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11 junho 2015

Novas regras para uma economia de Crescimento com prosperidade partilhada

Num texto colectivo, de mais de uma centena de páginas, publicado com a autoria de Joseph Stiglitz, prémio Nobel de Economia, defende-se a tese de que é fundamental reescrever as regras da economia americana como condição de base para o crescimento com prosperidade partilhada.
 
Sem rodeios, o texto evidencia que as actuais regras de funcionamento da economia americana (e, generalizando, das economias desenvolvidas do ocidente) não funcionam e as consequências estão à vista:
- poder crescente do mercado, com implicações na debilidade e orientação do crescimento, na sustentabilidade ambiental e no acesso equitativo à prosperidade;
- perda de concorrência em sectores-chave da economia, com consequente formação de rendas excessivas nesses sectores;
- empolamento do sector financeiro e dos negócios financeiros, a sobrepor-se às necessidades de financiamento da economia e com impacto no investimento produtivo;
- níveis anormalmente elevados das remunerações dos CEOs e modos de remuneração disfuncionais, a par de salários cada vez mais reduzidos;
- fim do pleno emprego, elevados níveis de desemprego, precarização das relações laborais e abaixamento dos padrões de qualidade do trabalho, com sequelas no enfraquecimento do poder negocial das organizações dos trabalhadores.
 
A esta situação vem somar-se a crescente e monstruosa desigualdade na repartição do rendimento e da riqueza, a que as políticas redistributivas através da fiscalidade e dos serviços públicos não logram fazer face.
 
A pertinência e o alcance deste texto não residem tanto no diagnóstico, mas na fundamentação da tese de que esta economia está baseada em falsos pressupostos e em regras que podem ser alteradas.
 
Os mercados estão enquadrados por leis e instituições. São estas que determinam o crescimento económico e quem dele aproveita. E porque estas situações não são inevitáveis há que definir novas regras que restaurem o equilíbrio de poderes e regulem adequadamente o funcionamento das economias.
 
O texto na íntegra, que merece ser conhecido e discutido por académicos, empresários, actores sociais e políticos, pode ser encontrado aqui.

19 maio 2014

A propósito de reformas estruturais e de estratégias de médio prazo: o conteúdo e as incoerências

Nas últimas semanas, e em particular na última, falou-se amplamente de “reformas estruturais” e de uma “estratégia de medio prazo” Falou-se muito mas, como dizia um amigo meu, disse-se pouco. Vou procurar explicar porquê.
As reformas estruturais que, periodicamente, têm vindo a aparecer à boca de cena, são as que as autoridades portuguesas e os seus aliados da troica vêm designando como indispensáveis para que a recuperação da economia portuguesa possa ter lugar: privatizações, diminuição do peso do Estado Social, redução da intervenção do Estado, diminuição dos salários, das pensões, etc. Quanto aos 1% dos portugueses que detêm 10% dos rendimentos entendeu-se não deverem fazer parte da reforma.
Sobre a estratégia de médio prazo é algo de que só se ouviu falar a propósito dos festejos preparados por ocasião da "partida" da troica. Para a sua aprovação o Governo dedicou-lhe, até, no passado dia 17, um Conselho de Ministros Extraordinário.
Vejamos o que está em causa. Começo por precisar alguma terminologia que tem vindo a ser utilizada, mas fora do contexto em que o deveria ser. Referi-mo aos conceitos de estrutura e de estratégia.
Falamos de estrutura a propósito da organização interna de um conjunto (sistema), que identifica o peso relativo de cada uma das suas componentes e a forma como se relacionam entre si. Pode-se alterar a estrutura desse conjunto, quer modificando o peso relativo das componentes (incluindo a eliminação de uma ou várias), quer alterando os circuitos de dependências e interdependências pré-existentes, ou ambas. Quando tal acontece diz-se que se verifica uma reforma estrutural, ou uma reestruturação do sistema.
O conceito de estratégia tem um conteúdo mais ambíguo, porque tem sido utilizado em duas aceções diferentes que, nem por isso, em cada uma delas, deixa de ser preciso. O conceito de estratégia tem origem na “arte da guerra” e significa a forma como se organizam e combinam os meios para atingir os objetivos (lembram-se do quadrado de Aljubarrota?).
Mais recentemente, o termo de estratégia passou a ser usado no âmbito da gestão de empresas, para significar uma perspetiva de médio e longo prazo. É já depois dos anos 80 que a ideologia que considera que o Estado pode ser governado do mesmo modo que se gere uma empresa, importou para o domínio da coisa pública este conceito de estratégia.
Só que, ao fazê-lo, misturou de forma incompreensível a ideia de “visão” com a de “programa de médio ou longo prazo” deixando, de ter visão, de ter programa de médio ou longo prazo e de combinar de forma eficiente os meios para alcançar os objetivos. Isto é, lançou-se uma bomba de estilhaços e o que resta, agora, é muito pouco. Fala-se, fala-se, fala-se, mas o que lá está dentro é muito pouco ou, então, não é pouco, mas está longe da desejada configuração original do sistema.
Voltemos à questão das reformas estruturais. Vale a pena chamar a atenção para a circunstância de que aquilo a que o Governo tem vindo a chamar reformas estruturais está longe do conceito de reforma estrutural acima enunciado. De facto, o que está em causa não é a alteração dos pesos relativos das componentes do Estado, ou do relacionamento entre elas. Aquilo a que temos vindo a assistir é à destruição, pausada, lenta, mas determinada, do Estado, nas componentes e funções que desde há muitas décadas lhe estão atribuídas. É assim, com as privatizações, com a eliminação das funções do Estado no domínio da saúde, da educação, da justiça, da regulação salarial, com a abdicação do objetivo de manutenção, ou construção, do Estado eficiente, etc.
Não se trata de reformas estruturais, mas de um programa de destruição do Estado atual para o substituir por um outro Estado em que desaparecem as suas funções de inclusão social e de regulação da repartição de rendimentos. Em lugar de um Estado promotor de equidade, vemos configurar-se um Estado facilitador da recomposição do capital patrimonial e da concentração de riqueza (ver, por ex. Piketty). É para isto que nos conduzem as reformas estruturais do Governo!
E quanto à estratégia de reforma de médio prazo? O Governo chamou-lhe: “Caminho para o Crescimento”. Raramente se ouviu falar de tal coisa durante os 3 anos (formais) do Programa de Ajustamento. Será que este intitulado significa que, finalmente, o Governo compreendeu que nenhuma recuperação é sustentadamente possível sem crescimento? Até aqui o que víamos firmemente afirmado era que a recuperação só seria possível pela via do empobrecimento, mas ignorando que o empobrecimento é um processo cumulativo e que chegará o dia em que os próprios credores já só encontrarão pobreza para se alimentar.
Tenho muitas dúvidas sobre a conversão do Governo e da troica à religião do crescimento, ao “Caminho para o Crescimento” como uma estratégia de reforma a médio prazo. Se é uma estratégia, poderíamos perguntar-nos se quem nos administra tem uma “visão” para o futuro. É verdade que a estratégia tem um horizonte temporal, o de 2018 mas, vai-se a ver, e aquilo que se apresenta como um agregador de reformas, umas já feitas, outras em curso e ainda outras a realizar nos próximos anos, só pretende iluminar o caminho até 2015. A razão é simples, dizem os seus responsáveis: este Governo não sabe se estará lá depois de 2015!
Fantástico! Onde está a coerência de uma visão que se apresenta como iluminando até 2018? Mesmo até 2015, como se articulam as suas medidas? Quais são os resultados esperados?
Um plano de médio prazo, uma estratégia para 4 anos! De fato não sabem do que falam. Talvez não nos devêssemos surpreender de que tal aconteça, quando sabemos que nenhum exercício sério de programação se fez neste país, desde os trabalhos que foram realizados, em 1975, dando origem ao que ficou designado por Plano Melo Antunes (Programa de Acção Política Económica e Social de Transição) e, em 1977, de que resultou o, também, chamado Plano Manuela Silva (Plano de Médio Prazo 1977-80). Desde então entendeu-se, generalizadamente, que os Planos se eram precisos era nas empresas, porque no Estado só serviriam como instrumento tolhedor de movimentos e de iniciativas. Em consequência, as próprias estruturas técnicas que poderiam ajudar a preparar os planos foram destruídas.
A verdade é que a própria Constituição da República obriga à existência de um Plano de Médio Prazo. De tudo isso restaram, apenas as “Grande Opções do Plano”, mas ficaram, apenas, no papel que acompanha o Orçamento, porque o conteúdo compromissório que se lhe deveria seguir, sempre se tem esfumado.
 

11 maio 2014

Da “porcaria da limpeza” à “limpeza da porcaria”

No passado dia 6 de Maio escrevi aqui um post em que chamava a atenção para as fragilidades do que vinha sendo anunciado como uma “saída limpa do programa de ajustamento”. Sem qualquer rebuço vários responsáveis anunciavam-nos, na mesma ocasião, que os sacrifícios que se tinham verificado anteriormente eram para manter pois, se tivéssemos a tentação das facilidades, deitaríamos a perder tudo o que de bom tinha sido adquirido até aí. Depois disto e glosando o que o José Manuel Pureza escreveu no Diário de Notícias, a questão que deve ser colocada não é, por isso, tanto a de saber se a saída é limpa ou não, mas antes a de verificarmos se, de facto, houve qualquer saída.
A via austeritária contra os cidadãos é, portanto, segundo nos anunciam, para continuar e, em particular, contra os que no período do programa de ajustamento viram mais diminuir a sua capacidade de exercício da cidadania. Só que se isto é verdade, então, o que se pode dizer da saída é que ela é tudo menos limpa. Em sentido contrário, pode-se argumentar com a possibilidade adquirida de acesso ao mercado de capitais, a taxas de juro normais. Mas ao dizer isto está-se a atirar poeira para os olhos de quem escuta, porque quem o faz está a esquecer duas questões fundamentais:
- A das condições externas que têm conduzido à baixa da taxa de juros, que se aplicam a Portugal como a qualquer outro país;
- A da destruição que tem vindo a ser feita das condições estruturais do funcionamento da economia portuguesa (recursos humanos, recursos materiais e recursos institucionais), que virá a constituir um pesado bloqueador do arranque do crescimento e do desenvolvimento.
Não tem faltado quem argumente que apenas os “velhos do Restelo” têm esta compreensão das coisas e de que uma boa prova de que não é assim que as coisas acontecem e de que estamos no bom caminho, é o facto de que existem sinais de que a economia começa a crescer e o desemprego a diminuir.
Perante quem assim pensa não pode deixar de se acrescentar: “santa miopia!”. Com efeito, como é que é possível acreditar que a economia, agora, vai começar a crescer e a desenvolver-se, de forma sustentável, se tudo o que está escrito nos livros e na experiência do passado, como condições estruturais do arranque para o desenvolvimento, tem vindo a ser destruído?
Mas, então, a economia está a crescer ou não? Ela mexe, mas é preciso ir um pouco mais a fundo e compreender o porquê. Ora este porquê tem a ver com o aproveitamento de capacidade produtiva não utilizada, com a finalização de processos de investimento que se tinham iniciado em períodos anteriores e, marginalmente, com exportações de um número reduzido de empresas que são capazes de aproveitar inovações de ponta, mas não têm condições para criar emprego.
O argumento do crescimento do emprego (diminuição da taxa de desemprego) está, também, imbuído de fragilidades. A verdadeira questão a que é preciso responder é a de saber se, estando a diminuir a taxa de desemprego, o emprego está a aumentar. Não é de mais aqui voltar a sublinhar que a taxa de desemprego é o resultado do quociente entre o desemprego e a população ativa. Ora, por ex., se desemprego diminui porque aumenta e emigração, uma diminuição de igual montante vai-se verificar no denominador do quociente, mas como em percentagem a diminuição do numerador é superior à percentagem de diminuição do denominador, a taxa cai. Coelho tirado da cartola!
E poderia continuar a desenvolver a argumentação observando as características do emprego que tem vindo a ser criado: pouco qualificado, a tempo parcial, sem garantias de continuidade, etc.
Aqui chegados, não é difícil afirmar que os “empregados da limpeza” não fizeram mais do que o que se diz que por vezes fazem os empregados pouco competentes: meteram o lixo debaixo do tapete. Por isso, importa dizer alto e bom som: que grande porcaria de limpeza! É preciso despedir os empregados que procederam a tal limpeza . . . E deste despedimento não viria a resultar qualquer espécie de consequência direta sobre o nível da taxa de desemprego. A prazo até poderia acontecer que a taxa em vez de diminuir aumentasse.
Pouco mais de 8 dias tinham passado sobre o anúncio da limpeza e eis senão quando, com banda e fanfarra, as agências de rating acordam e entram em campo , com pancartas escritas em letras garrafais, em que testamentam: vocês têm perspetivas de poderem vir a ser classificados como estando melhor, mas tenham paciência, olhem por vocês abaixo, vocês continuam a ser lixo.
Em primeiro lugar, onde é que andaram estes senhores para, agora, quando os seus aliados, cá dentro, procuram difundir um aroma perfumado de limpeza, aparecerem para dizer que, afinal, por baixo da água-de-colónia barata, a porcaria continua a existir. Somos lixo, prontos! Pois não andaram em sítio nenhum. Estiveram sempre, por aí, à espera de, como os camaleões, deitarem a sua pegajosa língua de fora e apanharem os insetos, que somos nós.
Depois, estão-se a portar como o senhor que lança rebuçados à populaça, dizendo-lhe: vejam como eu sou vosso amigo, mas se querem que eu continue a ser assim, tem que continuar a trabalhar como meus escravos; a austeridade é, pois, para continuar.
E, assim, lá continuarão a ser-nos extorquidos os nossos recursos, para que, nos bancos ou fora deles, o grande capital financeiro continue a anunciar amanhãs que cantam (ver a este propósito a entrevista hoje publicada no jornal Público e feita ao Sr. Philipe Legrain, anterior conselheiro do Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso).
Assim continuarão a ser-nos extorquidos os recursos, a menos que nos mobilizemos para incomodar quem tanto nos humilha com a classificação de que continuamos a ser lixo. De facto, o que temos que fazer é deitar fora o lixo que estes senhores nos atiram e devolvê-los à procedência carregando o lixo que nos trouxeram. Limpemo-nos, pois, desta porcaria!

12 janeiro 2014

Depois do bombardeamento e da destruição dos mercados, o que é que vem a seguir?

Por várias vezes, e em outros posts, tenho glosado esta questão dos mercados e da sua desorganização. Apesar disso, a grande euforia que, no fim da semana passada, invadiu os meios de comunicação social e até os comentadores de política económica mais improváveis, obrigam-me a voltar ao assunto. O mote é o anunciado “grande sucesso do regresso aos mercados e a consequente abertura das portas de esperança, para o crescimento, para o emprego, para a situação social, etc., que tal significa”.
 
A demonstração de que, afinal, os sacrifícios valeram a pena parece evidente. Mais, dizem-nos que os sacrifícios poderão ter que continuar para não perdermos a credibilidade e a confiança entretanto adquiridas junto dos mercados financeiros internacionais. Os últimos sinais dados pelo comportamento do crescimento, do emprego, das exportações, do consumo, etc., só o podem comprovar.
 
E nós, que para aqui andámos a procurar demonstrar que a austeridade só trazia malefícios, com que cara é que ficamos? Dirão alguns, mais simpáticos, “metam o rabinho entre as pernas e não digam mais asneiras, porque afinal eles sempre tinham razão!”.
 
É para dizer que eles continuam a não ter razão que aqui estou a escrever.
 
Começo pelo, apresentado como  “arrasador”, regresso aos mercados. Não se trata senão de um embuste. Não se verificou qualquer regresso aos mercados e ainda por cima dito no plural. Concedo que se poderá falar não de uma ida aos mercados, mas de uma ida ao mercado de capitais. No entanto, para que os seguranças nos deixassem passar pela porta de entrada do mercado, quantas portagens não foi necessário pagar pelo caminho! E bem nos foram dizendo que as portagens são para manter em futuros regressos, embora se possa vir a fazer algum descontosinho! Fomos meninos bem comportados capazes, até, de conquistar a confiança e a simpatia do monstro.
 
Contudo, não deixa de permanecer a questão: era mesmo preciso comportarmo-nos como betinhos face aos donos do dinheiro, ou um outro caminho teria sido possível?
 
Claro que não era preciso e outros caminhos, menos gravosos, teriam sido possíveis.
 
Em economia não há normativos únicos, porque cada um decorre dos pressupostos ideológicos que lhe estão subjacentes e estes são muitos. Para mostrar que outros caminhos eram possíveis socorro-me de um enquadramento que os economistas bem conhecem e que é o do “equilíbrio geral de mercados”. Reconheço que algum suporte de natureza liberal lhe está subjacente, porque admite que o funcionamento dos mercados se tende a ajustar de modo a gerar um equilíbrio geral dos mercados. Pode e deve colocar-se a questão de saber se é possível obter um equilíbrio geral sem a intervenção de agentes (Estado), que lhe são exteriores.
 
Todos sabemos que não. Mas isso não impede a teoria de nos dizer que não poderemos ter um equilíbrio para o conjunto da economia se algum dos mercados (de capitais, mas também do emprego, da inovação, da saúde, da educação, do consumo, das exportações, etc.) estiver em desequilíbrio. Mais, como os mercados são interdependentes, o equilíbrio de um mercado tem de se fazer com o equilíbrio dos restantes, e não à sua custa.
 
Quer dizer, evidentemente que temos um problema financeiro, mas também temos um problema com o emprego, com o consumo, com a educação, etc. De pouco ou nada valerá resolver o problema de um dos mercados se os outros continuarem por resolver. Se assim acontecer o que se vai passar é que o equilíbrio de um dos mercados se faz à custa dos outros. E foi o que se passou entre nós. Criámos condições para ir ao mercado financeiro, mas o que não tivemos de pagar para lá chegar! Foram inúmeras as portagens que desembolsámos e a última, de não pouca importância, foi a do pagamento, ou promessa de pagamento, de uma taxa de juro de 4,6%, para uma colocação de dívida a 5 anos. É a mais baixa desde há muito tempo mas, mesmo assim, incomportável.
 
Olhamos à volta e o que vemos? Uma paisagem de destruição. Todos os mercados foram destruídos. Todos não, houve um que sobreviveu, dir-se-ia, por milagre; foi o mercado financeiro. Agora há que passar à fase da reconstrução de todos os outros; pouco a pouco, mais uns que outros, eles vão começar a levantar-se. Pois, se até depois do lançamento da bomba de Hiroshima foi possível ver aparecer pequenas flores nos terrenos bombardeados! Só que isso não se deveu às virtualidades da bomba, mas à riqueza e capacidade imensa da mãe terra e bem teria sido possível evitar as destruições da bomba.
 
Não nos surpreendamos, por isso, que depois de bombardeados, também os outros mercados comecem a renascer, mas quanto sofrimento, quanta morte, não foi necessária para que tal acontecesse? O renascimento vai continuar a fazer-se, mas com dor, porque os que gizam o funcionamento do mercado financeiro (e com isso continuam a sua imparável dinâmica de extorsão dos nossos recursos) assim o determinam.
 
Não teria sido possível fazer um outro caminho? Claro que sim mas, mais uma vez, para que tal acontecesse seria necessário que o mercado financeiro não vivesse à custa dos outros, mas com os outros. Ele não apenas gerou a crise como, também, fez dos malfeitores os heróis da fita.
 
E a história vai ter que continuar assim? Evidentemente que não, mas para isso será preciso fazer-lhes a barragem, por ex., denunciando e impedindo que aqueles que ajudaram a vender o país (privatizações) não sejam recebidos com palmas no palácio dos malfeitores (Goldman Sachs).
 
Um comentário final para reinterpretar o que para aí se tem andado a dizer sobre a possibilidade de um programa cautelar. E se em vez da ideia de um seguro, de uma almofada de conforto, olhássemos para ele antes, como, um instrumento de que os donos do dinheiro (neste caso a UE) se socorrem para, agora, ainda por cima sem arriscarem financiamentos, continuarem a limitar a nossa soberania, dando instruções, fazendo visitas inspetivas (que pagamos), etc.?
 
E se aprendêssemos alguma coisa com o Asterix?

16 maio 2013

A correção do erro na folha de Excel continua a não ter qualquer importância

A 22 de Abril publiquei, aqui, um post com o título “O erro na folha de Excel tem muito pouca importância”. Não era esse o ponto de vista dos autores do estudo em que concluíam que quanto mais elevada é a dívida pública, menor é o crescimento económico e, talvez por isso, depressa entenderam ir corrigi-lo.
Só que com a correção, em vez de serenarem os espíritos, juntaram mais achas à fogueira, já que continuaram a concluir que “há uma forte correlação entre dívida pública alta e crescimento económico baixo”, daí deduzindo que “quanto mais elevada é a dívida pública, menor é o crescimento económico”.
Ninguém pôs em causa as conclusões do estudo empreendido, segundo as quais “há uma forte correlação entre dívida pública e crescimento económico”. Os mesmos tratamentos estatísticos permitiriam concluir que “há uma forte correlação entre crescimento económico e dívida pública”.
Mas, como sublinhei no meu post anterior, uma coisa é o reconhecimento de uma correlação e outra é a da determinação de uma relação de causa e efeito. Para que estas sejam estabelecidas, para além da análise estatística é precisa uma teoria económica que fixe relações de causa e efeito e esta não foi apresentada. Portanto, continuamos na mesma quanto ao estabelecimento de relações entre o crescimento e a dívida pública ou entre a dívida pública e o crescimento.
Acresce que as conclusões dos autores foram abundantemente citadas por pessoas com responsabilidades políticas na atual situação do país pretendendo, assim, justificar as opções de austeridade que têm vindo a ser tomadas.
Procurando, ao que se crê, reforçar a autoridade dos autores da folha de Excel, o Sr. Ministro das Finanças entendeu patrocinar, ontem (15-5-2013), o lançamento de um outro trabalho daqueles autores sobre episódios de bancarrota num período de mais de oito séculos.
Os resultados são conhecidos!
Convém acrescentar que não foi a presença do Sr. Ministro das Finanças que permitiu atribuir ao estudo apresentado maior ou menor credibilidade. Os critérios de credibilidade dos trabalhos científicos são outros que não a presença física dos Srs. Ministros no seu lançamento.        
 

22 abril 2013

O erro na folha de Excel tem muito pouca importância!

Em meados da semana passada foi objeto de abundante divulgação, nos media, a existência de contradições entre os resultados de um estudo publicado em 2010 por dois académicos americanos (relacionando o comportamento da dívida pública e o crescimento do PIB) e os resultados de um estudo mais recente, da autoria de dois outros académicos de uma outra universidade. Eu próprio, num post anterior já aqui me referi ao assunto.
Acontece que, contrariamente ao que procurei sublinhar no referido post, os media e outros comentadores, em lugar de criticar a relação de causa e efeito estabelecida entre a divida e o crescimento, têm-se entretido, apenas, a chamar a atenção para erros existentes na folha de cálculo que permitiu deduzir os resultados publicitados com o primeiro estudo.
Naturalmente que a existência de erros é sempre lamentável, sobretudo, quando, com base em estudos com erros, se retiram ilações que vão suportar decisões de natureza política que se diria seriam diferentes se os erros não existissem.
O que se passou foi que no seu primeiro estudo os seus autores verificaram que “nas economias onde a dívida pública superava os 90% a taxa de crescimento média era de apenas 0,1%, em contraponto com crescimentos situados entre 3% e 4% nos países com dívida abaixo dos 90%”. A inversa, claro está, que também é verdadeira. Por isso, fica-se sem se saber se é a dívida elevada que provoca taxas de crescimento reduzidas, ou se são taxas de crescimento reduzidas que provocam percentagens de dívida elevadas.
No entanto, o que aconteceu foi que, como lhes vinha a jeito, os nossos, e não apenas os nossos, políticos de pacotilha disseram logo que o que era relevante era que a dívida impedia o crescimento.
Vem agora e segundo estudo denunciar que nos cálculos existiam erros e que, pelo contrário, em países com dívida superior a 90%, a taxa de crescimento era de 2,2%. Não faltou quem retirasse imediatamente a conclusão de que, afinal, a dívida não impedia o crescimento. Acontece que se a conclusão retirada do primeiro estudo era um abuso, esta- última não o é menos. Não é pelo fato de o erro da folha de Excel ter sido corrigido que as conclusões opostas passam a ser mais justificáveis.
Comparado com o erro que é o estabelecimento de relações de causa e efeito entre variáveis com uma mera relação estatística, o erro mencionado na folha de cálculo é uma minudência.
Afinal, os comentadores dos media e outros interessados deixaram-se inebriar pelo embrulho do presente de Natal sem se aperceberem de que a caixa estava vazia.
Entretanto o estado em que o país se encontra não deixa de ser, em grande medida, resultado destas brincadeiras. Muitos deveriam, certamente, ser despedidos por terem cometido um erro de tão graves consequências

19 abril 2013

As correlações, as causas e outras que tais

A estatística é um instrumento fundamental para os economistas (e não apenas para eles) interpretarem os fenómenos económicos e os comportamentos dos agentes. No entanto, são frequentes os casos em que, como na anedota do cavalo do inglês, se fazem utilizações abusivas do instrumento tornando as conclusões a que se pretende ter chegado completamente inaceitáveis.
 
Esta semana fomos surpreendidos com a divulgação da notícia de um estudo realizado por académicos de uma prestigiada universidade dos EUA (Massachussets) que punha em causa os resultados de um outro estudo mais antigo, realizado pelos economistas e académicos Keneth Rogoff e Carmen Reinhart (Harward).
A notícia não passaria de mais uma, não fora o caso de o estudo posto em causa ter vindo a constituir um dos suportes fundamentais à afirmação de que os países fortemente endividados têm que diminuir a sua dívida para depois poder crescer.
O que o estudo referido nos vem dizer é que nada está provado sobre esta matéria o que é mais uma justificação para a irracionalidade das medidas austeritárias que têm vindo a ser adotadas no nosso país. Vejamos do que é que se trata.
O estabelecimento ou identificação de correlações entre variáveis constitui um dos instrumentos estatísticos mais correntemente utilizados para o estudo dos fenómenos económicos. No entanto, como todos os instrumentos, também para este existem limites à sua utilização.
Diz-se que existe uma correlação entre duas ou mais variáveis se ao estudarmos o seu comportamento verificamos que existe uma relação entre os seus comportamentos (por ex., quando chega a primavera as árvores começam a florir; ou, porventura, quando as árvores começam a florir, chega a primavera).
Dizer que existe uma correlação, é dizer que quando uma variável se comporta de uma certa maneira, a outra tem um outro comportamento que, também, já se conhece. É tudo quanto a correlação nos diz. Só que estabelecida a correlação há quem faça explorações que nos colocam, com frequência, perto do abismo.
No início da aprendizagem da estatística todos são alertados para a circunstância de que o facto de existir uma correlação nada diz sobre se existe alguma relação de causa e efeito entre as variáveis:
  • A primavera chega quando as árvores ficam em flor?
  • As árvores ficam a flor quando chega a primavera?
  • Ou nem uma coisa nem outra e apenas se pode dizer que os dois fenómenos se verificam simultaneamente?
É precisamente uma questão deste tipo que se coloca quando se diz que é preciso diminuir o endividamento para pode começar a crescer. Mas porque é que não é o contrário, ou seja, porque é que não se diz que é preciso começar a crescer para diminuir o endividamento?
É possível sair disto? Claro que sim. É aqui que entra na dança a economia e a economia ao serviço da sociedade. Não se trata de nenhum coelho na cartola, trata-se, antes, do esforço de compreensão de como funciona a sociedade, dos mecanismos económicos que lhe estão subjacentes  da sociedade que se deseja possuir.
É assim que se desenvolvem as teorias económicas, mas como se compreende elas têm subjacente uma certa visão da realidade, ou dito de outra maneira, um certo pressuposto ideológico ou uma certa opção por um modelo de sociedade.
Mas perguntar-se-á, então para que servem as correlações? As correlações permitem-nos ir esgravatando o terreno, mas nada nos dizem sobre as relações de causa e efeito entre as variáveis. A determinação do que é causa de quê só pode ser dada pela teoria.
O que até aqui foi dito constitui uma excelente denúncia da insustentabilidade da autoridade tecnocrática ou científica com que pretendem embrulhar-se certos economistas ou académicos.
Voltemos à questão da dívida e do crescimento. Deve-se acabar com a dívida para depois começar a crescer ou deve-se começar a crescer para acabar com dívida?
O Governo do país optou pela primeira alternativa. Os resultados inicialmente antecipados estão longe de ser visíveis e os portugueses encontram-se cada vez mais num beco sem saída e numa situação de desesperança, ingredientes que não permitem que qualquer nação possa ser considerada viável: a dívida aumenta exponencialmente, o crescimento está cada vez mais anímico e a taxa de desemprego não cessa de aumentar.
Quanto à segunda alternativa poderão os mais pessimistas interrogar-se sobre a sua viabilidade, mas uma questão torna-se inevitável: como é possível pagar dívida e juros crescentes, se a fonte das receitas (o crescimento da economia) definha?
 

07 março 2013

Outro modo de produzir e de consumir

No contexto da actual crise e especialmente das suas repercussões em Espanha, três economistas espanhóis publicaram, em 2011, um livro que mostra como temos que mudar mesmo de paradigma – no seu verdadeiro sentido de ver e lidar com a economia noutros termos radicalmente diferentes dos dominantes hoje em dia. Mas o livro é também uma manifestação de esperança, ao apresentar propostas. Aliás, o título do livro é HAY ALTERNATIVAS Propuestas para crear empleo y bienestar en España (http://www.vnavarro.org/wp-content/uploads/2011/10/hayalternativas.pdf).

O seu capítulo IX (pp.191-207) centra-se sobre A economia ao serviço das pessoas e em harmonia com a natureza. Este título exprime desde logo um sentido da economia que é completamente diferente do crescer por crescer e da lógica de acumulação de capital indiferente ao desperdiçar de recursos, ao destruir do ambiente, ao atormentar de indivíduos, famílias e sociedades inteiras com a pobreza, a incerteza e segurança e a injustiça.

Como dizem os autores, a crise que vivemos é o resultado de um fenómeno velho que foi exagerado nos últimos tempos das economias capitalistas, isto é, o de desenvolver a produção e o consumo como se tivessem ao seu dispor recursos inesgotáveis.

E por isso os autores mostram, com exemplos variados, como é preciso Outro modo de produzir e de consumir. Pois, como eles dizem, se formos realistas e tivermos em conta os limites ambientais, não podemos continuar considerando como objectivo da actividade económica o crescimento das actividades com expressão monetária, o que chamamos de crescimento económico medido pelo PIB. E, por isso -continuam – há que dar prioridade ao incremento da produção local e de proximidade, à produção ecológica e poupadora de energia, transporte e materiais.

Mas para isso, temos que aprender a pensar ao contrário…temos que aprender a desejar e a sentir…não para ser escravos do capricho, mas sim para dominar a necessidade. Ou seja, como dizem também eles, ser orientados por outros valores: …substituir o dinheiro, o comércio, a ganância, a competição e o cálculo pela cooperação e o afecto, a justiça, o amor ou o prazer de sentir-se satisfeito com muito menos, mas na realidade com muito mais do que temos agora. Isto pode parecer utópico. Mas talvez não pareça tanto se se considerarem as 115 propostas concretas (cap.X, pp.209- 221) com que os autores finalizam o livro, propostas sobre: governança global, sistema financeiro e monetário internacional, justiça global, comércio internacional, constituição de um autêntico Estado Confederado Europeu, instituições económicas, Europa e a economia internacional, respostas imediatas à crise, respostas imediatas à crise em Espanha (sistema financeiro, modelo de produção e consumo, desenvolvimento empresarial, fiscalidade, criação de emprego e direitos laborais, direitos sociais, educação, política).

25 janeiro 2013

Como o “regresso aos mercados” incentiva a construção de “ninhos atrás das orelhas”

Não se tem falado de outra coisa: o êxito do regresso aos mercados por parte de Portugal.

Dizem os mais credibilizados comentadores que se outro mérito não tivesse, este regresso tem, pelo menos, o de mostrar às instituições que se relacionam com a economia e sociedade portuguesas, que o nosso país já se encontra em condições de poder suportar a prova de fogo que são “os mercados” dispensando, por isso, progressivamente, a mãozinha protetora das instituições que a troica representa.

Será mesmo assim?

A emissão do dia 23 de Janeiro consistiu na colocação no mercado financeiro de títulos de dívida pública portuguesa (obrigações do tesouro), com um horizonte temporal de reembolso de 5 anos, tendo por trás um sindicato de quatro bancos estrangeiros que tomariam firme o montante que o Estado queria obter, caso o mercado não desse a resposta que se esperava. Não se chegou, no entanto, a saber qual seria a taxa que o sindicato exigiria para ficar com a dívida caso ela não fosse colocada, mas seria certamente superior à que veio a ser fixada pelo mercado. De outro modo, não era preciso ir ao mercado.

O que é certo é que o mercado revelou uma procura de títulos quatro vezes superior à oferta que o Estado português queria colocar (mais de 10 mil milhões, contra 2,5 mil milhões) e veio a fixar a taxa de juro em 4,89%.

Vale a pena interrogarmo-nos sobre se euforia em torno desta ideia de regresso aos mercados é justificada. Com efeito, o financiamento obtido pelo Estado tem vindo, há cerca de ano e meio, a ser obtido, quer por via do empréstimo da troica, quer por via de empréstimos de curto prazo obtidos no mercado. Portanto, não houve regresso, porque já lá estávamos; houve regresso sim, mas aos mercados de compra de títulos de maturidade longa (neste caso de 5 anos).

É isto uma grande vitória? Nem tanto. Não podemos esquecer que uma parte substancial dos méritos da colocação da dívida se deve às intervenções do Banco Central Europeu no mercado secundário, ou da sua disponibilidade para essa intervenção. Seria bom sabermos em que condições se processaria o regresso ao mercado caso esta intervenção ou a sua ameaça não existissem, mas isso não é revelado.

Relativamente à taxa de juro obtida de 4,89% não parece que as trombetas devam sair dos armários. A taxa de juro do empréstimo da troica tem uma taxa média de 4% e para horizontes temporais muito mais longos, que podem ir até aos 12 anos. Quer dizer, estando Portugal em situação difícil no que diz respeito ao cumprimento do serviço da dívida, estamos perante uma operação que vem agravar o custo desse serviço.

Este regresso tem sustentabilidade? As maiores dúvidas devem ser colocadas. Em primeiro lugar porque o êxito da colocação da dívida assenta num empobrecimento generalizado do país, o que justifica que se pergunte se com uma situação económica e social como a que observamos vai alguma vez ser possível criar riqueza que permita que a dívida existente possa vir a ser paga.

Não esqueçamos que se tem afirmado que uma dívida só pode ser paga se a economia crescer a uma taxa equivalente à taxa de juro média da dívida, em todas as maturidades. Admitamos que é de 3%. Onde é que está prespetivada a taxa de crescimento de 3% nos próximos tempos?

Ora, se a economia não crescer, não vai haver dinheiro para pagar a dívida e os seus juros, e será necessário continuar a vender mais dívida para pagar a dívida anterior e o seu serviço, e para financiar os compromissos do Estado, ainda que alguns deles possam ser considerados ilegítimos.

Não esqueçamos que, no mesmo dia em que se anunciam os feitos do regresso aos mercados, o FMI anuncia uma nova projeção em alta da recessão na eurozona e as “agências de rating” consideraram que a economia portuguesa vai continuar a aprofundar a recessão.

Onde está, então, a razão para a festa?

Fazer o ninho atrás da orelha, se alguma explicação é necessária, significa que alguém, que não o proprietário da orelha, quer enganar ou ludibriar o dono da orelha. 

É, por isso, muito assertivo dizer que a questão que consiste em manifestar o regozijo com o regresso aos mercados, mais não é do que construir atrás das orelhas mais ninhos. Também se compreende porque é que o ninho é feito atrás das orelhas. É que o dono das orelhas (nós) só com muita dificuldade consegue ver o que por lá andam a fazer, que é precisamente o que pretendem os construtores de ninhos que não são passarinhos, mas uns grandes passarões.

18 janeiro 2013

O Rei, o Roque e o FMI

Reis há muitos, uns melhores, outros piores mas, um dos que capta mais atenções é, pelo entretimento que proporciona, sem dúvida, o Rei do tabuleiro de xadrez. 

A origem do Roque nem sempre é consensual, mas parece que poderá ser encontrada na designação anteriormente atribuída à pedra que hoje é designada por Torre. Também se designa por Rock um determinado movimento de pedras que dá vantagem a quem o pode realizar. 

Em qualquer caso, um jogador que não tem nem Rei, nem tem Roque (Torre), encontra-se em situação de muita debilidade face ao jogo. É por isso que, quando alguém se encontra perdido, não tem orientação ou tem falta de tino, se diz que “não tem Rei, nem Roque”.

Em razão dos comportamentos errantes que tem vindo a assumir nos últimos tempos, poderá esta expressão ser aplicada ao Fundo Monetário Internacional (FMI)?

Procurarei mostrar que sim.

As notícias que nos têm chegado a propósito dos comportamentos do FMI causam em todos a maior perplexidade e preocupação. Tradicionalmente, conhecia-se bem o tipo de intervenções que o FMI realizava nos países que entendiam pedir o seu apoio. A configuração dessa intervenção tem, no entanto, sofrido alteração nos últimos tempos, senão em todos, pelo menos em alguns desses países.

A principal motivação da intervenção do FMI era (e provavelmente ainda é) a de levar os países “apoiados” a resolver os problemas de desequilíbrio das suas contas externas. Esta intervenção tendia a caracterizar-se por um mesmo padrão de receita: a desvalorização da moeda, a desregulamentação da intervenção do Estado na economia e a promoção do setor exportador, em e com prejuízo dos restantes setores da economia.

Estes ingredientes da receita tendiam a reforçar-se mutuamente. Tudo deveria ser feito para promover as exportações, recorrendo-se para isso à desvalorização dos recursos nacionais (trabalho, bens e serviços, matérias primas e produtos intermédios) e à destruição da ação interventora e orientadora do Estado.

Por ex., a desvalorização da moeda tinha como consequência, a diminuição do preço das exportações, o aumento do preço das importações e a desvalorização do preço da força de trabalho (na medida em que, mesmo mantendo-se nominalmente constantes, por via da desvalorização, sofriam uma forte diminuição em termos reais). Crê-se, assim, que com estas medidas de política as exportações se tornam mais competitivas e que o equilíbrio das contas externas do país tenderá a obter-se.

A receita é sempre a mesma, independentemente do grau de desenvolvimento dos países, do seu grau de industrialização, da qualificação da mão-de-obra, dos enquadramentos sociais e culturais, etc. É por aí que, ainda hoje, passam a maioria das intervenções do FMI.

No entanto, a configuração das intervenções acima referidas parece ter começado a alterar-se. Com efeito, ela pressupunha que os países intervencionados possuíam soberania monetária e que podiam, nessas condições, proceder a desvalorizações da moeda.

Os movimentos de integração e, em particular, a integração europeia vieram modificar algumas das peças deste xadrez: para procederem a ajustamentos nas contas externas passaram a restar aos Estados sujeitos à integração as políticas orçamentais e fiscais. Esse ajustamento implica a promoção do crescimento económico, de que as políticas orçamentais e fiscais passaram a ser o único instrumento.

Neste campo de batalha surgem, entretanto, sem fundamentação credível, dois outros objetivos, a redução do deficit das contas públicas e do nível das despesas públicas, para níveis reduzidos. E aí vemos surgir um outro exército pronto a atacar o exercício das soberanias nacionais e que é constituído pela a Comissão Europeia (CE) e pelo Banco Central Europeu.

Acontece que o prosseguimento dos objetivos relativos às contas públicas e às despesas públicas revelaram-se contraditórios com o da promoção do crescimento, condição indispensável para que se possa superar o deficit das contas externas. Para que este acontecesse era necessário afetar-lhe recursos públicos, mas isso é contraditório com o objetivo da redução do deficit e da despesa pública. 

Em consequência, torna-se evidente que as políticas que têm vindo a ser seguidas, não têm qualquer consistência e só servem, como temos vindo a verificar, para aprofundar os bloqueamentos em que cada vez mais se encontram os países designados como “países da crise”, de que Portugal é um bom exemplo.

Entretanto, se as intervenções no terreno mostram que, quer o Governo, quer a “Troica”, agem como se não se apercebessem da contradição acima enunciada, também é verdade que temos vindo a assistir a declarações dos mais altos dirigentes do FMI (por ex. as do o anterior e a nova Diretora-geral do FMI e as do seu economista-chefe) chamando a atenção para que as políticas de austeridade, sem mais, conduzem os países para um beco de empobrecimento sem saída.

Assim parece que no FMI reina um grande desnorte, ou incapacidade de quem manda, para fazer a sua máquina e os seus funcionários seguirem as orientações, ou princípios, enunciados através daquelas declarações (vide o recente relatório elaborado a pedido do Governo português).

Aqui chegados creio que não restam dúvidas de que nas tropas do FMI reina uma grande falta de disciplina que não pode conduzir senão à perda da batalha dos objetivos que o FMI se propõe atingir.

O FMI, já não possui o Rei, já não possui a Torre, nem é capaz de rocar. A curto, médio, ou longo prazo, terá a batalha perdida. Com isso pouco teríamos que nos preocupar, não fosse a devastação económica e social que os seus experimentalismos têm vindo a produzir sobre países de intervenção e, em particular, sobre a sociedade portuguesa.

De fato, o FMI NÃO TEM REI, NEM ROQUE.

15 novembro 2012

Já lá vão uns dez dias, mas é importante não esquecer

Nos últimos tempos os posts aqui publicados têm concentrado a atenção sobre o processo de empobrecimento a que o país tem vindo a estar sujeito, não pela dívida, como por vezes se tem dito, mas pelas decisões tomadas para a superar. O processo de empobrecimento é tão violento que quase nos esquecemos que o navio continua a ser invadido e roído por outras ratazanas que, pouco a pouco, também contribuem para a deterioração do casco.

Uma das espécies de ratazanas, que tem vindo a provocar graves danos é a que tem andado associada aos processos de ordenamento do território e, mais especificamente, aos processos de urbanização. Não pretendo, agora, abordar todos os cambiantes caracterizadores, quer das ratazanas, quer dos estragos causados mas, apenas, fazer uma nota sobre as inundações e derrocadas verificadas na costa norte da Madeira no princípio da semana passada.

A quem esteve minimamente atento não terá passado desapercebida a violência das enxurradas, correndo pelas ribeiras e fora delas, bem como a destruição que a enxurrada ia fazendo em habitações, infraestruturas sociais, vias de acesso, viaturas, etc. Verificada a violência, não terão sido poucos os que se interrogaram sobre o porquê de tal rasto de destruição.

Muitos, certamente, terão dito que sempre foi assim e pouco poderemos fazer para o evitar. Outros, entre os quais me incluo, terão procurado outras respostas. E a resposta mais certeira é a que resulta da tentativa de compreensão do processo de urbanização e construção associado às edificações que foram destruídas, ou poderiam tê-lo sido.

Não terá escapado a ninguém que a maioria dos estragos se verificou em construções implantadas no leito de cheia das ribeiras. Certamente, que, não é a primeira vez que um tal rasto de destruição teve lugar. Poderemos, então, perguntar-nos: será que aquela gente não aprende nada com as experiências do passado, de modo a deixar de construir onde já anteriormente se verificaram destruições?

Aprendeu, com certeza e, por isso, a explicação tem de ser procurada fora da experiência das populações. A verdadeira explicação tem que ser encontrada na falta de terrenos disponíveis para a construção por parte das famílias mais carenciadas. Com efeito, na Madeira, como no Continente, os terrenos para construção estão sujeitos a uma forte especulação fundiária.

Na ausência de medidas de ordenamento urbanístico adequadas, os melhores terrenos vão sendo transformados em reservas para construção, quer para habitações de famílias mais ricas, quer para empreendimentos turísticos, quer para infraestruturas públicas ou outras. Para os que têm menos rendimentos restam os espaços em que mais ninguém quer construir.

Assim, vemos nascer aqueles cogumelos de casas brancas onde, mais cedo ou mais tarde, vai voltar a passar a enxurrada que, atrás de si leva as casas como de castelos de cartas se tratasse. Mas há que reconstruir o que ficou destruído, porque não há mais lado nenhum onde construir, sendo bem-vindos os subsídios que o Governo Regional possa trazer para que se reinicie o processo!
 
É a lógica de alguns “comendadores” que, depois de terem passado a vida a beneficiarem de negócios em que foi explorada a mão-de-obra que empregavam ou os clientes que subordinavam, resolveram, como que por ato de arrependimento, passar a ser benfeitores, lá na terra, da igreja, dos lares, da banda de música, etc.

 Foi o que, também, aconteceu com a grande cheia de Lisboa de 25 para 26 de Novembro de 1967. Fala-se em mais de 700 mortes. O que aprenderam os decisores políticos? Nada! A intensidade da urbanização nos leitos onde se verificaram maiores destruições mais do que duplicou. O que virá a contecer? Só Deus o saberá, mas os homens que decidem tinham obrigação de, também, saber.

E então não há nada a fazer? Claro que há. O que há a fazer, é fazer o que fazem todos os países, ou territórios, que já resolveram o problema, ou seja, constituir, como pública a posse do solo urbanizável. Quando tal acontece, é possível planear o que se deve, ou não, construir em cada local, começando por proibir a construção em leitos de cheia. Para além disso, a afetação  de cada terreno a determinado uso, pelas administrações públicas, elimina o escândalo que é a apropriação privada de mais-valias de localização e, por essa via, também, a especulação fundiária.

17 agosto 2012

Uma lufada de ar fresco


O Verão não está tão quente quanto muitos o desejariam. Não se deseja, no entanto, que o calor tolde os espíritos.

Depois da passagem pelo Pontal, vale a pena abrir a janela e, com a simplicidade de uma criança, subir ao banco e deixar-se deliciar pela frescura do ar que sopra através da mensagem de esperança que borbulha na paisagem que daí se observa.

Abra, agora, o link associado à janela.


Até há poucos anos não era habitual encontrar destas paisagens na América Latina. Esta vem de um pequeno país que se chama Uruguai, pelas palavras, nem mais, nem menos, do seu Presidente da República. (José Pepe Mujica). 

Afinal, contrariamente ao que nos querem convencer, um outro mundo é possível, um outro mundo ainda é possível! 

Não caiamos, no entanto, na tentação de dizer que, já que estamos em crise, não se poderia encontrar melhor ocasião para mudar. Precisamos da inocência da criança, mas precisamos, também, da lucidez que nos permita não esquecer que, sendo necessária a mudança, ela não se poderá fazer à custa dos que pela crise têm sido mais desfavorecidos, quer pensemos em pessoas, em países ou em regiões do globo.