As projecções demográficas apontam para um aumento da população mundial, mas na maior parte dos países europeus, com diferentes graduações, a previsão vai no sentido contrário. Possíveis movimentos migratórios poderão conduzir a um ligeiro acréscimo populacional na Europa, em 2060, ao mesmo tempo que a taxa total de fecundidade, ainda que aumentando ligeiramente, será insuficiente para repor o nível de substituição natural. A esperança de vida será superior e o envelhecimento da população progressivamente mais acentuado.
Apesar de ser ponto incontroverso que a população mundial tende a evoluir no sentido do aumento do número e da proporção de pessoas idosas, a verdade é que este fenómeno – o envelhecimento demográfico – não tem merecido suficiente atenção por parte de quem se dedica ao estudo das questões do desenvolvimento.
É assim que o conhecimento científico acerca do impacto da transição demográfica (isto é, o declínio da mortalidade seguido da quebra da natalidade) sobre a economia e o bem-estar social não atingiu ainda o nível que seria desejável, face à preocupação que se vê alastrar pelo mundo, desde os países em desenvolvimento até aos mais afluentes.
Nestes últimos, com sistemas de protecção social mais abrangentes, o foco principal parece privilegiar as consequências da transição demográfica sobre a sustentabilidade financeira daqueles sistemas (sobretudo saúde e pensões), mas existem poucas certezas acerca das consequências macroeconómicas do envelhecimento demográfico.
Acresce que está ainda longe de ser feita a avaliação sobre a capacidade da sociedade, tal como está organizada, absorver uma tão profunda alteração no seu seio, adaptando-se a uma nova pirâmide etária, num contexto de globalização e urbanização crescente.
É nossa convicção que só uma abordagem multidisciplinar pode tentar antecipar o impacto da evolução demográfica sobre a economia e a sociedade, como ponto de partida para um necessário novo contrato social.
I – Alguns números sobre a demografia portuguesa
De um modo geral, é pacífico o entendimento da forma como a evolução da natalidade, da mortalidade e das migrações, ao longo do tempo, sobretudo a partir de 1950, conduziu ao envelhecimento da população portuguesa.
Assim, nas três décadas seguintes, não obstante se ter mantido uma natalidade elevada, a forte emigração, quer para o estrangeiro, quer das populações rurais do interior para o litoral do continente, resultou na destruição de um certo equilíbrio demográfico. Particularmente rápida foi, entre 1960 e 1986, a redução para metade do número de filhos por mulher: de 3 para 1,6, número este que desceu para 1,23, em 2014 e 2015, o mais baixo da União Europeia.
Paralelamente, os progressos alcançados na redução da mortalidade, por melhoria das condições de vida e pelo papel desempenhado pelo SNS, acentuaram o caminho para o envelhecimento demográfico português, mas com diferenças bastante marcadas a nível regional, atingindo particularmente os municípios de fronteira e do interior.
De facto, os índices de envelhecimento (número de pessoas com mais de 65 anos por cada 100 jovens) atingiram, em 2016, 141,6 no Continente, e 138,6 em Portugal, com valores que, nos extremos, têm diferenças enormes: Madeira e Açores com índices inferiores a 100, Área Metropolitana de Lisboa, o Norte e Algarve com valores que não se distanciam muito da média do país. Em vários concelhos aquele valor excede 500 em 2014 após neles se ter verificado, nos últimos 13 anos, um muito acelerado processo de envelhecimento.
Outros dados permitem ilustrar a magnitude deste processo:
- Entre 1970 e 2014 o peso da população jovem (0-14 anos), no total da população, reduziu-se a metade, de 28,5 % para 14,4%, enquanto o da população maior de 65 anos aumentou para o dobro (de 9,7% em 1970 para 20,3% em 2014) e aumentou ligeiramente a população em idade activa (de 61,9% para 65,3%);
- O índice de dependência de idosos (relação entre o número de idosos e número de pessoas em idade activa) aumentou continuamente ao longo daquele período: de 16 para 31 idosos por 100 pessoas em idade activa;
- O índice de renovação da população em idade activa tem vindo a reduzir-se, com particular incidência nos últimos 15 anos, sendo de assinalar que em 2010 se situou já abaixo de 100 e em 2014 desceu par 84, valor este que coloca Portugal com o mais baixo nível de renovação da população activa na EU a 28;
- Nos anos mais recentes, para além de continuado saldo natural negativo, registou-se, também, um continuado saldo migratório negativo, sendo a emigração anual (2011-2014) de mais de 100.000 residentes, só ultrapassada pelos valores médios do período (1969 a 1973).
- Não sendo realista inverter drasticamente as tendências que se vêm registando, a população portuguesa (de 10,4 milhões em 2012) tenderá a reduzir-se no futuro. As projecções para 2060 variam entre 6,3 milhões se se mantiverem baixos níveis de fecundidade e um saldo migratório negativo e 9,2 milhões com alguma recuperação dos níveis de fecundidade, sendo o cenário central de 8,6 milhões.
2 - O envelhecimento demográfico como fenómeno multifacetado
O panorama que as estatísticas e as projecções demográficas nacionais nos apresentam é suficientemente grave para impor a necessidade de procurar integrar a componente demográfica num verdadeiro plano de desenvolvimento da economia e de promoção do bem – estar social.
Com efeito, sendo o envelhecimento demográfico apresentado com as características de um fenómeno “fatal”, corremos o risco de negligenciar os factores de ordem económica, social, cultural ou política que, actuando sobre a fecundidade, a mortalidade e as migrações, podem contribuir para acelerar ou para retardar o seu avanço.
Se temos como adquirido o ganho civilizacional que é o prolongar do tempo de vida, importa que esse tempo extra seja, para todos e para cada um, de vida plena e saudável, em que a idade maior seja compatível com a integração na sociedade e a realização pessoal dos que a alcançaram. O prolongamento da vida activa dos idosos, indo ao encontro das suas aspirações, surge como uma tendência das sociedades mais avançadas, mas ainda longe de concretização no nosso país.
No tocante à evolução da fecundidade, ao contrário do que tem sucedido a nível europeu, a quebra em Portugal tem-se acentuado continuamente, sendo as famílias levadas a reduzir o número de filhos por razões que se prendem, maioritariamente, com dificuldades financeiras para fazer face aos encargos com a maternidade e a paternidade, com a dificuldade em encontrar emprego e com a dificuldade de conciliação entre a vida familiar e a profissional . Em qualquer caso, deve ser tido em conta que os percursos de fecundidade das pessoas sofrem a influência de uma multiplicidade de factores, inclusive de natureza cultural ou de estilos de vida.
É certo que, a nível dos poderes públicos, se tem dado conta da preocupação com o decréscimo do número de nascimentos, mas o objectivo de o aumentar tem sido prejudicado por políticas dispersas e, muitas vezes, contraditórias, que impossibilitam uma abordagem coerente.
O fenómeno migratório tem influenciado significativamente a evolução demográfica portuguesa.
Entre os motivos que, ao longo de décadas, têm induzido o abandono do país por parte de muitos portugueses jovens, poderemos encontrar um conjunto de opções políticas nem sempre validadas de forma democrática, que conduziram não só a uma real degradação das condições materiais, como a baixas expectativas quanto ao emprego. A fatalidade também neste domínio é questionável.
As consequências do contínuo envelhecimento demográfico sobre o progresso da economia devem ser correctamente avaliadas, sem pessimismos alarmistas, mas procurando a forma de minimizar os aspectos mais negativos e, simultaneamente, valorizando as oportunidades que ele apresenta.
O risco de que o envelhecimento demográfico possa dar origem a uma incapacidade de regeneração da própria sociedade foi desde há muito posto em evidência por demógrafos, como por exemplo Alfred Sauvy. Entre os especialistas portugueses, M.J.Valente Rosa escreveu que, se o envelhecimento demográfico é inelutável, pelo menos a médio prazo, o mesmo não sucede com o envelhecimento societal, pois a sociedade pode renovar-se em termos da sua organização.
É de relevar o exemplo de alguns países, com destaque para os escandinavos, que têm prosseguido políticas públicas, no campo laboral, de apoio à família e igualdade de género, com bons resultados na compatibilização entre a idade maior e a vida saudável e activa.
Há que reconhecer a influência de uma certa cultura: um clima de total disponibilidade para o trabalho, traduzido em horários alongados ou em constante mutação, muito cultivado entre nós, em nada contribui para vidas equilibradas, em qualquer idade. É também preocupante constatar que em certos meios, como o empresarial, parece já não haver lugar para os maiores de 45 ou 50 anos.
A avaliação do impacto do envelhecimento da população activa sobre a produtividade do trabalho, tende, por vezes, a ser efectuada de forma simplista, ao não considerar a possibilidade de adaptar as tecnologias às capacidades dos mais velhos ou ainda ignorando os atributos específicos associados ao ciclo de vida: à maior aptidão dos jovens para inovar há que contrapor as competências de enquadramento e conselho dos menos jovens.
Em todo o caso, julga-se necessário prever a possível menor capacidade de uma sociedade envelhecida para acompanhar as transformações que a acelerada evolução tecnológica já anuncia.
Este é o desafio que se coloca a todos, economistas, demógrafos, sociólogos, psicólogos: perante o inevitável envelhecimento demográfico, propor um novo modelo de sociedade, capaz de promover, de forma inovadora, a gestão das diferentes idades, a organização do tempo de trabalho, a negociação de um novo contrato social regulador das relações entre as gerações, os sexos e as categorias sociais.
Os pontos de vista e a disponibilidade para tal não são seguramente coincidentes: um mesmo aspecto do envelhecimento tanto pode ser visto como um custo que pesa sobre a colectividade como uma oportunidade para potenciar a coesão social ou o próprio crescimento da economia. Também neste olhar pesa a ideologia de cada um.
3 - O impacto das migrações
Merece uma atenção particular a brusca alteração, verificada no passado recente, no tocante aos movimentos migratórios: de uma migração positiva de quase 50.000 por ano, constante ao longo da década 2004-2013, passou a registar-se uma migração negativa, como resultado da combinação da alta emigração com a baixa imigração.
Para tal terão contribuído as elevadas taxas de desemprego que atingiram 16% em 2013, sendo de 38% o desemprego da população jovem.
Como os que emigram são sobretudo os jovens, tal constitui um factor de duplo envelhecimento populacional, pela redução do número de jovens (envelhecimento pela base) e pelo aumento do quantitativo no topo (envelhecimento pelo topo).
A manterem-se as tendências recentes, seria de prever algum impacto sobre a quebra da taxa de fecundidade pela saída de grande número de pessoas em idade fértil e não tanto pela menor entrada de imigrantes, já que, entre estes, a tendência geralmente verificada é para que atinjam os padrões reprodutivos do país de acolhimento.
Para além do impacto da forte emigração jovem sobre o equilíbrio demográfico são também de relevar os seus efeitos sobre a estrutura sócio – económica e a capacidade de desenvolvimento a prazo, porventura ainda não plenamente avaliados.
Não há evidência de que uma política de forte incentivo à entrada de imigrantes jovens, possa, por si só, travar o envelhecimento demográfico e, quanto à entrada de imigrantes mais idosos, nomeadamente reformados com poder de compra, o seu impacto será sentido, sobretudo, no campo da economia, com a criação de postos de trabalho que podem ser significativos em algumas regiões.
O descontrolo dos fluxos migratórios internacionais, muito acentuado no passado recente, torna difícil prever o seu impacto potencial numa população como a nossa, relativamente reduzida no espaço europeu, carente de uma política coordenada neste domínio. Tal facto aconselha uma acção pedagógica sobre a nossa relação com povos estrangeiros.
Em todo o caso, o restabelecimento de perspectivas favoráveis ao desenvolvimento e à criação de emprego é condição necessária para que Portugal volte a ser considerado um país de acolhimento, beneficiando do contributo positivo que o afluxo de imigrantes traz consigo e para que a opção dos jovens portugueses pela emigração, por razões de ordem económica, e, mesmo, de subsistência, não continue a delapidar o precioso capital humano.
4 - Envelhecimento e heterogeneidade da população idosa: oportunidades e desafios
De um modo geral a imagem que a sociedade tem da população idosa, identifica-a quer como um grupo homogéneo, caracterizado por integrar as pessoas com direito a uma prestação financeira, como contrapartida do final da vida activa, quer como um grupo de pessoas incapacitadas/deficientes.
Desta forma, os idosos são vistos como um grupo homogéneo e um encargo da sociedade, uma espécie de “sub-capital humano”, e não como pessoas com características diversas, detentoras de direitos e com deveres a cumprir.
Esta visão redutora, que pode dar lugar a exclusão e/ ou conflitualidade social, poderá dever-se a um certo preconceito cultural, mas também à desvalorização ou ao desconhecimento do que pode ser o contributo para a sociedade do saber e da experiência da população idosa.
Desde logo há que desmontar o mito da homogeneidade desta parcela da população: diferente é a situação dos idosos que conservam as suas capacidades físicas e mentais por longos anos, daqueles que desenvolvem múltiplas incapacidades, privando-os de aceder a qualquer forma de trabalho, de realizar, com segurança, as normais tarefas da vida quotidiana e, no limite, de participar na vida social.
Acresce a distribuição desigual do rendimento na população idosa, onde as pensões representam quase 80%, sendo certo que as diferentes posições no tocante ao nível sócio – económico, influenciam o grau de dependência de apoios sociais nas idades mais avançadas, bem como a capacidade de usufruir de um envelhecimento activo .
É com base na constatação da heterogeneidade da população idosa que podem ser avaliadas propostas, por exemplo, no sentido de alterar as disposições legais que determinam a idade de reforma, admitindo alguma flexibilidade, mas respeitando a liberdade da decisão individual . O alargamento da base contributiva assim obtido favoreceria a consolidação do equilíbrio financeiro da segurança social, para além do impacto potencial no adiamento do processo degenerativo próprio do envelhecimento e consequente redução dos custos com a saúde.
Paralelamente, poderiam ser revistas as leis laborais no sentido de admitirem horários de trabalho mais leves ao longo da vida activa, (com benefícios para a saúde e para a conciliação do trabalho com a vida familiar) que, em contrapartida, se prolongaria até idades mais avançadas.
Em qualquer caso, existe o risco do incentivo ao prolongamento da vida activa originar mal-estar social e mesmo um conflito de gerações, especialmente num contexto de persistente desemprego e da perspectiva, que hoje é a dos jovens, de virem a ter as suas reformas muito abaixo dos níveis salariais.
Um outro factor de risco de conflito social decorrente do envelhecimento demográfico prende-se com a enorme carência de investimento público nos cuidados a idosos dependentes, e, mais geralmente, para fazer face à morbilidade associada ao envelhecimento e ao custo de novas tecnologias.
Cabendo ao Estado assegurar estes apoios e arbitrar entre os diferentes capítulos do orçamento para a Saúde, colocam-se delicados problemas de equidade financeira entre os diferentes grupos etários.
Em sentido contrário, poderá esperar-se que, com uma população idosa mais educada e com menos pobreza, tenderá a ser adiada para uma idade cada vez mais avançada a necessidade de cuidados de saúde muito dispendiosos, além de que as novas tecnologias podem e devem ser orientadas para, sempre que possível, permitirem economias de custos sem perda de eficiência.
É também muito relevante a persistente desigualdade de género, que penaliza as mulheres, quer na vida profissional, por menores carreiras contributivas, logo com menores recursos ao longo da reforma, quer pelo encargo, frequentemente não remunerado, no cuidar dos idosos.
As perspectivas demográficas, com cada vez maior proporção dos muito idosos, tornam inadiável uma reflexão acerca da atitude da sociedade e das políticas públicas face às necessidades específicas dessas pessoas e à valorização do trabalho dos cuidadores, muitos destes também idosos e maioritariamente do sexo feminino.
Há pois uma nova cultura a incentivar, implicando uma “ negociação de poderes” entre as gerações e os diferentes grupos sociais, em ordem a uma demografia inclusiva.
5 - Envelhecimento e despovoamento do território
Fizemos já referência às assimetrias regionais quanto à severidade e à velocidade com que tem ocorrido o processo de envelhecimento demográfico, bem como ao despovoamento de territórios e a crescente urbanização.
Julgamos serem fundados os receios de que, em algumas regiões, se tenha atingido um grau de desertificação quase impossível de reverter, sendo de assinalar que são as pessoas residentes nos territórios menos povoados que desejam ter menos filhos, o que só pode contribuir para acelerar o seu abandono.
As consequências desta situação parecem-nos particularmente gravosas, desde logo o isolamento das famílias e pessoas idosas que ainda aí vivem, com muita insegurança e sem que os apoios do estado social a elas cheguem com prontidão e a devida qualidade.
Outra questão que estas tendências colocam é a progressiva dificuldade, quando não a impossibilidade, de transmissão dos saberes e profissões dos mais velhos, tantas vezes de grande valor cultural, os quais poderiam, se devidamente apoiados, constituir um núcleo de desenvolvimento local capaz de fixar alguma população jovem.
Também a velocidade e a forma como os núcleos urbanos estão a crescer, deveria levar a uma reflexão acerca das condições de vida quotidiana, (sobretudo dos idosos com algum grau de dependência), bem como à possibilidade da população de maior idade continuar a usufruir dos bens, materiais ou imateriais, disponíveis na sociedade.
A perspectiva de um modelo de desenvolvimento sustentável, com coesão social e territorial, exige que a todas estas questões relacionadas com a demografia, a economia e o bem-estar social, passe a ser dada a atenção que lhes é devida, tendo sempre presente a forma como se influenciam mutuamente.
Apesar de ser ponto incontroverso que a população mundial tende a evoluir no sentido do aumento do número e da proporção de pessoas idosas, a verdade é que este fenómeno – o envelhecimento demográfico – não tem merecido suficiente atenção por parte de quem se dedica ao estudo das questões do desenvolvimento.
É assim que o conhecimento científico acerca do impacto da transição demográfica (isto é, o declínio da mortalidade seguido da quebra da natalidade) sobre a economia e o bem-estar social não atingiu ainda o nível que seria desejável, face à preocupação que se vê alastrar pelo mundo, desde os países em desenvolvimento até aos mais afluentes.
Nestes últimos, com sistemas de protecção social mais abrangentes, o foco principal parece privilegiar as consequências da transição demográfica sobre a sustentabilidade financeira daqueles sistemas (sobretudo saúde e pensões), mas existem poucas certezas acerca das consequências macroeconómicas do envelhecimento demográfico.
Acresce que está ainda longe de ser feita a avaliação sobre a capacidade da sociedade, tal como está organizada, absorver uma tão profunda alteração no seu seio, adaptando-se a uma nova pirâmide etária, num contexto de globalização e urbanização crescente.
É nossa convicção que só uma abordagem multidisciplinar pode tentar antecipar o impacto da evolução demográfica sobre a economia e a sociedade, como ponto de partida para um necessário novo contrato social.
I – Alguns números sobre a demografia portuguesa
De um modo geral, é pacífico o entendimento da forma como a evolução da natalidade, da mortalidade e das migrações, ao longo do tempo, sobretudo a partir de 1950, conduziu ao envelhecimento da população portuguesa.
Assim, nas três décadas seguintes, não obstante se ter mantido uma natalidade elevada, a forte emigração, quer para o estrangeiro, quer das populações rurais do interior para o litoral do continente, resultou na destruição de um certo equilíbrio demográfico. Particularmente rápida foi, entre 1960 e 1986, a redução para metade do número de filhos por mulher: de 3 para 1,6, número este que desceu para 1,23, em 2014 e 2015, o mais baixo da União Europeia.
Paralelamente, os progressos alcançados na redução da mortalidade, por melhoria das condições de vida e pelo papel desempenhado pelo SNS, acentuaram o caminho para o envelhecimento demográfico português, mas com diferenças bastante marcadas a nível regional, atingindo particularmente os municípios de fronteira e do interior.
De facto, os índices de envelhecimento (número de pessoas com mais de 65 anos por cada 100 jovens) atingiram, em 2016, 141,6 no Continente, e 138,6 em Portugal, com valores que, nos extremos, têm diferenças enormes: Madeira e Açores com índices inferiores a 100, Área Metropolitana de Lisboa, o Norte e Algarve com valores que não se distanciam muito da média do país. Em vários concelhos aquele valor excede 500 em 2014 após neles se ter verificado, nos últimos 13 anos, um muito acelerado processo de envelhecimento.
Outros dados permitem ilustrar a magnitude deste processo:
- Entre 1970 e 2014 o peso da população jovem (0-14 anos), no total da população, reduziu-se a metade, de 28,5 % para 14,4%, enquanto o da população maior de 65 anos aumentou para o dobro (de 9,7% em 1970 para 20,3% em 2014) e aumentou ligeiramente a população em idade activa (de 61,9% para 65,3%);
- O índice de dependência de idosos (relação entre o número de idosos e número de pessoas em idade activa) aumentou continuamente ao longo daquele período: de 16 para 31 idosos por 100 pessoas em idade activa;
- O índice de renovação da população em idade activa tem vindo a reduzir-se, com particular incidência nos últimos 15 anos, sendo de assinalar que em 2010 se situou já abaixo de 100 e em 2014 desceu par 84, valor este que coloca Portugal com o mais baixo nível de renovação da população activa na EU a 28;
- Nos anos mais recentes, para além de continuado saldo natural negativo, registou-se, também, um continuado saldo migratório negativo, sendo a emigração anual (2011-2014) de mais de 100.000 residentes, só ultrapassada pelos valores médios do período (1969 a 1973).
- Não sendo realista inverter drasticamente as tendências que se vêm registando, a população portuguesa (de 10,4 milhões em 2012) tenderá a reduzir-se no futuro. As projecções para 2060 variam entre 6,3 milhões se se mantiverem baixos níveis de fecundidade e um saldo migratório negativo e 9,2 milhões com alguma recuperação dos níveis de fecundidade, sendo o cenário central de 8,6 milhões.
2 - O envelhecimento demográfico como fenómeno multifacetado
O panorama que as estatísticas e as projecções demográficas nacionais nos apresentam é suficientemente grave para impor a necessidade de procurar integrar a componente demográfica num verdadeiro plano de desenvolvimento da economia e de promoção do bem – estar social.
Com efeito, sendo o envelhecimento demográfico apresentado com as características de um fenómeno “fatal”, corremos o risco de negligenciar os factores de ordem económica, social, cultural ou política que, actuando sobre a fecundidade, a mortalidade e as migrações, podem contribuir para acelerar ou para retardar o seu avanço.
Se temos como adquirido o ganho civilizacional que é o prolongar do tempo de vida, importa que esse tempo extra seja, para todos e para cada um, de vida plena e saudável, em que a idade maior seja compatível com a integração na sociedade e a realização pessoal dos que a alcançaram. O prolongamento da vida activa dos idosos, indo ao encontro das suas aspirações, surge como uma tendência das sociedades mais avançadas, mas ainda longe de concretização no nosso país.
No tocante à evolução da fecundidade, ao contrário do que tem sucedido a nível europeu, a quebra em Portugal tem-se acentuado continuamente, sendo as famílias levadas a reduzir o número de filhos por razões que se prendem, maioritariamente, com dificuldades financeiras para fazer face aos encargos com a maternidade e a paternidade, com a dificuldade em encontrar emprego e com a dificuldade de conciliação entre a vida familiar e a profissional . Em qualquer caso, deve ser tido em conta que os percursos de fecundidade das pessoas sofrem a influência de uma multiplicidade de factores, inclusive de natureza cultural ou de estilos de vida.
É certo que, a nível dos poderes públicos, se tem dado conta da preocupação com o decréscimo do número de nascimentos, mas o objectivo de o aumentar tem sido prejudicado por políticas dispersas e, muitas vezes, contraditórias, que impossibilitam uma abordagem coerente.
O fenómeno migratório tem influenciado significativamente a evolução demográfica portuguesa.
Entre os motivos que, ao longo de décadas, têm induzido o abandono do país por parte de muitos portugueses jovens, poderemos encontrar um conjunto de opções políticas nem sempre validadas de forma democrática, que conduziram não só a uma real degradação das condições materiais, como a baixas expectativas quanto ao emprego. A fatalidade também neste domínio é questionável.
As consequências do contínuo envelhecimento demográfico sobre o progresso da economia devem ser correctamente avaliadas, sem pessimismos alarmistas, mas procurando a forma de minimizar os aspectos mais negativos e, simultaneamente, valorizando as oportunidades que ele apresenta.
O risco de que o envelhecimento demográfico possa dar origem a uma incapacidade de regeneração da própria sociedade foi desde há muito posto em evidência por demógrafos, como por exemplo Alfred Sauvy. Entre os especialistas portugueses, M.J.Valente Rosa escreveu que, se o envelhecimento demográfico é inelutável, pelo menos a médio prazo, o mesmo não sucede com o envelhecimento societal, pois a sociedade pode renovar-se em termos da sua organização.
É de relevar o exemplo de alguns países, com destaque para os escandinavos, que têm prosseguido políticas públicas, no campo laboral, de apoio à família e igualdade de género, com bons resultados na compatibilização entre a idade maior e a vida saudável e activa.
Há que reconhecer a influência de uma certa cultura: um clima de total disponibilidade para o trabalho, traduzido em horários alongados ou em constante mutação, muito cultivado entre nós, em nada contribui para vidas equilibradas, em qualquer idade. É também preocupante constatar que em certos meios, como o empresarial, parece já não haver lugar para os maiores de 45 ou 50 anos.
A avaliação do impacto do envelhecimento da população activa sobre a produtividade do trabalho, tende, por vezes, a ser efectuada de forma simplista, ao não considerar a possibilidade de adaptar as tecnologias às capacidades dos mais velhos ou ainda ignorando os atributos específicos associados ao ciclo de vida: à maior aptidão dos jovens para inovar há que contrapor as competências de enquadramento e conselho dos menos jovens.
Em todo o caso, julga-se necessário prever a possível menor capacidade de uma sociedade envelhecida para acompanhar as transformações que a acelerada evolução tecnológica já anuncia.
Este é o desafio que se coloca a todos, economistas, demógrafos, sociólogos, psicólogos: perante o inevitável envelhecimento demográfico, propor um novo modelo de sociedade, capaz de promover, de forma inovadora, a gestão das diferentes idades, a organização do tempo de trabalho, a negociação de um novo contrato social regulador das relações entre as gerações, os sexos e as categorias sociais.
Os pontos de vista e a disponibilidade para tal não são seguramente coincidentes: um mesmo aspecto do envelhecimento tanto pode ser visto como um custo que pesa sobre a colectividade como uma oportunidade para potenciar a coesão social ou o próprio crescimento da economia. Também neste olhar pesa a ideologia de cada um.
3 - O impacto das migrações
Merece uma atenção particular a brusca alteração, verificada no passado recente, no tocante aos movimentos migratórios: de uma migração positiva de quase 50.000 por ano, constante ao longo da década 2004-2013, passou a registar-se uma migração negativa, como resultado da combinação da alta emigração com a baixa imigração.
Para tal terão contribuído as elevadas taxas de desemprego que atingiram 16% em 2013, sendo de 38% o desemprego da população jovem.
Como os que emigram são sobretudo os jovens, tal constitui um factor de duplo envelhecimento populacional, pela redução do número de jovens (envelhecimento pela base) e pelo aumento do quantitativo no topo (envelhecimento pelo topo).
A manterem-se as tendências recentes, seria de prever algum impacto sobre a quebra da taxa de fecundidade pela saída de grande número de pessoas em idade fértil e não tanto pela menor entrada de imigrantes, já que, entre estes, a tendência geralmente verificada é para que atinjam os padrões reprodutivos do país de acolhimento.
Para além do impacto da forte emigração jovem sobre o equilíbrio demográfico são também de relevar os seus efeitos sobre a estrutura sócio – económica e a capacidade de desenvolvimento a prazo, porventura ainda não plenamente avaliados.
Não há evidência de que uma política de forte incentivo à entrada de imigrantes jovens, possa, por si só, travar o envelhecimento demográfico e, quanto à entrada de imigrantes mais idosos, nomeadamente reformados com poder de compra, o seu impacto será sentido, sobretudo, no campo da economia, com a criação de postos de trabalho que podem ser significativos em algumas regiões.
O descontrolo dos fluxos migratórios internacionais, muito acentuado no passado recente, torna difícil prever o seu impacto potencial numa população como a nossa, relativamente reduzida no espaço europeu, carente de uma política coordenada neste domínio. Tal facto aconselha uma acção pedagógica sobre a nossa relação com povos estrangeiros.
Em todo o caso, o restabelecimento de perspectivas favoráveis ao desenvolvimento e à criação de emprego é condição necessária para que Portugal volte a ser considerado um país de acolhimento, beneficiando do contributo positivo que o afluxo de imigrantes traz consigo e para que a opção dos jovens portugueses pela emigração, por razões de ordem económica, e, mesmo, de subsistência, não continue a delapidar o precioso capital humano.
4 - Envelhecimento e heterogeneidade da população idosa: oportunidades e desafios
De um modo geral a imagem que a sociedade tem da população idosa, identifica-a quer como um grupo homogéneo, caracterizado por integrar as pessoas com direito a uma prestação financeira, como contrapartida do final da vida activa, quer como um grupo de pessoas incapacitadas/deficientes.
Desta forma, os idosos são vistos como um grupo homogéneo e um encargo da sociedade, uma espécie de “sub-capital humano”, e não como pessoas com características diversas, detentoras de direitos e com deveres a cumprir.
Esta visão redutora, que pode dar lugar a exclusão e/ ou conflitualidade social, poderá dever-se a um certo preconceito cultural, mas também à desvalorização ou ao desconhecimento do que pode ser o contributo para a sociedade do saber e da experiência da população idosa.
Desde logo há que desmontar o mito da homogeneidade desta parcela da população: diferente é a situação dos idosos que conservam as suas capacidades físicas e mentais por longos anos, daqueles que desenvolvem múltiplas incapacidades, privando-os de aceder a qualquer forma de trabalho, de realizar, com segurança, as normais tarefas da vida quotidiana e, no limite, de participar na vida social.
Acresce a distribuição desigual do rendimento na população idosa, onde as pensões representam quase 80%, sendo certo que as diferentes posições no tocante ao nível sócio – económico, influenciam o grau de dependência de apoios sociais nas idades mais avançadas, bem como a capacidade de usufruir de um envelhecimento activo .
É com base na constatação da heterogeneidade da população idosa que podem ser avaliadas propostas, por exemplo, no sentido de alterar as disposições legais que determinam a idade de reforma, admitindo alguma flexibilidade, mas respeitando a liberdade da decisão individual . O alargamento da base contributiva assim obtido favoreceria a consolidação do equilíbrio financeiro da segurança social, para além do impacto potencial no adiamento do processo degenerativo próprio do envelhecimento e consequente redução dos custos com a saúde.
Paralelamente, poderiam ser revistas as leis laborais no sentido de admitirem horários de trabalho mais leves ao longo da vida activa, (com benefícios para a saúde e para a conciliação do trabalho com a vida familiar) que, em contrapartida, se prolongaria até idades mais avançadas.
Em qualquer caso, existe o risco do incentivo ao prolongamento da vida activa originar mal-estar social e mesmo um conflito de gerações, especialmente num contexto de persistente desemprego e da perspectiva, que hoje é a dos jovens, de virem a ter as suas reformas muito abaixo dos níveis salariais.
Um outro factor de risco de conflito social decorrente do envelhecimento demográfico prende-se com a enorme carência de investimento público nos cuidados a idosos dependentes, e, mais geralmente, para fazer face à morbilidade associada ao envelhecimento e ao custo de novas tecnologias.
Cabendo ao Estado assegurar estes apoios e arbitrar entre os diferentes capítulos do orçamento para a Saúde, colocam-se delicados problemas de equidade financeira entre os diferentes grupos etários.
Em sentido contrário, poderá esperar-se que, com uma população idosa mais educada e com menos pobreza, tenderá a ser adiada para uma idade cada vez mais avançada a necessidade de cuidados de saúde muito dispendiosos, além de que as novas tecnologias podem e devem ser orientadas para, sempre que possível, permitirem economias de custos sem perda de eficiência.
É também muito relevante a persistente desigualdade de género, que penaliza as mulheres, quer na vida profissional, por menores carreiras contributivas, logo com menores recursos ao longo da reforma, quer pelo encargo, frequentemente não remunerado, no cuidar dos idosos.
As perspectivas demográficas, com cada vez maior proporção dos muito idosos, tornam inadiável uma reflexão acerca da atitude da sociedade e das políticas públicas face às necessidades específicas dessas pessoas e à valorização do trabalho dos cuidadores, muitos destes também idosos e maioritariamente do sexo feminino.
Há pois uma nova cultura a incentivar, implicando uma “ negociação de poderes” entre as gerações e os diferentes grupos sociais, em ordem a uma demografia inclusiva.
5 - Envelhecimento e despovoamento do território
Fizemos já referência às assimetrias regionais quanto à severidade e à velocidade com que tem ocorrido o processo de envelhecimento demográfico, bem como ao despovoamento de territórios e a crescente urbanização.
Julgamos serem fundados os receios de que, em algumas regiões, se tenha atingido um grau de desertificação quase impossível de reverter, sendo de assinalar que são as pessoas residentes nos territórios menos povoados que desejam ter menos filhos, o que só pode contribuir para acelerar o seu abandono.
As consequências desta situação parecem-nos particularmente gravosas, desde logo o isolamento das famílias e pessoas idosas que ainda aí vivem, com muita insegurança e sem que os apoios do estado social a elas cheguem com prontidão e a devida qualidade.
Outra questão que estas tendências colocam é a progressiva dificuldade, quando não a impossibilidade, de transmissão dos saberes e profissões dos mais velhos, tantas vezes de grande valor cultural, os quais poderiam, se devidamente apoiados, constituir um núcleo de desenvolvimento local capaz de fixar alguma população jovem.
Também a velocidade e a forma como os núcleos urbanos estão a crescer, deveria levar a uma reflexão acerca das condições de vida quotidiana, (sobretudo dos idosos com algum grau de dependência), bem como à possibilidade da população de maior idade continuar a usufruir dos bens, materiais ou imateriais, disponíveis na sociedade.
A perspectiva de um modelo de desenvolvimento sustentável, com coesão social e territorial, exige que a todas estas questões relacionadas com a demografia, a economia e o bem-estar social, passe a ser dada a atenção que lhes é devida, tendo sempre presente a forma como se influenciam mutuamente.
Isabel Roque de Oliveira (GES)
27 Janeiro 2017
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