académicos de uma outra universidade. Eu próprio, num post anterior já aqui me referi ao assunto.
Acontece que, contrariamente ao que procurei sublinhar no referido post, os media e outros comentadores, em lugar de criticar a relação de causa e efeito estabelecida entre a divida e o crescimento, têm-se entretido, apenas, a chamar a atenção para erros existentes na folha de cálculo que permitiu deduzir os resultados publicitados com o primeiro estudo.
Naturalmente que a existência de erros é sempre lamentável, sobretudo, quando, com base em estudos com erros, se retiram ilações que vão suportar decisões de natureza política que se diria seriam diferentes se os erros não existissem.
O que se passou foi que no seu primeiro estudo os seus autores verificaram que “nas economias onde a dívida pública superava os 90% a taxa de crescimento média era de apenas 0,1%, em contraponto com crescimentos situados entre 3% e 4% nos países com dívida abaixo dos 90%”. A inversa, claro está, que também é verdadeira. Por isso, fica-se sem se saber se é a dívida elevada que provoca taxas de crescimento reduzidas, ou se são taxas de crescimento reduzidas que provocam percentagens de dívida elevadas.
No entanto, o que aconteceu foi que, como lhes vinha a jeito, os nossos, e não apenas os nossos, políticos de pacotilha disseram logo que o que era relevante era que a dívida impedia o crescimento.
Vem agora e segundo estudo denunciar que nos cálculos existiam erros e que, pelo contrário, em países com dívida superior a 90%, a taxa de crescimento era de 2,2%. Não faltou quem retirasse imediatamente a conclusão de que, afinal, a dívida não impedia o crescimento. Acontece que se a conclusão retirada do primeiro estudo era um abuso, esta- última não o é menos. Não é pelo fato de o erro da folha de Excel ter sido corrigido que as conclusões opostas passam a ser mais justificáveis.
Comparado com o erro que é o estabelecimento de relações de causa e efeito entre variáveis com uma mera relação estatística, o erro mencionado na folha de cálculo é uma minudência.
Afinal, os comentadores dos media e outros interessados deixaram-se inebriar pelo embrulho do presente de Natal sem se aperceberem de que a caixa estava vazia.
Entretanto o estado em que o país se encontra não deixa de ser, em grande medida, resultado destas brincadeiras. Muitos deveriam, certamente, ser despedidos por terem cometido um erro de tão graves consequências

10 abril 2013

Os impostos, a despesa e a ignorância do princípio dos vasos comunicantes

Não é novo o debate sobre a questão de saber qual das medidas de política é mais virtuosa com vista a alcançar o objetivo do desenvolvimento e do crescimento económico: a diminuição das despesas ou o aumento dos impostos. Em geral a diminuição da despesa tende a ser defendida pela “direita” e o aumento dos impostos, pela “esquerda”. Já em outra ocasião aqui foi justificado porque é assim mas, mais abaixo, voltarei à questão.
No limite, poder-se-ia dizer que uma e outra são instrumentos desse objetivo do desenvolvimento e do crescimento. No entanto, não é verdade que sejam equivalentes, porque os efeitos que uma e outra produzem, para além de outros, têm incidências diferentes sobre a repartição pessoal dos rendimentos e da riqueza.
A intervenção do Senhor Primeiro-ministro, feita no dia seguinte ao conhecimento público das decisões do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado de 2013, é esclarecedora a esse respeito, mas nela só se conta uma parte da história. O Senhor Primeiro-Ministro afirma, sem rebuço, que “não vai aumentar os impostos” e que “a alternativa será a contenção da despesa pública na saúde, segurança social, educação e empresas públicas”. O que parece que ele não terá percebido é que a contenção da despesa pública, nos domínios que enuncia, é um equivalente perfeito de um aumento dos impostos.
Vejamos porquê. Um princípio elementar em economia é o de que será difícil poder encontrar num conjunto de varáveis (e o exemplo poderia ser o das despesas e dos impostos) uma qualquer que não esteja relacionada com as restantes. É isso que leva a que os sistemas tendam a manter-se em equilíbrio.
A figura seguinte mostra que quando se diminui o nível do líquido num dos tubos do sistema de vasos comunicantes, o nível tende a ajustar-se em todos os outros, de modo a que, no fim, todos se encontrem ao mesmo nível. Naturalmente que estou a supor que o líquido tem a mesma densidade em todos os tubos e que no interior dos tubos não existem rugosidades que impeçam a livre circulação do líquido.
 
Trata-se de um princípio que sendo válido na física também o é na economia.
É neste quadro que pretendo analisar os efeitos das medidas de contenção das despesas, enunciadas. O Senhor Primeiro-ministro não teve um minuto de hesitação em considerar que era no tubo das despesas que deveria fazer diminuir o nível de equilíbrio. Vejamos as consequências da adoção desta medida.

Devendo a diminuição das despesas acontecer nas áreas da saúde, da segurança social, da educação e das empresas públicas, quem é que, no conjunto da população portuguesa, é mais afetado por essa diminuição? Não é preciso fazer grandes lucubrações intelectuais para percebermos que quem vai sofres mais com essa diminuição são as pessoas que mais recorrem aos serviços públicos prestados no âmbito daqueles setores, isto é, os titulares de mais baixos rendimentos. Sabemos todos que quem possui elevados rendimentos prefere, sobretudo em momento de crise, pagar os serviços prestados por entidades privadas e garantir, assim, uma boa qualidade de serviços. Não é por isso que diminui significativamente o seu nível de vida.

Para os titulares de mais baixos rendimentos a diminuição da despesa, traduz-se por uma redução da qualidade do serviço prestado e equivale a um aumento de impostos para essas pessoas. É bem conhecido, desde o início do desenvolvimento do Estado Social, que com ele se pretendia permitir o acesso a serviços de boa qualidade aos titulares de menores rendimentos. Só que esses serviços tinham de ser financiados e eram-no através da cobrança de impostos sobre os titulares de rendimentos mais elevados.

O que aconteceu é que os donos do grande capital e dinamizadores da economia financeira entenderam dizer, “não!”. Consideraram que era tempo de reaver as quantias que sustentaram o desenvolvimento do Estado Social e, por isso, assim, temos o ataque ao Estado Social, através da diminuição das despesas e a redução, ou não aumento, dos impostos, sobre aqueles que têm capacidade para os pagar.

Proteger o nível de serviço a que acedem os titulares de menores rendimentos não pode, senão, ser entendido como uma medida de política da “esquerda”.

Em contrapartida, qual é o significado do não aumento dos impostos? Quando o Sr. Primeiro-ministro fala de não aumento de impostos, fala deles como se constituíssem uma entidade homogénea e daí a ideia de que um aumento de impostos vai prejudicar seriamente a competitividade da economia, a iniciativa empresarial, a iniciativa pessoal, etc. Não é assim.

Não podendo entrar em muitos detalhes, sempre vale a pena referir a distinção entre impostos diretos e impostos indiretos, entre impostos sobre o consumo e impostos sobre a produção. Ora, atuar sobre cada um deles tem consequências diferentes sobre a produção e sobre o consumo.

Embora de forma grosseira tem-se dito que o aumento dos impostos sobre a produção reduz a competitividade das empresas. Isto, também, não é verdade, porque as empresas não reagem todas da mesma maneira ao impulso dos impostos. Mas vamos admitir que sim e que se optava, então, por um aumento sobre os impostos pessoais. Como?

Admitamos que o imposto sobre as pessoas era progressivo, ou seja, que os que têm rendimentos mais elevados vão pagar segundo uma taxa proporcionalmente superior. Suponhamos que com vista a não sobrecarregar os que têm rendimentos mais baixos, se determina que só pagarão imposto as pessoas que têm um rendimento superior ao rendimento pessoal médio (mas o critério pode ser outro), de acordo com uma taxa de progressividade adequada.

Assim se conseguiria a preservação da qualidade dos serviços públicos e, simultaneamente, se obteria uma repartição mais equilibrada dos rendimentos.

Mas há uma dificuldade e a dificuldade é a de que isto não pode caber nas mentes dominadas por conceções neoliberalizantes da economia e da vida em sociedade.

A solução anunciada pelo Sr. Primeiro-ministro não é, assim, uma inevitabilidade é, antes, uma consequência, ou da ignorância ou de conceções ideológicas que, neste momento só podem prejudicar o país, as portuguesas e os portugueses. É uma conceção de “direita”.

04 abril 2013

A finança e o dinheiro, são quem mais ordena. Até quando?

Este post é aqui suscitado na sequência de um comentário político realizado, há dias, na SIC (ver aqui) , a propósito dos preços e tarifas praticados pelas grandes empresas de combustíveis, gaz, comunicações, energia e outras. Muito do que foi dito parece assertivo, mas uma sua boa compreensão exige que, previamente, se faça alguma reflexão acerca das condições de funcionamento dos mercados concorrenciais.
Desde há muito, mas sobretudo desde que se desencadeou a crise, que os melhores representantes das correntes do liberalismo económico, de que os membros da troika são apenas uma componente, não se têm cansado de afirmar que os males da sociedade portuguesa se enraízam na falta de competitividade da sua economia. Vamos procurar ver que esta explicação, nas condições concretas de funcionamento da sociedade portuguesa (mas seria aplicável às de todos os outros países) não tem qualquer sustentação.
Como já aqui o referi em diferentes ocasiões, para que a concorrência possa gerar condições de funcionamento eficiente das economias é indispensável que se verifiquem, simultaneamente, um conjunto de pressupostos, não apenas num mercado, mas em todos os mercados: produtos, matérias-primas, financeiro, trabalho, inovação, etc, etc.
Não voltarei ao assunto dos pressupostos, mas o tratamento do assunto pode ser encontrado em qualquer manual elementar de microeconomia. Não deixarei, no entanto, de reafirmar que nunca foi possível, em nenhum tempo, nem em nenhum lugar, verificar o funcionamento eficiente dos mercados, i.e., a existência de mercados de concorrência perfeita.
Esta conclusão seria o bastante para se concluir que o objetivo da concorrência deveria deixar de constituir um mito, tanto mais que está demonstrado que quando não se verifica um dos pressupostos deixa de ter sentido procurar que se verifiquem os outros, com a ideia de que quando não se verifica um pressuposto mais vale prosseguir a realização dos restantes do que não prosseguir a realização de qualquer deles.
Acontece, no entanto que, mesmo quando é demasiado evidente que os pressupostos não se verificam, os agentes que controlam o funcionamento dos mercados, tal qual eles existem, tudo fazem para se apropriarem de resultados que seriam os obtidos com um modelo de concorrência perfeita.
É neste quadro que deve ser apreciado o funcionamento do mercado financeiro. O mercado financeiro tornou-se global e por ser global o refiro no singular. Só teria sentido falar no plural se o mercado financeiro não fosse global. Sendo global domina todos os restantes que o não são, subordinando-os aos seus interesses.
Muito se tem evocado a situação da falta de investimento na economia produtiva, invocando-se a inexistência de condições de financiamento. Este argumento não é senão um embuste. Com efeito, desde há mais de uma década que a globalização do mercado financeiro vem sendo acompanhada de um poderoso movimento de inovação financeira que cria produtos de investimento financeiro que se tornam mais rentáveis do que o é o investimento na economia real. O dinheiro que vai para a economia financeira falta, assim, na economia real.
Até que a bolha rebenta (vide o desencadear da crise em 2008)! Então todos clamaram pela regulação dos mercados financeiros, incluindo os governos dos países mais poderosos. O que aconteceu foi que muitos dos que mais alto falaram rapidamente se calaram, porque eles próprios tinham avultados investimentos nesses produtos financeiros de cujos rendimentos não quiseram abdicar.
Consequência? Em vez de colocar o mercado financeiro como instrumento da economia real, é a economia real que se transforma em investimento da economia financeira. Não há prova mais evidente do que o que se está a passar com os designados países da crise.
Porquê estes e não outros? Porque são os mais frágeis e menos capazes de reagir aos ataques do mercado financeiro. Uma vez sugados estes, outros serão atacados pela calada da noite.
Esta exposição já vai longa, mas era necessário ter presentes os seus termos para compreender muito do que hoje se passa com a economia portuguesa. A intervenção de um comentador de economia da SIC, que normalmente não parece alinhado com os princípios que acabei de enunciar, tornou-se matricialmente esclarecedora (ver aqui). Vejamos algumas das questões abordadas.
A primeira questão colocada foi a de saber porque é que tendo passar a haver um maior número de operadores no mercado, os preços continuavam sem baixar: os dos combustíveis, do gaz, das comunicações, etc, contrariamente ao que inicialmente se dizia que iria acontecer. O comentador responde que isso acontece porque todas as operadoras estão conluiadas com o setor financeiro! Isto é o mesmo que dizer que as referidas operadoras são um instrumento de extração de valor dos consumidores a favor do sistema financeiro.
Utiliza o mesmo argumento a propósito das empresas que exploram estradas e energia, para concluir que quem manda no país não podem continuar a ser o setor financeiro e as empresas do PSI 20.
Acrescenta, depois, que num mercado de dez milhões de consumidores os operadores “colocam-se todos acima e ninguém desce o preço”. Cá está, não basta invocar os benefícios da concorrência para que eles aconteçam.
Na sua opinião o Governo deveria tabelar os preços e poderia fazê-lo tomando como norma a média dos preços europeus em cada setor; só um poderoso movimento de opinião pública será capaz de levar o Governo a tomar medidas para contrariar a situação existente.
Nas atuais condições estamos a pagar para setores que não sentem a crise; que continuam a cobrar-nos tarifas, ou preços, como se não existisse crise. Mais uma vez, o Estado e o Governo transformam-se em instrumentos dóceis do prosseguimento dos interesses dos operadores e, por essa via, do setor financeiro, português ou não.

22 novembro 2012

Elogios Suspeitos


É boa norma desconfiar dos elogios quando estes manifestamente não têm qualquer aderência à realidade. Há quem seja especialista em fazê-los, nomeadamente quando deles retira vantagem própria. Vem isto a propósito das recentes apreciações feitas acerca da sexta avaliação da troika ao programa de ajustamento negociado pelo estado português com os credores.

Com efeito, em certos meios financeiros, governamentais e outros, consideram-se os resultados já obtidos como muito positivos e louva-se a estratégia definida para os alcançar, mas, ao mesmo tempo, tais apreciações não podem ignorar que os indicadores de desemprego crescem, a recessão económica é incontornável, sucedem-se as falências e encerramento de empresas em alguns sectores mais sensíveis, as previsíveis taxas de crescimento do PIB para os próximos anos são negativas, os impostos sobre os rendimentos atingem patamares-limite, aliás já ultrapassados, sobretudo nos escalões de rendimento intermédio, a pobreza aumenta em incidência e severidade e alastra a sectores sociais diferenciados. Em que critérios repousarão os elogios feitos?

Economia e Sociedade (GES) pronunciou-se sobre a situação socioeconómica do País e a via da austeridade que vem sendo seguida e é agora reafirmada para 2013, em tomada de posição que tornou púbica aquando da apresentação da proposta do Governo do Orçamento de Estado para 2013. Desta tomada de posição respigamos dois parágrafos que assumem no actual contexto uma particular actualidade.

Acerca da ponderação das escolhas de política económica a fazer, diz-se naquela tomada deposição:
(…) se podem ser considerados importantes os compromissos legítimos assumidos com os credores, não menos importantes e vinculativos são os compromissos assumidos com os cidadãos, também eles credores no que diz respeito ao direito à saúde, à educação, às prestações sociais, à justiça, ao emprego, à segurança social e ao desenvolvimento.

Quanto ao rumo a seguir, valoriza-se uma estratégia de desenvolvimento que assente no aproveitamento dos recursos potenciais e aponte objectivos claros de qualidade de vida das pessoas e de equidade e coesão social.

(…) De vários lados vêm surgindo apelos a que o Governo dê a devida importância à elaboração de uma estratégia de crescimento económico que vise a qualidade de vida das pessoas e dos seus territórios e a promoção do bem-estar social (melhor educação, saúde, segurança social), devendo ser tal estratégia a enquadrar a política fiscal e financeira e não o contrário. É exigência de um estado de direito e da democracia.

15 novembro 2012

Já lá vão uns dez dias, mas é importante não esquecer

Nos últimos tempos os posts aqui publicados têm concentrado a atenção sobre o processo de empobrecimento a que o país tem vindo a estar sujeito, não pela dívida, como por vezes se tem dito, mas pelas decisões tomadas para a superar. O processo de empobrecimento é tão violento que quase nos esquecemos que o navio continua a ser invadido e roído por outras ratazanas que, pouco a pouco, também contribuem para a deterioração do casco.

Uma das espécies de ratazanas, que tem vindo a provocar graves danos é a que tem andado associada aos processos de ordenamento do território e, mais especificamente, aos processos de urbanização. Não pretendo, agora, abordar todos os cambiantes caracterizadores, quer das ratazanas, quer dos estragos causados mas, apenas, fazer uma nota sobre as inundações e derrocadas verificadas na costa norte da Madeira no princípio da semana passada.

A quem esteve minimamente atento não terá passado desapercebida a violência das enxurradas, correndo pelas ribeiras e fora delas, bem como a destruição que a enxurrada ia fazendo em habitações, infraestruturas sociais, vias de acesso, viaturas, etc. Verificada a violência, não terão sido poucos os que se interrogaram sobre o porquê de tal rasto de destruição.

Muitos, certamente, terão dito que sempre foi assim e pouco poderemos fazer para o evitar. Outros, entre os quais me incluo, terão procurado outras respostas. E a resposta mais certeira é a que resulta da tentativa de compreensão do processo de urbanização e construção associado às edificações que foram destruídas, ou poderiam tê-lo sido.

Não terá escapado a ninguém que a maioria dos estragos se verificou em construções implantadas no leito de cheia das ribeiras. Certamente, que, não é a primeira vez que um tal rasto de destruição teve lugar. Poderemos, então, perguntar-nos: será que aquela gente não aprende nada com as experiências do passado, de modo a deixar de construir onde já anteriormente se verificaram destruições?

Aprendeu, com certeza e, por isso, a explicação tem de ser procurada fora da experiência das populações. A verdadeira explicação tem que ser encontrada na falta de terrenos disponíveis para a construção por parte das famílias mais carenciadas. Com efeito, na Madeira, como no Continente, os terrenos para construção estão sujeitos a uma forte especulação fundiária.

Na ausência de medidas de ordenamento urbanístico adequadas, os melhores terrenos vão sendo transformados em reservas para construção, quer para habitações de famílias mais ricas, quer para empreendimentos turísticos, quer para infraestruturas públicas ou outras. Para os que têm menos rendimentos restam os espaços em que mais ninguém quer construir.

Assim, vemos nascer aqueles cogumelos de casas brancas onde, mais cedo ou mais tarde, vai voltar a passar a enxurrada que, atrás de si leva as casas como de castelos de cartas se tratasse. Mas há que reconstruir o que ficou destruído, porque não há mais lado nenhum onde construir, sendo bem-vindos os subsídios que o Governo Regional possa trazer para que se reinicie o processo!
 
É a lógica de alguns “comendadores” que, depois de terem passado a vida a beneficiarem de negócios em que foi explorada a mão-de-obra que empregavam ou os clientes que subordinavam, resolveram, como que por ato de arrependimento, passar a ser benfeitores, lá na terra, da igreja, dos lares, da banda de música, etc.

 Foi o que, também, aconteceu com a grande cheia de Lisboa de 25 para 26 de Novembro de 1967. Fala-se em mais de 700 mortes. O que aprenderam os decisores políticos? Nada! A intensidade da urbanização nos leitos onde se verificaram maiores destruições mais do que duplicou. O que virá a contecer? Só Deus o saberá, mas os homens que decidem tinham obrigação de, também, saber.

E então não há nada a fazer? Claro que há. O que há a fazer, é fazer o que fazem todos os países, ou territórios, que já resolveram o problema, ou seja, constituir, como pública a posse do solo urbanizável. Quando tal acontece, é possível planear o que se deve, ou não, construir em cada local, começando por proibir a construção em leitos de cheia. Para além disso, a afetação  de cada terreno a determinado uso, pelas administrações públicas, elimina o escândalo que é a apropriação privada de mais-valias de localização e, por essa via, também, a especulação fundiária.

03 novembro 2012

Ainda será preciso dizer mais alguma coisa?

Sobre a situação de esbulho (ver aqui e também aqui) a que temos vindo a ser sujeitos e em que nos encontramos parece que já tudo foi dito. Desde há mais de um ano que neste blog se têm identificado as raízes da crise e mostrado que a austeridade, acrescentada de austeridade, a outra coisa não conduz que não seja a mais crise e à necessidade de mais austeridade. São múltiplas as reflexões e declarações, tanto de políticos, como de académicos, incluindo personalidades da área política do governo, que conduzem a essa conclusão.

Argumenta-se, também, que essa conclusão decorre do que a experiência nos tem mostrado. Sendo isso verdade, também é verdade que não precisávamos de qualquer argumento baseado na experiência para chegar a uma tal conclusão. 

Com efeito, a economia e a sociedade funcionam de acordo com um conjunto de relações (mecanismos) que, por muito que se queira condicionar, são em grande medida inevitáveis. Por ex., quando para aumentar as receitas fiscais, que visam atenuar o deficit das contas públicas, se passa a usar instrumentos de política fiscal que provocam uma diminuição do poder de compra de largas massas de população, outra coisa não se pode esperar que não seja a diminuição do consumo dessa população. O mesmo se poderia referir para o aumento de desemprego e para o encerramento das empresas. Diminuindo o consumo, diminuem as vendas, o que entre outras consequências conduz à redução dos impostos pagos pelas empresas e por aqueles que vêm os seus rendimentos diminuídos. Assim, o que se pretendia que viesse a curar o deficit veio, afinal agravar a doença.

 O deficit não diminuiu e para fazer face ao seu crescimento continuado os responsáveis insistem na mesma receita e aumentam, de novo, a carga fiscal. Os resultados não poderão, no entanto, ser melhores que os anteriores. Isto é, a austeridade conduz necessariamente à necessidade de mais austeridade. Não precisávamos da “experiência” para sabermos que tal ia acontecer. É esta a situação e a dinâmica a que temos estado submetidos, mas teria sido possível, desde há muito, antecipar os seus resultados, sem termos que esperar pelos resultados da experiência.

Voltemos às origens. Recordemos o que já mais do que uma vez aqui foi dito. Independentemente da existência ou não existência de deficits, tudo o que estamos a ver acontecer não é mais do que uma monumental operação que visa (implícita ou explicitamente) permitir aos grandes grupos financeiros recuperar das perdas acumuladas e que conduziram ao “crash” de 2008. Mas vai-se mais longe, porque mesmo que as perdas tivessem sido recuperadas a sua sanha de espoliação não terminaria e não vai terminar aqui. 

Ao longo das últimas décadas foram criados mecanismos de distribuição que conduziram ao que habitualmente se tem designado por “Estado Social”. O alargamento dos benefícios sociais (saúde, educação, cultura, prestações sociais) à grande maioria da população não é mais do que um esquema que permite realizar uma repartição do rendimento, mais equilibrada e mais justa do que a que é possível obter através do simples funcionamento dos mecanismos de mercado que, sem mecanismos corretores, conduzem a concentrações crescentes de riqueza.

Claro que os benefícios sociais têm custos que vão ter que ser pagos, em grande medida, através de impostos que deverão tender a incidir, de forma progressiva, sobre os que mais recebem. Eliminar os benefícios sociais, significa eliminar os custos correspondentes e criar condições para que a progressividade fiscal diminua ou mesmo seja eliminada. De outra coisa não se trata do que uma gigantesca operação de transferência de rendimentos dos que menos têm para os que mais possuem.

O Orçamento do Estado para 2013, que já vimos ter sido aprovado na generalidade, mais não é do que um imenso e quentinho agasalho para a acomodação da operação de desvalorização das remunerações dos trabalhadores e de todos os que não vão buscar os seus rendimentos aos proveitos do capital financeiro. O desequilíbrio na repartição dos rendimentos não pode cessar de se aprofundar. Deveremos interrogar-nos sobre se é essa a sociedade em que queremos viver e doar aos nossos filhos e netos (vide aqui o documento difundido pelo grupo Economia e Sociedade, sobre este assunto).

É a esta luz que deve ser interpretada a anunciada operação de “Refundação do programa de ajustamento” pelo senhor Primeiro Ministro. Ele teve o cuidado de precisar de que se tratava de uma refundação e não de uma negociação. Convenhamos que, enquanto operação de lançamento de poeira para os olhos dos que o seguiam, a coisa teve a sua eficácia.

O responsável da oposição deixou-se enredar pelo isco e, no Parlamento, quando se deveria discutir o orçamento gastou o seu tempo a discutir a “refundação”.

A verdade é que não se percebe nem os termos, nem o conteúdo da expressão “Refundação do programa de ajustamento”. Mais tarde ligou este propósito à necessidade de repensar as funções do Estado mas, aqui chegados, outra coisa não se pode dizer que não seja que o “gato ficou escondido, mas deixou o rabo de fora”.

Será que alguém entende que é possível fazer o que quer que seja no “programa de ajustamento” dispensando a inevitabilidade de negociações?
Existe talvez uma possibilidade, que consiste e não negociar coisa nenhuma, mas baixar os braços e permitir que através da troika o grande capital nos imponha tudo o que devemos fazer. E o que devemos fazer, que não se tenha dúvidas, é caminhar para o suicídio enquanto país soberano.

A esta luz já se compreende melhor o sentido do “repensar as funções do Estado”. Repensar, não para as aumentar, mas para as diminuir e, se for necessário, reconduzi-las a um conjunto restrito de funções, correspondentes às funções de Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros, Segurança Interna e Justiça.

Só não se percebe é porque é que a iniciativa política deve ser privilégio do responsável do Governo. Então, não poderia o Secretário-geral do maior partido da oposição convidar o Chefe do Governo para se sentarem a uma mesa das negociações e analisarem como é que o deficit pode ser superado reforçando, simultaneamente, as funções sociais do Estado, ou ainda, o Estado Social? É um propósito que não pode ser considerado uma aberração, para além de que é possível e é desejável.

Por todas estas razões temos suficientes argumentos para com muita veemência dizer que é, sempre, preciso “dizer alguma coisa”. Ainda há muito para dizer e há muitos que precisam de ouvir o que lhes queremos dizer.

22 outubro 2012

Travar a Recessão. Renegociar o Memorando. Construir um Futuro Melhor

Economia e Sociedade, na sua reunião do passado dia 17, aprovou e deliberou tornar pública uma tomada de posição acerca das propostas do Governo sobre as Grandes Opções do Plano (GOP) e o Orçamento de Estado (OE) para 2013, no entendimento de que as mesmas merecem, da parte dos cidadãos e das cidadãs, a devida atenção, uma vez que aqueles dois instrumentos de política económica irão determinar o nosso futuro próximo em aspectos essenciais da vida colectiva, nomeadamente: o desenvolvimento socioeconómico do País, o emprego e o desemprego, o nível de rendimento e sua repartição, o consumo das famílias, a extensão e a qualidade da provisão de bens públicos, como a educação, a saúde, a segurança social.
Da referida tomada de posição transcrevemos alguns excertos:

Travar a recessão
Os indicadores já conhecidos acerca da eficácia das medidas de austeridade aplicadas em 2012 sustentam a ideia de que, ultrapassados que estão certos limites de punção fiscal sobre os rendimentos pessoais de grande maioria da população (redução salarial e agravamento de impostos), há que contar com efeitos perversos em relação aos resultados visados com essas medidas, como a Ciência Económica o demonstra.
Há, pois, que travar a recessão económica e não agravá-la, como sucede com a proposta do OE 2013.

Existem alternativas
A via da austeridade é apresentada como inevitável, mas não há evidência científica que o comprove. 
É nossa fundada convicção de que existem alternativas e bom seria que o Governo se disponibilizasse para, de imediato, as desenhar, de modo a viabilizar, urgentemente, um amplo consenso nacional em torno de um projecto de desenvolvimento humano e sustentável para o País.
Esta é, aliás, a única via que poderá contribuir para encontrar uma solução durável para o problema das dívidas, sem que se continue a destruir a capacidade produtiva do País e a agravar o empobrecimento colectivo, como vem sucedendo.

Combater a corrupção
É sabido como a promiscuidade entre interesses privados e a causa pública parecem gozar de um estado de excepção e privilégio. Estamos perante uma situação que, para além de merecer reprovação por razões éticas, tem de ser denunciada e combatida pelo facto de constituir obstáculo ao desenvolvimento e a uma saudável vida democrática.

Preservar e aprofundar o modelo social
É com perplexidade que vamos constatando que as medidas que estão a ser prosseguidas configuram a construção de um novo modelo de sociedade, que vai pôr em causa o que foi adquirido ao longo do tempo, designadamente: o respeito pela dignidade do trabalho e pelos direitos dos trabalhadores; o papel da negociação e do diálogo social e, de modo geral, a intervenção do Estado na regulação da economia e na promoção activa do desenvolvimento e do estado de bem-estar social.

Responsabilidade das instituições comunitárias
Para além das responsabilidades nacionais na condução da política económica interna, há que ter presente que uma parte importante do que está a acontecer no nosso País é explicada pela desregulação do sistema financeiro mundial e pelos mecanismos de política monetária adoptados na zona euro, os quais se têm revelado inadequados para os países periféricos e têm contribuído para um agravamento das assimetrias existentes no seio da zona euro. Seria de esperar um papel mais proactivo por parte das instituições comunitárias competentes para alterar esta situação, o que até agora não tem sucedido.
Admitimos que uma acção concertada por parte dos estados membros em situação de dificuldade de financiamento das suas economias poderá contribuir para superar as actuais disfuncionalidades e afirmar, com maior realismo, o modelo social europeu tanto no interior da União como no plano mundial.

Mudanças culturais
Acreditamos que são, muitas vezes, os momentos de crise que tornam possível a passagem para um novo patamar civilizacional, conducente a melhor concretização das justas aspirações dos povos ao desenvolvimento e à justiça social. Os ventos da mudança não podem, contudo, ser dirigidos contra e à custa dos que já hoje e também no passado, estão a ser, ou foram, desapossados da sua vivência e aspirações a níveis mínimos de bem-estar.
O texto na íntegra pode ser consultado aqui.

06 setembro 2012

O estado da Relva

Há dias ( ver aqui ) fiz uma chamada de atenção sobre os malefícios da Relva má quando cresce e prolifera no meio da relva boa, e da necessidade de atuar rapidamente, com vista a evitar que a Relva má comesse (cobrisse) a relva boa.

Passada uma semana começam a aparecer os tufos de erva daninha, provocando o amarelecimento da erva boa, sinal de maleita cujas consequências se poderão tornar irreversíveis.

Ah! Esquecia-me de referir que tudo isto se está a passar no jardim da RTP.

29 agosto 2012

A RTP, os palácios, os repuxos de água, os concertos de câmara, os jardins de buxo e o crescimento das Relvas

Um título estranho que, afinal, tem muito a ver com a realidade que estamos vivendo. Parece que as suas várias componentes não têm nada a ver umas com as outras mas, como veremos, estão profundamente entrosadas.

Todos temos uma perceção mais ou menos clara, do que são bens e serviços públicos e bens e serviços privados. É comum considerar-se como bens e serviços públicos os que são possuídos pelas administrações públicas e como bens e serviços privados os que são detidos por pessoas individualmente, qualquer que seja o título que justifica a sua apropriação.

É uma distinção que, no entanto, gera muitas erradas interpretações, porque tende a confundir as formas de gestão com a verdadeira raiz da existência dos bens ou serviços públicos.

Em economia há, um critério mais rigoroso para definir o que são bens públicos. São bens públicos os que obedecem às propriedades de “não rivalidade”, de “não exclusividade” e de “indivisibilidade”. 

Parece que a introdução desta nova terminologia só vem complicar as coisas quando elas precisavam de ser simplificadas. Não é esse o caso, como veremos.

A propriedade da “não rivalidade” significa que um indivíduo, ao consumir um bem ou serviço (por ex. passear num jardim, ouvir um concerto num espaço público), não faz concorrência, isto é, não limita o benefício que outro indivíduo pode retirar desse mesmo consumo.

A “propriedade da não exclusividade” significa que nenhum indivíduo pode apropriar-se em exclusividade do bem ou serviço, ainda que o deseje.

A “propriedade da indivisibilidade” tem como consequência o bem ou serviço não poder ser consumido às parcelas; ou se consome todo, ou não se consome.

Nos “bens ou serviços públicos puros” estas propriedades verificam-se em qualquer tempo ou lugar. É fácil de compreender, no entanto, que estes critérios sofrem limitações: no tempo, porque um serviço que hoje é público, pode não o ter sido no passado (por exemplo a distribuição de energia elétrica) e inversamente; no espaço, já que o que é tomado como público numa determinada cidade, pode não o ser numa outra (por ex. a existência de uma orquestra sinfónica financiada pelos poderes públicos da cidade).

Há quem considere que só podem ser públicos os bens ou serviços cujas propriedades decorrem das suas características naturais (o ar, a água da chuva, e as forças armadas, por ex.). No entanto, é cada vez mais generalizada a opção segundo a qual os bens e serviços são públicos, não apenas por causa da sua natureza mas, também, em consequência de opções de caráter político. Isto acontece quando, por ex., uma sociedade, uma comunidade, entende que determinados bens ou serviços, que só beneficiam determinadas classes privilegiadas, devem passar a beneficiar toda a população, passando as autoridades públicas a ter a responsabilidade de proporcionar a todos, o acesso a esses bens e serviços.

E cá estamos nós chegados à RTP, aos palácios, aos repuxos de água, aos concertos de câmara, aos jardins de buxo e ao crescimento da Relva.

A televisão tanto entre nós, como na grande maioria dos outros países, foi concebida como um serviço público porque se considerou que a informação e os outros serviços que disponibiliza têm que estar acessíveis a todos, em igualdade de condições e garantindo uma total característica de isenção. Esse é um dos fundamentos da sociedade democrática. Isto não significa que não possam existir canais de televisão de iniciativa privada, embora convenientemente regulados pelo Estado. Contudo, a iniciativa privada não substotui a iniciativa pública.

 Se a televisão fosse considerada, apenas, um serviço privado, ou mesmo só objeto de concessão a privados, os valores, acima referidos, que se pretendia proteger podem ser postos em causa. Vide o que poderia acontecer se a concessão, após a realização de concurso público internacional, fosse atribuída a um canal ou entidade estrangeira. De pouco valerá falar de que não tem que haver receio argumentando que a forma da gestão dos programas estará pré-fixada nas condições da atribuição da concessão.

Quanto aos palácios, já houve tempo em que eram domínio privado. Hoje, a grande maioria deles é propriedade pública e está sujeita à gestão pública e podem ser usufruídos por toda a população.

De igual modo nos poderíamos referir aos repuxos de água que no passado só estavam disponíveis nos jardins dos palácios, para gáudio dos nobres que aí habitavam.

A música de qualidade também só estava acessível a poucos. Quem não conhece a contratação de compositores e músicos por reis, príncipes e papas? Ao povo, às vezes, ficava reservado o canto do “nosso fado”.

Os jardins de buxo são composições de rara beleza de cuja observação a grande maioria de nós não poderia beneficiar, a menos que espreitasse pelo buraco da fechadura dos palácios. Hoje, eles são, na sua grande maioria, considerados um bem público.
 
 Acontece que não há jardins dignos desse nome sem um bom tapete de Relva, o que só é possível se a Relva for de qualidade. Entre nós os principais tipos de relva são: o escalracho, a bluegrass, a ryegrass, a festuca e a bermuda. A plantação ou semeadura de cada uma delas não tolera, no entanto, o crescimento de ervas daninhas, com grande facilidade confundidas com a verdadeira relva. A estas, ou estes, Relvas há que dar um combate incansável, sem o que eles darão cabo de todo o jardim, nomeadamente, pelos efeitos perversos resultantes das tentativas de criação de comunidades urbanas, de transmissão de informações biológicas que eliminam a relva boa ou de se envolverem em reformas administrativas pouco sustentadas.

Estas são algumas das tentativas que vemos proliferar e que rapidamente podem fragilizar os nossos jardins (democracia).

Compreenderam? 

Espero que sim.

24 julho 2012

Para salvar Portugal

Para salvar Portugal talvez valha a pena:
- Perder as eleições; que se lixem as eleições, porque o que interessa é Portugal!
         - Não fazer eleições; é só uma vez ou duas;
         - Suspender os partidos; apenas durante dois ou três anos;
- Diminuir o financiamento aos serviços hospitalares; não se pode deixar de racionalizar a prestação de serviços de saúde;
- Fazer a concentração de Escolas, ainda que isso exija, durante algum tempo, a desertificação de largas zonas do país;
- Eliminar muitos tribunais cuja atividade deixou de ter escala; quem necessita de a eles recorrer pode muito bem habituar-se a percorrer mais 50 ou 100 kms, porque disporá de serviços de muito maior qualidade;
- Reduzir as atividades do Estado Social ao minimamente indispensável, de modo a poder dar, apenas, apoio aos mais velhinhos; as instituições de solidariedade social sempre existem para alguma coisa;
- Começar a adiar as reparações das vias públicas, porque os invernos não são muito rigorosos e pode-se ir aguentando mais uns tempos;
- Reduzir a recolha de lixo a dois dias por semana; cada um que guarde o lixo que produz em sua casa, ou deixe de produzir tanto lixo;
- Deixar de se gastar dinheiro com o ambiente, porque isso são vícios que só os países ricos podem ter;
- Não estar demasiado preocupado com o crescimento do desemprego porque, apesar dos sacrifícios suportados, quando vier o crescimento todos ficaremos melhor;
- Eliminar todas as iniciativas que não permitam a redução das despesas públicas, porque a existência do Estado apenas serve para atrapalhar a iniciativa privada;
- Introduzir algumas restrições na liberdade de escrita e produção áudio para que o Governo possa trabalhar com mais tranquilidade;
. . .    . . .   . . .    . . .
- Suspender a democracia; é só um bocadinho enquanto se põe isto em ordem;
- Pôr Portugal a hibernar durante algum tempo, para que quem tem que fazer o seu trabalho o possa fazer tranquilamente;
- Deixar Portugal a afundar-se para que se salve e renasça sem vícios e com mais vigor.
Talvez assim se possa salvar Portugal!
Só se os deixarmos fazer o que se viu que se poderão vir a propor fazer!