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13 janeiro 2017

O Manifesto de Estocolmo: a caminho de um consenso sobre os princípios de política para o mundo contemporâneo



Uma organização governamental sueca (Swedish International Development Cooperation Agency – SIDA) dedicada à luta contra a pobreza no mundo, atenta às crescentes manifestações de instabilidade social que vêm alastrando, convidou um grupo de treze economistas, onde se incluíam quatro ex-economistas principais do Banco Mundial, um deles prémio Nobel, para aprofundar as razões fundamentais daqueles fenómenos.

A conclusão genérica foi a de que algumas das ideias que têm estado na base da economia do desenvolvimento, podem ter contribuído para parte dos problemas com que o mundo actual está confrontado.

Em particular, “é agora evidente que zelar apenas pelo equilíbrio dos orçamentos nacionais e pelo controlo da inflação, ao mesmo tempo deixando tudo o resto ao mercado, não gera automaticamente crescimento sustentado e inclusivo[1].

A partir desta ideia, os autores do Manifesto[2] identificaram oito grandes Princípios que deveriam guiar uma política de desenvolvimento.

De facto, já não pode ser ignorada a incapacidade do modelo imposto nas últimas décadas para gerar um crescimento sustentado inclusivo: a liberalização desregulada e a confiança cega nas forças de mercado, sem qualquer fundamento científico, são responsáveis por muitos dos problemas atribuídos à globalização.

A definição das políticas macroeconómicas, sem deixar de lado os modelos matemáticos de que se servem e, por vezes, abusam, deve passar a incluir outras metodologias e devem tomar como base “uma visão clara dos objectivos da política de desenvolvimento, aprendendo com os êxitos e os erros do passado e com o corpo da teoria económica e da análise estatística acumulada num longo período de tempo”.

É esta humildade que se impõem para uma verdadeira Nova Economia, pelo que os oito Princípios constantes deste Manifesto (que não se confundem com uma listagem de medidas), bem poderiam constituir um ponto de partida para rever o que está a ser ensinado aos futuros economistas e, obviamente, uma fonte de inspiração para os responsáveis políticos a todos os níveis.

Ressaltamos alguns pontos principais que, de forma alguma, esgotam a riqueza de pensamento contida no Manifesto.

O primeiro dos oito Princípios é o de que o crescimento do PIB deve ser olhado como um meio em ordem a um fim e não como um fim em si, pois o que importa é que ele fornece os recursos para “as várias dimensões do bem-estar humano: emprego, consumo sustentável, habitação, saúde, educação e segurança”.

O segundo Princípio desenvolve a ideia da necessidade de promover activamente o Desenvolvimento Inclusivo,” a única forma de desenvolvimento socialmente e economicamente sustentável”, o que implica deixar de lado a ilusão do efeito “trickle down” pelo qual todos beneficiam igualmente do progresso económico. Não basta olhar apenas a pobreza mais severa, também “a crescente desigualdade de riqueza e desenvolvimento nas últimas décadas, a par da desigualdade nas oportunidades de acesso a serviços básicos como a saúde e a educação, são eticamente indefensáveis, minam a coesão social e alimentam a espiral de captura das políticas por parte das elites, o que ainda mais aprofunda as desigualdades”.

O terceiro Princípio refere a sustentabilidade ambiental como sendo uma exigência e não uma opção, salientando, entre outros pontos, a questão, tão pertinente no mundo actual, da emigração por degradação ambiental, a qual “pode levar a insegurança e conflitos que minam o desenvolvimento”. Em geral as soluções dos problemas ambientais não podem ser deixadas ao mercado, ante se impõe a intervenção do Estado e a cooperação internacional.

O equilíbrio necessário entre os diferentes actores – Mercado, Estado e Comunidades – constitui o quarto Princípio, onde se aponta, nomeadamente, a responsabilidade da desregulação dos mercados nas crises financeiras e nos níveis insustentáveis de desigualdade.

A forma como deve ser promovida a estabilidade macroeconómica é analisada no quinto Princípio, merecendo aí destaque, a exigência de flexibilidade política, em particular no tocante aos equilíbrios orçamental e externo. O papel fundamental do estímulo orçamental e do investimento público é sublinhado não só como meio para resolver armadilhas de estagnação como em domínios de fraco interesse por parte do investimento privado, por exemplo, as infraestruturas ou a tecnologia verde.

O rápido avanço da tecnologia é matéria constante do sexto Princípio. Consideram os autores que, ao contrário do que é mais usual, não são apenas relevantes os efeitos directos sobre o trabalho, cujo mercado se tornou global pelos avanços tecnológicos: a perspectiva deve ser mais alargada para ter em conta a maior apropriação pelo capital da riqueza que as novas tecnologias permitem.

O sétimo Princípio com o título “As normas sociais e as atitudes mentais são importantes”, põe em causa a tradicional desvalorização da sua articulação com a economia: “os nossos valores e a nossa cultura não são apenas importantes para nós próprios, têm também impacto sobre o desempenho económico”.

O oitavo Princípio faz apelo à responsabilidade da comunidade internacional, questão tanto mais importante quanto é certo que “as forças globais cada vez mais enquadram as opções políticas de desenvolvimento que são disponibilizadas aos governos nacionais”.

Não faltam os exemplos, no mundo actual, desde as políticas monetárias que afectam os fluxos de capitais, às restrições sobre migrações, políticas comerciais e regulações sobre paraísos fiscais

As propostas que aqui nos são deixadas por um grupo de economistas que, para além das suas competências científicas têm o conhecimento aprofundado do que é a economia e como ela influencia a vida das pessoas e os equilíbrios mundiais, não podiam ser mais oportunas: é tempo de abandonar soluções parcelares e descoordenadas para os problemas e a insistência em modelos inoperantes e injustos.

Só assim, apesar de todas as incertezas que marcam o presente, podemos esperar ultrapassar as dificuldades que se avolumam.


[1] Project Syndicate - A New Year’s Development Resolution – 30 de Dezembro de 2016

07 dezembro 2016

Á espera da Primavera Europeia



A decisão que o Eurogrupo acabou de tomar no dia 5 de Dezembro, ao não apoiar uma proposta da Comissão Europeia para estimular a débil economia da área do euro, não sendo surpreendente, nem por isso deixa de ser de extrema gravidade, aumentando a já existente divisão entre países credores e devedores e contribuindo para alimentar a instabilidade política criada por movimentos radicais que espreitam a sua oportunidade de domínio.

O que estava em causa era um estímulo de 0,5% do PIB, da ordem de 50.000 milhões de euros, e, com a Itália ausente do debate, apenas cinco países (Portugal, França, Espanha, Irlanda e Grécia) apoiaram a proposta da Comissão. Os restantes seguiram a posição da Alemanha, mantendo-se imutáveis na defesa da política de austeridade.

Aquela decisão não é certamente explicável por falta de um fundamento rigoroso para a necessidade de um estímulo fiscal capaz de dinamizar a procura interna real na área do euro, a qual ainda é inferior à registada no início de 2008.

De facto, multiplicam-se análises muito críticas sobre a austeridade bem como recomendações de especialistas e de organizações internacionais para que se opte por políticas claramente expansionistas por parte de alguns países europeus.

Um artigo que ontem Martin Wolf publicou no Financial Times (More perils lie in wait for the eurozone- Divergence in the performance of members of the single currency is a real challenge) refere que a fraqueza da procura interna actua no sentido de manter demasiado baixas as taxas de inflação e, no tocante a alguns países do sul, constata desde 2007 a magnitude da perda de PIB real percapita, em paridade do poder de compra, sendo a evolução de sinal contrário na Alemanha.

E afirma: “A dolorosa verdade é que a área do euro não só sofreu um pobre desempenho, como também provou ser uma máquina geradora de divergência económica entre os seus membros em vez de gerar convergência”.

A dependência excessiva de grandes excedentes externos é, no seu entender, o resultado de um processo de ajustamento mal conduzido.

São estes os motivos que levam Martin Wolf a denunciar que a área do euro se encontra à beira de um desastre, e, embora admita ser ainda possível evitá-lo, alerta para que as interações entre os acontecimentos económicos e financeiros e os fenómenos de stress político, são imprevisíveis e perigosas.

Para tal, advoga o abandono de políticas de austeridade, na mesma linha do recente relatório (Economic Outlook) da OCDE, substituindo-as por uma combinação de estímulo fiscal para o crescimento com importantes reformas estruturais.
Parece-nos bem significativo da consciência da necessidade urgente de mudança que a OCDE não se tenha limitado a vagas recomendações e tenha identificado claramente os grupos de países que deveriam adoptar uma política expansionista, naturalmente com intensidade variável, mas com destaque para a Alemanha e os Países Baixos.

Qual a probabilidade de que tal venha a acontecer? Até quando vingará a ideia, sobretudo alemã, de que o endividamento público, independentemente do seu custo, é um pecado?

O que lemos e ouvimos dizer é que temos que esperar pelas eleições na Alemanha, previstas para o próximo ano.

Até lá, que mais pode suceder, com que custos, com que responsáveis?

19 fevereiro 2013

Construir o nosso futuro - um desafio à participação.

O anúncio da Conferência Economia Portuguesa - Propostas com Futuro -, que aqui foi apresentado pela Professora Manuela Silva, gerou uma natural expectativa acerca do que viria a ser o resultado de um trabalho desenvolvido em rede desde meados de 2011.

Tive o privilégio de assistir a todas as apresentações e debates, numa ampla sala da Gulbenkian, completamente cheia de gente, ao longo de todo o dia e prolongando, nos curtos intervalos, a troca de pontos de vista acerca dos temas das sessões.

Se dúvidas existissem, viu-se como a sociedade civil está viva em Portugal e apta a debater, de forma séria e empenhada, o futuro da economia e de como é importante o papel que pode desempenhar o meio universitário, quando decide abrir-se à sociedade .

O que quero também testemunhar é a qualidade das intervenções, maioritáriamente de economistas - mas também de docentes de outras áreas das ciências sociais -, e os desafios que deixaram para que o debate continue e alastre a círculos mais vastos, dentro e fora dos meios universitários, para além de que é crucial que chegue às instâncias de poder!

A este propósito, não posso calar o espanto da ausência de eco da Conferência na comunicação social, muita dela entretida com futilidades ou pequenos escandalos.

A Ciência Económica, como se sabe, mas tende a ser esquecido, não é neutra e deve integrar o contributo de outras ciências sociais, para que se abra espaço, como foi dito na Conferência, à Economia Política.

Os descrentes da existência de alternativas às politicas recessivas que têm estado a ser postas em prática, encontraram certamente razões para uma nova esperança.

E quem tende a distorcer, ou a omitir, as verdadeiras raízes da actual crise, culpabilizando, e assim tornando dóceis, os cidadãos, poderia aproveitar para rever as suas posições, se elas têm explicação na ignorância e não em preconceito ideológico.



22 novembro 2012

Elogios Suspeitos


É boa norma desconfiar dos elogios quando estes manifestamente não têm qualquer aderência à realidade. Há quem seja especialista em fazê-los, nomeadamente quando deles retira vantagem própria. Vem isto a propósito das recentes apreciações feitas acerca da sexta avaliação da troika ao programa de ajustamento negociado pelo estado português com os credores.

Com efeito, em certos meios financeiros, governamentais e outros, consideram-se os resultados já obtidos como muito positivos e louva-se a estratégia definida para os alcançar, mas, ao mesmo tempo, tais apreciações não podem ignorar que os indicadores de desemprego crescem, a recessão económica é incontornável, sucedem-se as falências e encerramento de empresas em alguns sectores mais sensíveis, as previsíveis taxas de crescimento do PIB para os próximos anos são negativas, os impostos sobre os rendimentos atingem patamares-limite, aliás já ultrapassados, sobretudo nos escalões de rendimento intermédio, a pobreza aumenta em incidência e severidade e alastra a sectores sociais diferenciados. Em que critérios repousarão os elogios feitos?

Economia e Sociedade (GES) pronunciou-se sobre a situação socioeconómica do País e a via da austeridade que vem sendo seguida e é agora reafirmada para 2013, em tomada de posição que tornou púbica aquando da apresentação da proposta do Governo do Orçamento de Estado para 2013. Desta tomada de posição respigamos dois parágrafos que assumem no actual contexto uma particular actualidade.

Acerca da ponderação das escolhas de política económica a fazer, diz-se naquela tomada deposição:
(…) se podem ser considerados importantes os compromissos legítimos assumidos com os credores, não menos importantes e vinculativos são os compromissos assumidos com os cidadãos, também eles credores no que diz respeito ao direito à saúde, à educação, às prestações sociais, à justiça, ao emprego, à segurança social e ao desenvolvimento.

Quanto ao rumo a seguir, valoriza-se uma estratégia de desenvolvimento que assente no aproveitamento dos recursos potenciais e aponte objectivos claros de qualidade de vida das pessoas e de equidade e coesão social.

(…) De vários lados vêm surgindo apelos a que o Governo dê a devida importância à elaboração de uma estratégia de crescimento económico que vise a qualidade de vida das pessoas e dos seus territórios e a promoção do bem-estar social (melhor educação, saúde, segurança social), devendo ser tal estratégia a enquadrar a política fiscal e financeira e não o contrário. É exigência de um estado de direito e da democracia.

13 outubro 2012

O erro do F.M.I.

É pouco habitual que os Relatórios do FMI tenham tão grande projecção como aquela que está a ter o recente relatório intitulado “Coping with High Debt and Sluggish Growth”(1) .

A razão para tal encontra-se no reconhecimento, pelo economista principal do Fundo, Olivier Blanchard, de que o chamado “multiplicador orçamental”, que os peritos do FMI estimavam situar-se, em média, em cerca de 0,5 (ou seja, 1% de contracção da despesa pública daria origem a 0,5% de decréscimo do PIB) estava claramente sub-avaliado. Na realidade, aquele indicador , estima agora o FMI, situa-se entre 0,9 e 1,7 desde que se entrou no período de recessão.

Segundo o FMI, é sobretudo nas economias que adoptaram planos mais agressivos de consolidação orçamental que aquele indicador se revelou sistemáticamente demasiado baixo, pelo que foi errada a previsão do seu impacto negativo sobre o crescimento do PIB e a taxa de desemprego.

Não parece tratar-se de uma descoberta recente pois estudos datados de há cerca de 11 anos já apontavam para um impacto muito superior ao admitido pelo FMI dos gastos públicos sobre o PIB.

Contudo, o debate ideológico ter-se-á sobreposto aos resultados académicos e daí ter ganho terreno a ideia de que a crise devia ser combatida com crescente austeridade.

No presente, seria expectável que, face ao reconhecimento formal pelo FMI das suas erradas previsões - que se reflectiram, nomeadamente nos chamados Planos de Ajustamento – e perante a recessão europeia a que já muito poucos países escapam, se tivesse como prioritária uma reflexão séria sobre a política económica que tem vindo a ser seguida pela União Europeia.

Como conclui Martin Wolf num artigo recente (Lessons from History on Public Debt – Financial Times de 9 de Outubro de 2012) “A austeridade orçamental e esforços para baixar salários em países que sofrem de estrangulamento monetário podem destruir sociedades, governos e, mesmo, estados. Sem maior solidariedade, não é provável que esta história acabe bem.”

É certo que, no presente, alguns analistas querem transmitir a convicção de que pode estar no horizonte o abandono de um conservadorismo orçamental, em parte baseados em sinais de maior abertura pela Alemanha, mais consciente de que a persistência nas suas ideias acabe por lhe ser desfavorável, quer no plano económico, quer no plano político, onde se arrisca a perder aliados.

Contudo, recentes divergências entre a Directora Geral do FMI e o Ministro alemão das Finanças mostram como se está longe de se ter por adquirida aquela inflexão.

Até quando continuará a ser repetido à exaustão que não há outro caminho para enfrentar a crise que não seja o de mais austeridade, custe o que custar?

Até quando resistirá a barreira ideológica que tem inspirado as políticas de austeridade, apesar da evidência dos seus maus resultados?


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(1) - http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/02/index.htm

22 setembro 2012

Austeridade para além dos limites

Num curtíssimo artigo, “The tipping point – How much austerity is too much?”, o semanário The Economist, na sua edição de 22 de Setembro de 2012, refere a manifestação pacífica do passado dia 19 como marcando o fim da qualificação de Portugal como um bom aluno para passar a ser “um exemplo avisador dos perigos que os governos enfrentam quando tentam levar a austeridade para além da tolerância dos votantes sofredores”.

Este comentário é motivado pelas recentes medidas de austeridade recentemente anunciadas, designadamente o corte da TSU para as empresas e o financiamento deste corte através de maiores taxas pagas pelos trabalhadores.

Com ironia, o The Economist qualifica de notável o facto de o discurso de quinze minutos do Primeiro Ministro na televisão ter levado não só à união dos partidos da oposição contra esta medida, mas também à união dos sindicalistas, grandes empresas e economistas, para além de consequências políticas entre os partidos da coligação governamental.

Com a situação política criada, segundo o The Economist, é amplamente esperado que o Primeiro Ministro modifique, se não mesmo que retire na totalidade, o seu plano quanto à TSU.

Esta segunda solução parece-nos a única defensável.

O total abandono das medidas anunciadas seria visto como um sinal de inflexão no caminho da austeridade a todo o custo que tão nefasto impacto tem causado: a ética e o estado de direito sairiam vencedores e abertas continuariam outras soluções para um progressivo saneamento das contas públicas, compatíveis com o crescimento económico e o combate ao desemprego.

14 setembro 2012

A Constituição em tempos de crise

Em situação de grave crise como a que estamos a atravessar, corre-se o risco de ver desfigurada a tradução dos principios constitucionais em políticas concretas, quando não mesmo o de ser usado o argumento do “estado de excepção” para tudo pretender legitimar.

Nada mais errado e potencialmente destrutivo de uma desejável - mas tão ameaçada - coesão social.

Por isso se lê com agrado, no Acordão nº 353/2012 do Tribunal Constitucional sobre a Lei do Orçamento para 2012, suscitado por iniciativa de alguns deputados, que, apesar da Constituição não poder ficar alheia à realidade económica e financeira, sobretudo em situação de graves dificuldades, “ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objectivos económicos ou financeiros prevaleçam, sem qualquer limite, sobre os parâmetros como o da igualdade que a Constituição defende e deve fazer cumprir”.

Ainda bem que podemos contar com um Tribunal que vela pelo cumprimento da Constituição, mas melhor ainda seria que todos a tivessem bem presente nas respectivas esferas de competência.

Não sucede sempre assim, como se tem constatado.

É especialmente preocupante que o discurso da inevitabilidade de certas opções de politica económica, como o da austeridade a todo o custo, muito esteja a contribui para paralizar a opinião publica, tem eficácia muito duvidosa ou mesmo nula para fazer face aos reais problemas que enfrentamos e, no caso concreto que referimos, nem sequer respeita princípios constitucionais.

Aqueles princípios estão presentes quando, por exemplo, as politicas públicas fomentam o pleno emprego, visam a justa repartição do rendimentos, estabelecem deveres de prestação de serviços de interesse geral com qualidade e acessiveis a todos, e a todos asseguram um rendimento mínimo.

Mas em tempo de crise, quando são maiores as dificuldades de governação e se altera o peso relativo das forças sociais, uma redobrada atenção se impõe, tanto mais que o Direito Constitucional é um Direito de principios, não de regras. E estas constroem-se pelo diálogo nas instituições democráticas, atentas à voz dos seus representados.

É por isso, mais do que em tempos “normais”, indispensável a mobilização social para uma intervenção esclarecida, mas muito firme, de modo que as políticas públicas sejam avaliadas não só quanto à sua legalidade mas também tendo em linha de conta os impactos de diferentes alternativas na economia e na sociedade.

05 maio 2012

Pela Dignidade do Trabalho

O texto de ontem de Manuela Silva "Em Defesa do Valor do Trabalho" e a iniciativa deplorável e provocatória nele denunciada e que manchou o passado 1º de Maio são alguns dos motivos que me levam a escrever hoje este post. Os outros resultam da leitura de 2 artigos publicados no jornal Público: um, no próprio 1º de Maio, intitulado “Este não é um 1º de Maio qualquer” e da autoria de Juan Somavia, Director-Geral da OIT, e o outro, hoje 4 de Maio, com o título “O império do mal”, e da autoria de Domingos Ferreira, Professor da Universidade do Texas e da Universidade Nova de Lisboa. Juan Somavia diz que “…em demasiados locais, perdeu-se a noção básica de que o trabalho não é uma mercadoria”. Ora este é, significativamente, o primeiro dos “princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização”, como consta do artigo I da “Declaração de Filadélfia” da OIT (1944). O governo actual (como aliás, há anos, procedeu de forma semelhante um de idêntica orientação) acabou com o Ministério do Trabalho, meteu (ia a dizer que misturou) as questões e políticas do trabalho e emprego entre as questões de economia e transportes, entre as de produção, comércio e exportação. Os problemas de emprego são, de facto, uma questão de política económica (mas não só). Mas o ponto não está aí, o ponto está na desvalorização do trabalho em que essa opção se insere e que tem sido efectivada na revisão da legislação laboral e das condições de apoio social no desemprego (estas a cargo de outro ministério evidentemente sintonizado com o da economia), a pretexto de flexibilizar o chamado mercado de trabalho e, pretensamente, facilitar o emprego (o que a evidência tem mostrado ser falso). Pese embora haver um “mercado” de trabalho (expressão de que discordo, mas com a qual se convive, na medida em que há oferta e procura), o trabalho não é mercadoria, o trabalho não é um objecto comercial! É certo que, ao nível da própria UE, houve tentativas, e até há pouco bem visíveis, de desvalorização do próprio direito do trabalho, procurando fazê-lo equivaler-se ao direito de comércio de bens e serviços. E não se pode deixar de lembrar que isso era contraditório com o apoio expresso da própria Comissão Europeia à Agenda do Trabalho Digno lançada pela OIT. Não é demais lembrar que o trabalho não é apenas um custo, a esmagar o mais possível. O trabalho é uma situação humana, com vários aspectos que a tornam complexa, mas de que destaco o de configurar o desempenho de um papel de utilidade social e de realização pessoal (e familiar e cidadã), como aliás salienta a Doutrina Social da Igreja referida por Manuela Silva no seu texto. Como se pode falar de projecto de futuro e de vida para os 36% de jovens desempregados ou para os 40% com um nível salarial abaixo dos 600 euros (em contraste tantas vezes com o nível de qualificação)? E, a propósito, cito outra vez Juan Somavia, o qual, sobre políticas de consolidação orçamental diz: “Numa democracia, é mais importante manter a confiança de longo prazo das pessoas – especialmente as mais vulneráveis – do que ganhar a confiança de curto prazo dos mercados financeiros”. E isto leva-me ao artigo de Domingos Ferreira que em “O império do mal” denuncia a “estratégia predadora do Goldman and Sachs” através da infiltração de antigos seus quadros nas grandes instituições políticas e financeiras internacionais, referindo Mario Draghi, Mario Monti, Lucas Papademos, a que acrescento eu António Borges em Portugal, embora, claro, a um nível mais modesto. No final do seu artigo diz Domingos Ferreira: “Este poderoso império do mal…está a destruir não só a economia e o modelo social, como também as impotentes democracias europeias:” Lembrem-se do que há pouco Mario Draghi disse sobre o estado social… A pouco e pouco, se não houver sobressaltos, nas nossas democracias europeias estaremos longe da Agenda do Trabalho Digno cujos objectivos são que todas e todos possam “aceder a um trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e de dignidade humana”, de que faz parte “acesso progressivo a um emprego bem pago e com direitos” (Juan Somavia, no artigo referido).