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22 abril 2013

O erro na folha de Excel tem muito pouca importância!

Em meados da semana passada foi objeto de abundante divulgação, nos media, a existência de contradições entre os resultados de um estudo publicado em 2010 por dois académicos americanos (relacionando o comportamento da dívida pública e o crescimento do PIB) e os resultados de um estudo mais recente, da autoria de dois outros académicos de uma outra universidade. Eu próprio, num post anterior já aqui me referi ao assunto.
Acontece que, contrariamente ao que procurei sublinhar no referido post, os media e outros comentadores, em lugar de criticar a relação de causa e efeito estabelecida entre a divida e o crescimento, têm-se entretido, apenas, a chamar a atenção para erros existentes na folha de cálculo que permitiu deduzir os resultados publicitados com o primeiro estudo.
Naturalmente que a existência de erros é sempre lamentável, sobretudo, quando, com base em estudos com erros, se retiram ilações que vão suportar decisões de natureza política que se diria seriam diferentes se os erros não existissem.
O que se passou foi que no seu primeiro estudo os seus autores verificaram que “nas economias onde a dívida pública superava os 90% a taxa de crescimento média era de apenas 0,1%, em contraponto com crescimentos situados entre 3% e 4% nos países com dívida abaixo dos 90%”. A inversa, claro está, que também é verdadeira. Por isso, fica-se sem se saber se é a dívida elevada que provoca taxas de crescimento reduzidas, ou se são taxas de crescimento reduzidas que provocam percentagens de dívida elevadas.
No entanto, o que aconteceu foi que, como lhes vinha a jeito, os nossos, e não apenas os nossos, políticos de pacotilha disseram logo que o que era relevante era que a dívida impedia o crescimento.
Vem agora e segundo estudo denunciar que nos cálculos existiam erros e que, pelo contrário, em países com dívida superior a 90%, a taxa de crescimento era de 2,2%. Não faltou quem retirasse imediatamente a conclusão de que, afinal, a dívida não impedia o crescimento. Acontece que se a conclusão retirada do primeiro estudo era um abuso, esta- última não o é menos. Não é pelo fato de o erro da folha de Excel ter sido corrigido que as conclusões opostas passam a ser mais justificáveis.
Comparado com o erro que é o estabelecimento de relações de causa e efeito entre variáveis com uma mera relação estatística, o erro mencionado na folha de cálculo é uma minudência.
Afinal, os comentadores dos media e outros interessados deixaram-se inebriar pelo embrulho do presente de Natal sem se aperceberem de que a caixa estava vazia.
Entretanto o estado em que o país se encontra não deixa de ser, em grande medida, resultado destas brincadeiras. Muitos deveriam, certamente, ser despedidos por terem cometido um erro de tão graves consequências

03 novembro 2012

Ainda será preciso dizer mais alguma coisa?

Sobre a situação de esbulho (ver aqui e também aqui) a que temos vindo a ser sujeitos e em que nos encontramos parece que já tudo foi dito. Desde há mais de um ano que neste blog se têm identificado as raízes da crise e mostrado que a austeridade, acrescentada de austeridade, a outra coisa não conduz que não seja a mais crise e à necessidade de mais austeridade. São múltiplas as reflexões e declarações, tanto de políticos, como de académicos, incluindo personalidades da área política do governo, que conduzem a essa conclusão.

Argumenta-se, também, que essa conclusão decorre do que a experiência nos tem mostrado. Sendo isso verdade, também é verdade que não precisávamos de qualquer argumento baseado na experiência para chegar a uma tal conclusão. 

Com efeito, a economia e a sociedade funcionam de acordo com um conjunto de relações (mecanismos) que, por muito que se queira condicionar, são em grande medida inevitáveis. Por ex., quando para aumentar as receitas fiscais, que visam atenuar o deficit das contas públicas, se passa a usar instrumentos de política fiscal que provocam uma diminuição do poder de compra de largas massas de população, outra coisa não se pode esperar que não seja a diminuição do consumo dessa população. O mesmo se poderia referir para o aumento de desemprego e para o encerramento das empresas. Diminuindo o consumo, diminuem as vendas, o que entre outras consequências conduz à redução dos impostos pagos pelas empresas e por aqueles que vêm os seus rendimentos diminuídos. Assim, o que se pretendia que viesse a curar o deficit veio, afinal agravar a doença.

 O deficit não diminuiu e para fazer face ao seu crescimento continuado os responsáveis insistem na mesma receita e aumentam, de novo, a carga fiscal. Os resultados não poderão, no entanto, ser melhores que os anteriores. Isto é, a austeridade conduz necessariamente à necessidade de mais austeridade. Não precisávamos da “experiência” para sabermos que tal ia acontecer. É esta a situação e a dinâmica a que temos estado submetidos, mas teria sido possível, desde há muito, antecipar os seus resultados, sem termos que esperar pelos resultados da experiência.

Voltemos às origens. Recordemos o que já mais do que uma vez aqui foi dito. Independentemente da existência ou não existência de deficits, tudo o que estamos a ver acontecer não é mais do que uma monumental operação que visa (implícita ou explicitamente) permitir aos grandes grupos financeiros recuperar das perdas acumuladas e que conduziram ao “crash” de 2008. Mas vai-se mais longe, porque mesmo que as perdas tivessem sido recuperadas a sua sanha de espoliação não terminaria e não vai terminar aqui. 

Ao longo das últimas décadas foram criados mecanismos de distribuição que conduziram ao que habitualmente se tem designado por “Estado Social”. O alargamento dos benefícios sociais (saúde, educação, cultura, prestações sociais) à grande maioria da população não é mais do que um esquema que permite realizar uma repartição do rendimento, mais equilibrada e mais justa do que a que é possível obter através do simples funcionamento dos mecanismos de mercado que, sem mecanismos corretores, conduzem a concentrações crescentes de riqueza.

Claro que os benefícios sociais têm custos que vão ter que ser pagos, em grande medida, através de impostos que deverão tender a incidir, de forma progressiva, sobre os que mais recebem. Eliminar os benefícios sociais, significa eliminar os custos correspondentes e criar condições para que a progressividade fiscal diminua ou mesmo seja eliminada. De outra coisa não se trata do que uma gigantesca operação de transferência de rendimentos dos que menos têm para os que mais possuem.

O Orçamento do Estado para 2013, que já vimos ter sido aprovado na generalidade, mais não é do que um imenso e quentinho agasalho para a acomodação da operação de desvalorização das remunerações dos trabalhadores e de todos os que não vão buscar os seus rendimentos aos proveitos do capital financeiro. O desequilíbrio na repartição dos rendimentos não pode cessar de se aprofundar. Deveremos interrogar-nos sobre se é essa a sociedade em que queremos viver e doar aos nossos filhos e netos (vide aqui o documento difundido pelo grupo Economia e Sociedade, sobre este assunto).

É a esta luz que deve ser interpretada a anunciada operação de “Refundação do programa de ajustamento” pelo senhor Primeiro Ministro. Ele teve o cuidado de precisar de que se tratava de uma refundação e não de uma negociação. Convenhamos que, enquanto operação de lançamento de poeira para os olhos dos que o seguiam, a coisa teve a sua eficácia.

O responsável da oposição deixou-se enredar pelo isco e, no Parlamento, quando se deveria discutir o orçamento gastou o seu tempo a discutir a “refundação”.

A verdade é que não se percebe nem os termos, nem o conteúdo da expressão “Refundação do programa de ajustamento”. Mais tarde ligou este propósito à necessidade de repensar as funções do Estado mas, aqui chegados, outra coisa não se pode dizer que não seja que o “gato ficou escondido, mas deixou o rabo de fora”.

Será que alguém entende que é possível fazer o que quer que seja no “programa de ajustamento” dispensando a inevitabilidade de negociações?
Existe talvez uma possibilidade, que consiste e não negociar coisa nenhuma, mas baixar os braços e permitir que através da troika o grande capital nos imponha tudo o que devemos fazer. E o que devemos fazer, que não se tenha dúvidas, é caminhar para o suicídio enquanto país soberano.

A esta luz já se compreende melhor o sentido do “repensar as funções do Estado”. Repensar, não para as aumentar, mas para as diminuir e, se for necessário, reconduzi-las a um conjunto restrito de funções, correspondentes às funções de Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros, Segurança Interna e Justiça.

Só não se percebe é porque é que a iniciativa política deve ser privilégio do responsável do Governo. Então, não poderia o Secretário-geral do maior partido da oposição convidar o Chefe do Governo para se sentarem a uma mesa das negociações e analisarem como é que o deficit pode ser superado reforçando, simultaneamente, as funções sociais do Estado, ou ainda, o Estado Social? É um propósito que não pode ser considerado uma aberração, para além de que é possível e é desejável.

Por todas estas razões temos suficientes argumentos para com muita veemência dizer que é, sempre, preciso “dizer alguma coisa”. Ainda há muito para dizer e há muitos que precisam de ouvir o que lhes queremos dizer.

06 julho 2011

Às agências de rating, dizer basta!

O comportamento das agências de rating relativamente à dívida dos estados soberanos – de que acabamos de ver mais um elucidativo exemplo com a desclassificação da dívida da República portuguesa, em vésperas de um leilão - só pode ser entendido como uma aberração (mais uma!) do funcionamento do actual sistema de financeirização da economia globalizada e vem pôr a descoberto como, insidiosamente, nos vamos afastando da democracia, entendida esta como o poder do povo representado pelos seus órgãos de governo e exercido para o bem do mesmo povo.

Estamos a assistir a que ao poder democrático sobrepõe-se o poder das agências classificadoras e substitui-se o bem do povo por um conjunto de critérios (declarados uns e ocultos outros!), de alguns técnicos ao serviço destas empresas. Propõem-se satisfazer os interesses mais imediatos dos investidores, e só por isso já não caberiam nas malhas de uma regulação da economia de base democrática; o pior é que, a esta situação, acresce a promiscuidade de interesses que resulta da participação de Fundos de investimento na própria estrutura do capital accionista daquelas empresas.

No “reino da moeda virtual” em que vivemos, as agências vêm adquirindo um poder, também ele “virtual”, mas efectivo, de influenciar o destino dos povos, subordinando-o aos supostos interesses dos chamados “mercados”, essa outra realidade, também ela virtual, mas, como se está a verificar em Portugal assim como em outros países da U.E., exercendo real poder de domínio sobre a economia e a sociedade.

Estamos perante uma situação que se vem revelando particularmente grave no espaço da União Europeia e, em especial, na zona euro, devido à debilidade e baixa democraticidade das instâncias de governação a nível comunitário e pela ausência de uma política monetária comum em articulação com as necessidades de todos os estados membros.

Presentemente, as empresas de rating comportam-se livremente no espaço europeu como em “terra de ninguém”, mas é chegada a hora de proceder ao respectivo enquadramento jurídico (por.ex. proibindo, pura e simplesmente, a actividade de notação das dívidas soberanas e confiando essa tarefa aos bancos centrais ou a instância pública independente; e, nos demais casos, impondo às agências classificadoras regras de transparência de critérios, escrutínio de isenção de interesses e responsabilização civil e criminal dos agentes classificadores).

Será um longo caminho a percorrer? Talvez não, pois já são muitas e relevantes as vozes de quem às empresas de rating que conhecemos diz: “basta”!