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07 outubro 2013

Um indispensável passeio pelos mercados

Sobre as virtualidades e as insuficiências dos mercados já aqui tenho escrito em outras ocasiões, mas a insistência em que se continua a pisar este terreno pantanoso justifica que volte ao assunto.
 
A ida aos mercados é uma decisão inevitável a quem quer comprar e vender bens e serviços, até de ordem política. Os mercados organizam-se de modo a que aí possam ser transacionados vários tipos de bens e serviços. Em tempo de eleições, os mercados servem, inclusivamente, para transmitir mensagens de índole política. Acabamos de viver uma época eleitoral e não foram poucos os políticos que “regressaram aos mercados” à procura de apoio.
 
A eficiência dos mercados para transacionar bens e serviços é reconhecida desde os tempos em que nem sequer existia o dinheiro e, por isso, as transações se faziam de mercadoria ou serviço, contra mercadoria ou serviço.
 
Quem não vai aos mercados é porque não tem nada para comprar, ou para vender, e se coloca, por isso, em situação de marginalização numa sociedade organizada que procura, pela concorrência nos mercados,  aumentar o nível de eficiência coletivo do seu funcionamento.
 
Se tudo isto fosse exatamente assim mais não nos restaria do que dizer: “vamos todos a correr para todos os mercados”.
 
Desde que a troika cá entrou não temos ouvido falar de outra coisa que não seja a necessidade de “regresso aos mercados”. O regresso aos mercados assume o lugar do bezerro de ouro que justifica que tudo lhe seja sacrificado. As portuguesas e os portugueses sabem-no bem. Dizem-lhes que para que o bezerro não se transforme em bicho feroz, que tudo devorará, sem olhar a quem e ao como, se devem submeter às mais torpes manobras de extorsão.
 
Quando nos referimos à ida aos mercados importa saber qual é o programa da viagem, ou seja, quais são e ao que vamos. Disse, acima, que um mercado é o local onde se transacionam bens e serviços. De que bens e serviços se trata?
 
São os bens e serviços para consumo final e são os bens e serviços para consumo intermédio, isto é, bens e serviços que depois de transacionados vão ser transformados pelas empresas ou outras instituições. Há, assim, uma infinidade de mercados. Nas últimas décadas temos, no entanto, vindo a ouvir falar, cada vez com maior insistência, de um mercado de que, antes, não se falava, ou falava pouco: o mercado financeiro.
 
O mercado financeiro é o mercado em que se transaciona dinheiro (moeda). Foram criadas condições para que a moeda fosse tornada equivalente a uma mercadoria. Ora, antes, a moeda não era uma mercadoria; era apenas um intermediário das transações, uma unidade de conta (referência para poder contar) ou uma reserva de valor (aforro). Quer dizer, com o dinheiro passou-se a poder ganhar dinheiro!
 
Ora, os mercados só podem (embora haja outras condições a verificar) trazer eficiência ao funcionamento da economia, se agirem de forma interdependente. Não tem sentido prosseguir os objetivos do funcionamento eficiente do mercado financeiro se não existir igual preocupação com o funcionamento dos outros mercados, o da mão-de-obra, por ex. A haver equilíbrio num mercado ele só é um valor acrescentado para a economia se, simultaneamente, se verificar equilíbrio nos outros mercados (equilíbrio geral).  Caso não funcionem, não tem sentido estar a falar de equilíbrio. 
 
De que é que temos ouvido falar quando, a propósito da dívida pública, o Governo, a troika, o Sr. Presidente da Comissão Europeia, a Sr.ª Merkel e tantos outros, apelam ao regresso aos mercados? Não é do regresso aos mercados que eles falam, mas do regresso ao mercado financeiro (de capitais).
 
Mas haverá mesmo regresso aos mercados financeiros? Não há; quando muito, caso a operação pudesse ser bem-sucedida, haveria regresso ao mercado financeiro (no singular). A distinção é justificada porque, de fato, em relação aos capitais financeiros e em razão da sua globalização não existem vários, mas um único mercado. O uso da forma plural apenas serve para mascarar a verdadeira raiz da questão.
 
Só que existindo uma preocupação com o funcionamento de, apenas, um dos mercados, o de capitais, então isso tem como consequência que todos os outros mercados lhe vão ficar subordinados, isto é, só funcionam e funcionam na medida em que isso servir os interesses dos mercados de capitais. Por isso, o regresso de que tanto se fala só acontecerá quando todos os outros mercados, estando-lhes subordinados, deixarem de cumprir o seu papel de espaço igualizador dos valores das transações.
 
Regressar aos mercados, neste quadro, só será possível quando estiverem destruídas todos os elementos que estruturam e identificam o ser português. O mercado financeiro só se encontrará saciado quando os custos do saque de recursos forem superiores aos benefícios deles retirados.
 
Assim, só é possível uma postura: a denúncia do saque e um rotundo virar de costas aos mercados, isto é, ao mercado financeiro. Os seus agentes, os de dentro e os de fora, não mostram qualquer saciedade ou falta de imaginação para criarem novas formas de continuação da extorsão. Fazer-lhes frente é o único caminho que lhes poderá provocar a diminuição da sua saciedade.
 
O regresso aos mercados surge como indispensável, desde que o objetivo signifique regresso a todos os mercados, o dos recursos, o dos bens e serviços finais e o financeiro. Não pode, por isso, haver regresso ao mercado financeiro se, simultaneamente não se verificar, entre outros, o regresso ao mercado da mão-de-obra.

29 junho 2013

Manuela Silva é Doutora Honoris Causa
(por causa da honra)

Realizou-se, no passado dia 21 de Junho, a sessão solene de atribuição do grau de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Técnica de Lisboa (através do ISEG), à nossa amiga e companheira, Maria Manuela Silva. Sobre quem e o que ela é não direi uma palavra, porque isso só serviria para desmerecer todo o respeito que por ela possuímos.

Quero, no entanto chamar a atenção para o notável discurso que na ocasião proferiu, que desejo que seja lido e refletido por todos. O texto do discurso pode ser encontrado aqui.

Para os que não puderem ler a versão integral aqui deixo alguns extratos do que considero mais relevante.

O tema:

“A crise da ciência económica e a legitimidade e a urgência de ultrapassar a fronteira de um pensamento único, na investigação e no ensino da Economia.”

Sobre o lugar da ciência económica:
 
“Foi a minha ligação ao conhecimento da economia real que muito contribuiu para que tivesse mantido, ao longo da minha carreira docente, uma visão da Ciência Económica necessariamente ligada à Ética e à Política e não desvinculada da situação concreta das pessoas e dos povos, do modo de produção e especialização produtiva, dos níveis e padrões de consumo em relação com a qualidade de vida, da repartição do rendimento e da riqueza e a sua desigualdade, do papel do Estado na promoção do desenvolvimento e na regulação do mercado e correcção das respectivas disfuncionalidades.
. . .
Incluo-me no grupo dos cientistas sociais que reconhecem que, muito justamente, a Ciência Económica está sob suspeita, tanto por parte de alguns dos seus artífices, como pelo lado de algumas correntes de opinião pública e decisores políticos.
O que está em causa não é o pensamento económico em si o qual se considera relevante e indispensável para a melhor compreensão da realidade societal e do lugar que nela ocupa a organização e o funcionamento da respectiva economia; tão pouco se põe em dúvida o papel coadjuvante que a Ciência Económica pode ter na definição de estratégias e medidas de política que viabilizem e promovam um desenvolvimento sustentável ao serviço do bem-estar colectivo e da qualidade de vida das pessoas, da coesão e da paz social, finalidades indissociáveis de uma democracia autêntica.
O que está em causa é que a Ciência Económica dominante se deixou capturar pelos interesses do capital financeiro e vem harmonizando as suas lógicas de construção científica com esses interesses, concentrando aí o seu olhar e o aperfeiçoamento das suas ferramentas analíticas e, do mesmo passo, desviando-se de outras hermenêuticas que privilegiem, por exemplo, a satisfação das necessidades das pessoas e do emprego dos respectivos recursos individuais e colectivos, a prossecução de finalidades de bem-estar individual e social, a equidade no acesso e na repartição dos bens, os processos de um desenvolvimento sustentável.
Nesta deriva ideológica, que, nas três últimas décadas, se tem vindo a impor, incluindo no meio académico, sob a capa de um pensamento único com pretensa validação científica, sobressaem a lógica de um comportamento dito “racional” baseado no mero interesse individual egoísta, a exaltação do mercado como regulador único do conflito de interesses, a competitividade como motor de um crescimento económico ilimitado.
Num tal contexto, varrem-se para debaixo do tapete problemáticas essenciais, como, por exemplo, a intolerável pobreza de muitos no meio da abundância material e do progresso tecnológico hoje possível ou aceita-se, acriticamente, que o desemprego estrutural elevado figure nos modelos macroeconómicos como variável de ajustamento; subestimam-se as desigualdades crescentes entre estratos populacionais e entre diferentes territórios de par com a formação de fortunas avultadíssimas que se acumulam improdutivas e sem benefício colectivo; ignora-se como estas condicionam (ou, inclusive, determinam!) estilos perniciosos e predadores de padrões de consumo e propiciam um crescimento económico sem desenvolvimento sustentável.”

Sobre a crise:

“A propensão ideológica para a exaltação do mercado em detrimento do papel regulador do Estado deixou que a crise se fosse arrastando no tempo e se aprofundasse e assumisse gigantescas proporções económicas e sociais, uma crise que se tornou sistémica e, por isso, se mostra cada vez mais difícil de ultrapassar.”
. . .
a austeridade tem acentuado a transferência de valor do sector real da economia para o sector financeiro, com consequências negativas na desaceleração do investimento produtivo e no emprego; o défice das contas públicas engrossado por efeito das avultadas transferências de receitas do Estado para o sector financeiro e outros sectores rentistas tem implicado um severo esforço fiscal sobre os contribuintes, trabalhadores e pensionistas, acompanhado de uma subtil e cada vez mais aprofundada redução do perímetro das funções do estado social com consequente degradação da qualidade da provisão pública de bens em domínios essenciais como sejam a saúde, a educação e a segurança social.
Sob a capa do argumento da necessidade de conter os gastos do Estado, tem-se assistido a uma progressiva atrofia do estado social e à descaracterização do mesmo no que respeita à universalidade dos direitos como base da sua respectiva sustentação.”
. . .
“A Ciência Económica não é, seguramente, a única causa desta deriva que nos tem conduzido ao risco de um sério retrocesso civilizacional. Há, por certo, razões de ordem cultural, ética, institucional e política que concorrem para esta crise.”
 
Sobre a ciência económica, a ética e a cidadania:
 .
“Acima de tudo, reputo do maior interesse que a Ciência Económica se reconcilie com a Ética”
. . .
“estar a assistir a um processo evitável de empobrecimento colectivo em bem-estar e qualidade de vida para a generalidade dos cidadãos e cidadãs de todas as idades, por constatar que para vastos sectores da população portuguesa se estão a atingir níveis inesperados de precariedade material e risco de pobreza; o desemprego assume, cada vez mais, carácter estrutural dentro do actual modelo económico e atinge, hoje, um número anormalmente elevado e crescente de pessoas e famílias inteiras, algumas das quais privadas de qualquer apoio social, esgotado que foi o período fixado para o subsídio de desemprego.
Vejo com apreensão que crescem as desigualdades na repartição do rendimento e da riqueza e acumulam-se no topo da pirâmide incalculáveis fortunas socialmente improdutivas,”
. . .
Convém, porém, ter presente que, por detrás dos números, que as estatísticas revelam, estão pessoas de carne e osso.
. . .
Há uma dívida social de que pouco se fala, mas que não cessa de crescer, enquanto os recursos disponíveis na economia são, em boa parte, aspirados pelos encargos com os juros pagos por dívidas aos credores.”

Sobre a missão da Universidade:

“Reconheço que não está nas atribuições da Universidade substituir-se aos responsáveis políticos, aos governos e demais órgãos de soberania, mas como parte integrante da sociedade civil, particularmente qualificada que é, deve assumir a responsabilidade de fazer ouvir a sua voz produzindo conhecimento e tornando-o disponível à comunidade.
. . .
faço votos de que esta sessão pública seja um contributo positivo, ainda que modesto, para construir um futuro mais esperançoso, para os nossos concidadãos e concidadãs, na rota da prosperidade, da justiça, da liberdade, da democracia e da paz”.

07 março 2013

Outro modo de produzir e de consumir

No contexto da actual crise e especialmente das suas repercussões em Espanha, três economistas espanhóis publicaram, em 2011, um livro que mostra como temos que mudar mesmo de paradigma – no seu verdadeiro sentido de ver e lidar com a economia noutros termos radicalmente diferentes dos dominantes hoje em dia. Mas o livro é também uma manifestação de esperança, ao apresentar propostas. Aliás, o título do livro é HAY ALTERNATIVAS Propuestas para crear empleo y bienestar en España (http://www.vnavarro.org/wp-content/uploads/2011/10/hayalternativas.pdf).

O seu capítulo IX (pp.191-207) centra-se sobre A economia ao serviço das pessoas e em harmonia com a natureza. Este título exprime desde logo um sentido da economia que é completamente diferente do crescer por crescer e da lógica de acumulação de capital indiferente ao desperdiçar de recursos, ao destruir do ambiente, ao atormentar de indivíduos, famílias e sociedades inteiras com a pobreza, a incerteza e segurança e a injustiça.

Como dizem os autores, a crise que vivemos é o resultado de um fenómeno velho que foi exagerado nos últimos tempos das economias capitalistas, isto é, o de desenvolver a produção e o consumo como se tivessem ao seu dispor recursos inesgotáveis.

E por isso os autores mostram, com exemplos variados, como é preciso Outro modo de produzir e de consumir. Pois, como eles dizem, se formos realistas e tivermos em conta os limites ambientais, não podemos continuar considerando como objectivo da actividade económica o crescimento das actividades com expressão monetária, o que chamamos de crescimento económico medido pelo PIB. E, por isso -continuam – há que dar prioridade ao incremento da produção local e de proximidade, à produção ecológica e poupadora de energia, transporte e materiais.

Mas para isso, temos que aprender a pensar ao contrário…temos que aprender a desejar e a sentir…não para ser escravos do capricho, mas sim para dominar a necessidade. Ou seja, como dizem também eles, ser orientados por outros valores: …substituir o dinheiro, o comércio, a ganância, a competição e o cálculo pela cooperação e o afecto, a justiça, o amor ou o prazer de sentir-se satisfeito com muito menos, mas na realidade com muito mais do que temos agora. Isto pode parecer utópico. Mas talvez não pareça tanto se se considerarem as 115 propostas concretas (cap.X, pp.209- 221) com que os autores finalizam o livro, propostas sobre: governança global, sistema financeiro e monetário internacional, justiça global, comércio internacional, constituição de um autêntico Estado Confederado Europeu, instituições económicas, Europa e a economia internacional, respostas imediatas à crise, respostas imediatas à crise em Espanha (sistema financeiro, modelo de produção e consumo, desenvolvimento empresarial, fiscalidade, criação de emprego e direitos laborais, direitos sociais, educação, política).

03 julho 2012

O “misticismo” à volta dos modelos económicos

Uma das facetas da crise é que, à medida que se sucedem tentativas para a debelar, cresce a sensação de que são ineficazes os remédios que vão sendo tentados, como se estivesse em marcha uma doença desconhecida: “um caso interessante”, poderia dizer um médico que talvez visse ali matéria para um projecto de investigação.

Para os economistas o desafio é enorme: perante a inoperância das teorias em que foram formados, qual o caminho certo? Tentar alguns ajustamentos para corrigir a trajectória - e, assim, domar a crise - será para muitos o mais apelativo, pois tal lhes permite manter o conforto dado pelos conhecimentos adquiridos, mesmo quando a realidade lhes diz que estes são errados ou incompletos. Seriam então como um médico preguiçoso que se limitasse a usar remédios sem efeito terapêutico numa doença desconhecida.

E, depois, têm os modelos matemáticos, essa maravilha que ao longo das últimas décadas tem alimentado a ilusão de que tudo podem prever…até que os factos vêm demonstrar como são simplificadores em extremo.

De facto, a constatação recorrente de grandes desvios entre as previsões e os dados reais deveria levar a questionar o uso (e abuso) dos modelos económicos que assumem hipóteses de comportamento como se fossem infalivelmente verificadas .

É muito curiosa a expressão “ misticismo” aplicada aos modelos por James K. Galbraith que os define de duas formas: “ (1) modelos que utilizam conceitos sem significado operacional - abstracções que nunca serão observadas nem medidas - e (2) modelos que enquadram (mal) problemas de forma a conduzir a conclusões de política extremas e nâo razoáveis”.

A falta de preparação em História Económica e em História do Pensamento Económico é um problema sério nos Estados Unidos, acrescenta Galbraith, citado por Brendan Greeley, em Bloomberg Business Week on-line de 1 de junho 2012.

Trata-se de uma questão da maior actualidade e de âmbito mundial, que deveria obrigar a pôr em causa a forma como têm sido conduzidas as políticas anti - crise e também o tipo de ensino de Economia ministrado nas universidades, o qual parece estar ainda refém de conceitos ultrapassados.

De facto, seria bom ter consciencia das limitações do uso dos modelos matemáticos e aceitar, com humildade, que eles nunca podem explicar a complexidade da vida económica.

Por outro lado, há que reconhecer a não neutralidade da forma como se olham as questões da Economia, sendo certo que esta deve estar sempre ao serviço do bem estar das pessoas: as políticas económicas, em particular neste tempo de crise, carecem de revisão profunda, sendo urgente rever o quadro conceptual hegemónico em que se têm inspirado.

O que se espera dos economistas é que não sigam o caminho fácil de confiar cegamente em modelos para formular soluções para a crise e se lancem, antes, num trabalho sério de investigação, procurando chegar a formulações credíveis de políticas económicas alternativas, sem o dogmatismo que tem caracterizado o pensamento dominante.

Políticas alternativas que se espera possam, mais tarde ou mais cedo, influenciar os centros de poder.

07 março 2012

As mulheres e a Construção de um novo Paradigma para a Economia


A história ensina-nos que as crises, que atravessam as sociedades, não são apenas ocasião de descriação e desconstrução acompanhadas de grandes perdas materiais e de grande sofrimento humano. São-no, certamente, mas podem, também, abrir caminhos de mudança de paradigma económico e societal, levando a novos patamares de conhecimento que permitam formas mais avançadas de organização da vida colectiva.

Face à crise actual, torna-se imperativo um redireccionamento da economia para o bem das pessoas e para o desenvolvimento sustentável.

Para tanto, precisamos de repensar os fundamentos da ciência económica e deixar de persistir numa racionalidade meramente instrumental, afim de passar a re-colocar no centro da construção do pensamento económico as finalidades últimas a prosseguir: a satisfação das necessidades das pessoas e o desenvolvimento sustentável das suas comunidades.

Neste indispensável percurso hermenêutico, que o desenrolar da crise vem reclamando, as mulheres poderão – e deverão – assumir um papel criativo.

Estando, em geral, mais próximas da vida e das necessidades humanas, desenvolvem capacidades próprias para melhor enfrentar os problemas concretos com que deparam.

Encontrando-se menos condicionadas por esquemas do passado, estarão melhor colocadas para inovar com criatividade.

Apesar dos progressos registados, a percentagem de mulheres que ocupam lugares de maior responsabilidade nas administrações das grandes empresas continua reduzida e mesmo na administração pública e nos órgãos de governação política tal proporção fica manifestamente aquém do que corresponderia a uma real paridade. Há, certamente, que corrigir esta situação com meios adequados, incluindo o combate a estereótipos através de informação dissiminada.

Não basta, porém, alcançar cotas estatísticas mais elevadas. Como dizia Alessandra Smerilli, numa conferência em 2009: O papel da mulher na esfera económica nunca será reconhecido plenamente na economia (economy), enquanto a ciência económica continuar a olhar para o mundo com o olhar míope da racionalidade instrumental, e até que um maior número de mulheres passe a ocupar-se da economia como ciência económica (economics). A economia (entendida como ciência), como todas as ciências humanas, vive de facto o problema da dupla hermenêutica: aquilo que se teoriza, uma vez que se teoriza sobre a pessoa alterará de alguma maneira o modo de ser da pessoa.

Em dia Mundial das Mulheres, vale a pena não passar ao lado destas reflexões. Em particular deixo aqui um desafio às mulheres docentes e investigadoras na área da economia para uma reflexão e debate acerca do seu papel na construçõ de um novo paradigma da Ciência Económica. Talvez que a Amonet - Associação das mulheres cientistas - aceite a proposta e a ponha em marcha. Seria um bom marco neste Dia Mundial das Mulheres em 2012.

03 fevereiro 2012

Economia Social, Economia Solidária e a construção de uma “Outra” Economia


 É cada vez mais amplo e diversificado o espectro da economia real e, correspondentemente, mais evidente se torna o facto de que a Ciência económica, que toma por fundamento as relações de mercado e a racionalidade baseada na maximização do lucro, está cada vez mais longe de captar a totalidade da realidade económica, não estando, também por isso,  à altura de oferecer respostas adequadas às múltiplas disfuncionalidades que caracterizam o sistema dominante de economia globalizada e dependente do capital financeiro. Basta pensar em questões tão relevantes como o crescimento do desemprego estrutural, a excessiva concentração da riqueza e de acumulação de capital financeiro improdutivo, a persistência da pobreza à escala mundial e mesmo nos países de maior rendimento, o endividamento descontrolado, o elevado risco de insustentabilidade ambiental, a expansão de uma economia de sobre exploração de recursos humanos e naturais, etc. 
Neste contexto, destacamos dois conceitos referidos a duas realidades económicas distintas ainda que com aspectos comuns: a Economia Social e a Economia Solidária.
A Economia Social não é um conceito novo, mas ganhou maior visibilidade nas últimas décadas pelo facto de se terem multiplicado as organizações económicas que visam satisfazer necessidades dos seus associados (cooperativas e mutualidades) ou da sociedade (associações sem fim lucrativo, fundações, ong’s ou, ainda, empresas que, agindo no mercado, no entanto se diferenciam da empresa capitalista pelas finalidades que prosseguem e pelos princípios gestionários por que se regem. O conceito de Economia Social abrange as organizações cuja actividade se diferencia por um conjunto de referentes fundamentais: a sua finalidade de prestação de serviço aos seus membros e/ou à sociedade (resposta a necessidades reais), por não visarem a maximização do lucro do capital investido, por praticarem uma gestão democrática, por darem a primazia às pessoas (membros, utentes, fornecedores, trabalhadores) e ao seu objecto social e não à distribuição dos respectivos excedentes.
A Economia Solidária é um conceito mais recente e menos sedimentado, com entendimento distinto em diferentes regiões do Globo. Na América latina, o conceito vem associado a iniciativas de cidadãos produtores e/ou consumidores que se organizam de modo alternativo em relação à economia mercantil, com a finalidade de conseguirem aproveitar melhor os seu recursos de modo a alcançar maior nível de satisfação e qualidade de vida. É o caso do empreendorismo inclusivo, moeda local, comércio justo, desenvolvimento comunitário, etc  Na Europa, a Economia Solidária nasce como resposta à crise do estado providência e às insuficiências das instituições públicas de protecção social e reveste a forma de iniciativas da colectividade para dar resposta às situações de pobreza e de exclusão social.
A Economia Social e a Economia Solidária são conceptualizações da realidade económica que se diferenciam da economia mercantil bem como da economia pública por um conjunto de traços comuns e cuja especificidade deve ser tida em conta na necessária e urgente tarefa de construção de uma “outra” Economia.

21 setembro 2011

A Crise como Oportunidade

São cada vez mais os contributos teóricos que, vindos de diferentes quadrantes do pensamento económico, procuram descortinar, na presente crise e suas múltiplas vertentes, outras tantas potencialidades para alcançar novos e mais ambiciosos patamares de desenvolvimento humano sustentável e solidário ou seja rasgar caminhos que permitam colocar a Ciência Económica ao serviço das pessoas e do bem comum.
Para Elena Lasida, economista e Maître de Conférences da Faculdade de Ciências Sociais e Económicas no Instituto Católico de Paris, a crise é uma oportunidade para reinventar a relação, tema que desenvolve, de maneira original no seu mais recente livro intitulado Le goût de l’autre - la crise, une chance pour réinventer le lien.
Elena Lasida vem a Lisboa para participar como conferencista principal na conferência “Economia portuguesa: uma economia com futuro”, que terá lugar em Lisboa (Fundação Gulbenkian), no próximo dia 30 de Setembro.
A convite da Fundação Betânia, a autora apresentará aquele seu livro, no dia 29, pelas 18 horas no Convento dos dominicanos (metro: Alto dos Moinhos).

12 setembro 2011

Economia Social e Democratização da Economia

Decorre nesta semana um ciclo de conferências sobre a economia social promovido pela CASES. Espera-se desta iniciativa que ela contribua para dar novo impulso à economia social no nosso país.
É bem oportuno que o governo, as autarquias e a sociedade civil dediquem uma redobrada atenção ás potencialidades da economia social, designadamente nestes tempos de crise do modelo capitalista em que são evidentes as falhas do mercado para enfrentar necessidades reais das populações, para assegurar o desenvolvimento e o bem comum e salvaguardar o bom funcionamento das instituições financeiras.
A expressão economia social terá sido utilizada pela primeira vez na obra de Charles Dunoyer, em 1830, no seu Traité d’Économie Sociale, mas, desde o século XVIII, acompanhando os primórdios da industrialização, iam surgindo iniciativas neste domínio.
Para Dunoyer, era claro que a economia social visava um duplo objectivo: corrigir as falhas e insuficiências do mercado e repor o verdadeiro objecto da economia (a organização da utilização dos recursos em ordem aos bem estar das pessoas e da comunidade).
Idêntica concepção e preocupações se encontram num dos clássicos da economia política, J.S Mill, como pode ver-se na sua obra “Princípios de economia política”.
Mais ambicioso é, ainda, o famoso economista suíço, Leon Walras,  no seu livro “Estudos de economia social” (1896) no qual atribui à economia social o papel de introduzir democracia no mecanismo do mercado e concorrer para que o mundo seja “menos capitalista”. Estava-se no final do século XIX e ainda não tinham ocorrido duas grandes guerras com as consequências devastadoras que conhecemos.
O mundo ocidental beneficiou, depois, com os “trinta gloriosos”, anos de forte crescimento económico e prosperidade material, que culminariam com o derrube do socialismo e o aparente triunfo do capitalismo, na sua expressão de economia globalizada e sob a hegemonia do capital financeiro.
Hoje, porém, os tempos são outros e apresentam-se com cores mais sombrias, pois são evidentes os sinais de crise, uma crise que teve início no sistema financeiro e que rapidamente se propagou à economia e é, agora, uma crise sistémica, a exigir reformas estruturais profundas.
Entretanto, a economia social vem fazendo o seu caminho, reforçando o seu papel junto das vítimas da crise e é nesta vertente que é mais conhecida. Contudo, está na hora de promover uma maior penetração da economia social no subsector mercado ou empresarial, forçando, a partir da base, a democratização da empresa capitalista e concorrendo para o melhor funcionamento do mercado, maior equidade na repartição da riqueza e rendimento e sustentabilidade de um desenvolvimento humano e solidário.

05 setembro 2011

Economics as if People Mattered

On Friday last, Satish Kumar gave a talk at the Gulbenkian, as part of its Environmental Program’s “Reading the Classics.” A friend of EF Schumacher’s, Kumar spoke of his 1973 classic, Small is Beautiful: A Study of Economics as if People Mattered. The interview with Kumar published in today’s Público gives the main points Kumar shared, that our crisis is not one of the economy, but of money, for Nature continues to be productive. The local economy should be the economic base, for it offers work, creates community and is less destructive of the environment. Our obsession with money has led us to forget its purpose, which is to provide for human welfare. Kumar believes we are at the cusp of great transformation.

It is time to re-read Schumacher’s classic, particularly for the way he thought as highlighted by Olivia Bina, respondent at the conference. It is this type of thinking that will bring us out of our crisis that goes beyond finance and the economy, to touch the essence of civilization, which is humanity. An economist, Schumacher thought like a philosopher. He sought not to prove any theory, but to discern on important issues. Adam Smith was firstly a philosopher, and economics started as a branch of philosophy. JM Keynes commented that an economist must be “mathematician, historian, statesman and philosopher,” an integrated, reflective and responsible person. But economists today shun philosophy for its “non-objectivity.”

Schumacher highlighted the dignity of humans and distinguished between jobs and work. Modern economics considers labor as a necessary evil, as a “disutility…a sacrifice of one’s leisure and comfort, and wages are a kind of compensation for the sacrifice.” For Schumacher, there is dignity in work, as it allows humans to develop their faculties, collaborate with others on a common task, and bring forth the goods and services necessary for existence. It is a noble and creative task.

Schumacher criticized the modern industrial system for consuming the very basis on which it has been erected, for living on irreplaceable capital which is treated as income. Money can be created, but natural resources cannot. He advocated “a life-style designed for permanence” and criticized the systematic cultivation of greed and envy to promote unwarrantable wants and unlimited consumption. He questioned “if the foundations are unsound, how could society be sound?” He wrote that “the substance of man cannot be measured by GNP.”

He termed the market the “institutionalization of individualism and non-responsibility.” He highlighted ethics beyond the “sanctity of private property,” and reminded us that Ghandi spoke disparagingly of “dreaming of systems so perfect that no one will need to be good.” He called for wisdom and stressed the importance of human behavior and reflected judgment in building the world we wish to inhabit. It is up to us to say what is “enough,” for economists value growth above all and have no concept of what is “enough.” The trouble he saw with valuing means above ends is that “it destroys man’s freedom and power to choose the ends he really favors.”

Schumacher called for “meta-economics,” dealing with humans and with Nature. He was the first holistic thinker, mindful of the wonder of Nature and of humanity placed within Nature. It is this harmonic living that can bring the happiness much debated today. It is time to re-read Schumacher and reflect on the implications of what he wrote.

30 abril 2011

Economia com Futuro

O "Areia dos dias" tem procurado fazer-se eco de reflexões e iniciativas que possam contribuir para um pensamento inovador quanto ao modelo de economia e de sociedade que desejamos para o nosso País.
Este fim de semana veio a público a notícia da constituição de uma rede de professores universitários e investigadores de economia e de outras ciências sociais que se propôem levar a efeito, entre outras acções, a realização de uma Conferência com o tema Economia portuguesa - uma economia com futuro.
Nestes dias em que muito se fala de fracassos, de dificuldades, de impasses e de crise, é particularmente urgente olhar para horizontes mais largos e esperançosos e indagar como conduzir a economia para os seus verdadeiros fins. A academia não pode eximir-se a essa tarefa. Mas ela é também - e sobretudo - dos cidadãos e das cidadãs e por isso vale a pena dar a conhecer na íntegra o documento constituinte da referida rede, pois ele é, em si mesmo, um texto que dá que pensar.

Economia com futuro - um compromisso e um apelo

Em tomada de posição pública intitulada “Para uma nova economia”, divulgada após a aprovação do Orçamento de 2011, um numeroso grupo de professores universitários de economia e de outras ciências sociais (a que se vieram a associar muitos outros cidadãos e cidadãs) preveniu que a austeridade inscrita no Orçamento não iria conter a pressão especulativa contra Portugal e tolheria o passo às mudanças estruturais de que o País carece para alcançar um desenvolvimento sustentável.

Nesse mesmo texto escrutinavam-se as raízes culturais, ideológicas e institucionais da crise: o menosprezo pela ética, a exaltação do “mercado”, a insensibilidade face às desigualdades e à pobreza, a desvirtuação e subestimação do papel económico do Estado, a desregulamentação da finança, o predomínio dos interesses financeiros sobre o conjunto da vida económica e da sociedade, a extensão injustificada das relações mercantis a domínios cada vez mais alargados da vida social, incluindo áreas tão sensíveis como a prestação de cuidados de saúde, a educação e a protecção na infância e na velhice.

Denunciava-se também uma visão estreita da economia, assente em pressupostos sobre a eficiência dos mercados e o comportamento racional dos indivíduos, que se revela incapaz de explicar a realidade da vida económica e do mundo actual e desastrosa nos seus efeitos quando incorporada nas políticas e aplicada. Afirmava-se, assim, a existência de conhecimentos económicos que permitem fundamentar a denúncia dos falsos pressupostos das opções de política que originaram e estão a aprofundar a crise, e que podem, ao mesmo tempo, dar um contributo para a invenção de soluções com futuro.

As propostas então avançadas partiam de uma definição dos fins que vale a pena prosseguir: eliminação de carências básicas e correcção das desigualdades, valorização do trabalho humano e promoção do emprego, provisão económica num quadro de sustentabilidade ambiental, eficiência económica compatível com justiça social e coesão territorial, coexistência de modos de provisão e de uso mercantis e não mercantis.

Essas propostas apontavam também para a necessidade urgente de reformas aos níveis global e europeu de governação:

- Intervenção adequada e coordenada a nível mundial, tendente à eliminação dos paraísos fiscais, à regulação das agências de rating, à tributação das transacções financeiras, à refundação das instâncias reguladoras, à reforma dos sistemas bancários, ao combate às acções especulativas e ao reforço da responsabilidade e da conduta ética nos negócios.

- Reforma da arquitectura do euro, das instituições e das políticas europeias, envolvendo o combate às assimetrias comerciais no interior da Eurozona, a reorientação das prioridades do Banco Central Europeu com ênfase num papel activo no financiamento dos Estados e em políticas monetárias amigas do emprego, a coordenação eficaz das políticas económicas com flexibilização das políticas monetária e orçamental, o reforço da base fiscal dos Estados com coordenação dos diversos sistemas tributários que salvaguarde os modelos sociais europeus, o relançamento de uma estratégia de desenvolvimento digna desse nome à escala da UE, o reforço da regulamentação das instituições financeiras, o combate às desigualdades e à pobreza, a auditoria das dívidas privada e pública.

Desde o momento da divulgação desta tomada de posição até hoje nenhum passo substancial foi dado nestas direcções. Pelo contrário, as reformas anunciadas ao nível da União Europeia apontam no sentido da consolidação da ortodoxia monetária e orçamental, da subordinação dos estados aos mercados financeiros, da insensibilidade às assimetrias sociais e territoriais no interior do espaço europeu e do aprofundamento do défice democrático da União. Isto é, continua a caminhar-se, exactamente, no sentido contrário ao desejável.

Entretanto, a crise das periferias aprofundou-se e Portugal viu-se envolvido na voragem dos resgates. O novo programa de austeridade e de “ajustamento estrutural” associado aos empréstimos do FEEF/FMI, orientado para a salvaguarda dos interesses do sector financeiro à custa dos rendimentos salariais e da prestação de serviços públicos de acesso universal, traduzir-se-á, a exemplo do que está a acontecer na Grécia e na Irlanda, em aumento do desemprego e da pobreza e em agravamento das desigualdades sociais e territoriais. Originando mais recessão, e não o crescimento que promete, poderá falhar na necessária consolidação orçamental e não reduzirá a dívida nem o fardo dos seus juros. Portugal sairá do novo programa mais debilitado e em piores condições para fazer face aos problemas colocados pelo aumento da dívida.

Agora, mais do que nunca, é necessário mobilizar o conhecimento económico e de outras ciências sociais para a invenção e proposta de soluções com futuro. Há perguntas que pedem uma resposta urgente.

Sabemos que não há lugar para uma conciliação entre medidas de austeridade violentas (exclusivamente orientadas para a consolidação orçamental e a redução da dívida externa no imediato) e crescimento capaz de equilibrar o orçamento e reduzir a dívida a prazo. Ao nível da UE há soluções possíveis (eurobonds, intervenção do BCE no mercado primário da dívida), mas parece não existirem condições políticas para as fazer vingar. Por isso mesmo, a reestruturação da dívida tem sido sugerida por quadrantes de opinião muito diversos como uma solução a encarar. Será uma reestruturação agora preferível a uma reestruturação tornada inevitável no futuro por uma recessão profunda e prolongada? Quais as implicações, benefícios e custos de uma tal reestruturação? Como deve ser concebida e negociada?

A manterem-se a actual arquitectura da zona euro e as respectivas orientações estratégicas, e mesmo que os problemas do défice e da dívida se resolvam de uma forma ou de outra, Portugal continuaria a ter de viver com uma moeda que é forte, como os sectores exportadores de tecnologia complexa desejam, mas que é demasiado forte para uma economia como a portuguesa. Essa é uma das causas do défice externo que Portugal viu crescer na década do euro. Mesmo com todo o investimento em ciência verificado nos últimos anos, Portugal não deu o salto tecnológico, económico e social necessário para competir no quadro da zona euro. Que espaço existe para Portugal na zona euro tal como ela existe? O que seria uma Eurozona com lugar para Portugal e outras economias periféricas? O que fazer se não for possível reformá-la?

A premência dos problemas do momento não pode fazer perder de vista os disfuncionamentos estruturais do actual modelo de desenvolvimento global e os dilemas a ele associados. A prioridade ao emprego e ao desendividamento a prazo aponta para a necessidade de crescimento. Este desiderato tem conflituado, não raro, com imperativos de sustentabilidade ambiental e coesão social. O “sucesso” das economias emergentes acentua os riscos de exaustão dos recursos e a pressão sobre o ambiente. Por outro lado, apesar da redução da pobreza para milhões de seres humanos verificada nos últimos anos naquelas economias, a distância entre os mais ricos e os mais pobres à escala mundial e no interior da maior parte dos países não cessa de aumentar. Como resolver o problema do emprego, do desendividamento e do desenvolvimento num quadro de reconhecimento das restrições ambientais e da necessidade de salvaguarda da coesão social?

Pelas perguntas que há em aberto e pela necessidade premente de encontrar soluções com futuro, os subscritores deste documento tomaram a iniciativa de promover a conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com Futuro”, que terá lugar a 30 de Setembro de 2011 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

A conferência pretende ser um momento de debate público de ideias que entretanto germinem nesta rede de reflexão.

O conhecimento económico que se encontra disperso na sociedade, que não é monopólio de académicos e muito menos que têm tido oportunidade de se pronunciar, deve ser neste momento mobilizado de forma operativa. Precisamos de uma economia com futuro.


28 de Abril de 2011

01 abril 2011

A estratégia da aranha, os mercados financeiros, as agências de rating e o mais que se verá

Já viram o que é que faz a aranha quando as moscas andam por perto e se deixam apanhar pela teia? Salta-lhes em cima e suga-as até que reste, apenas, o revestimento exterior. Mesmo que não gostemos das moscas, este espectáculo é, mesmo assim, cruel. No entanto, vale a pena observar este comportamento da natureza, porque observá-la nos permite aprender muito sobre os comportamentos humanos e suas instituições.

O que faz a aranha? Começa por construir a teia e depois de ela estar terminada, recolhe-se a um esconderijo e aí espera que as moscas distraídas aterrem na teia, onde permanecerão presas sem qualquer possibilidade de se libertarem, pois quanto mais se mexem, mas presas ficam. É nesse momento que a aranha sai, a grande velocidade, do esconderijo, se precipita com o seu aguilhão sobre a mosca e lhe suga tudo o que possa existir dentro da sua carapaça.

Há, contudo, uma situação em que a mosca consegue evitar a prisão da teia. Consiste, apenas, em não se deixar prender por ela e isso é possível. Nas madrugadas húmidas, os nós da teia ganham gotículas que, com os raios de sol, ao nascer da aurora, tornam a teia mais visível e, por isso, menos capaz de captar moscas.

A estratégia da aranha só é aqui invocada para que compreendamos, melhor, a estratégia dos designados “mercados” financeiros, face à mosca que somos nós, Portugal. A postura dos mercados financeiros, hoje, perante Portugal é muito semelhante à da aranha: estão dispostos a sugar-nos até ao tutano e, como nos já deixamos enredar pela sua teia é, agora, difícil dela nos libertarmos. Vejamos alguns detalhes do seu comportamento.

Comecemos por observar como funcionam os mercados. Todos conhecemos o que acontece nos mercados de rua, com compradores, de um lado e vendedores, do outro. São muitos compradores e muitos vendedores. Embora uns queiram comprar e outros vender, ninguém é obrigado a fazê-lo. “Marralhando” de um lado e do outro, chega-se, em geral, à fixação de um preço que todos consideram razoável. Se não chegarem a acordo, cada um vai à sua vida. Isto acontece, porque compradores e vendedores são muitos (nos mercados perfeitos, uns e outros seriam em número infinito).

É verdade que nos mercados perfeitos se exige o preenchimento de outras condições, como por ex. a transparência da informação, a idêntica dimensão dos agentes, a homogeneidade dos produtos transaccionados e o livre acesso aos mercados. No entanto, basta que não se verifique um destes pressupostos para que as características dos mercados sejam outras (concorrência imperfeita) e que sejam, também, outras as regras de comportamento a que devem obedecer. Se os mercados forem de concorrência imperfeita, como o são sempre (porque os perfeitos são uma mistificação que só serve como esquema de raciocínio), querer aplicar-lhes as regras dos mercados de concorrência perfeita é um completo embuste. Apesar disso, é corrente a ideia de que os mercados, mesmo que não sejam os perfeitos, se adoptarem as suas regras, produzem, sempre boas decisões o que, teoricamente, é totalmente falso.

Para que servem, aqui, estas divagações? Para mostrar que os “mercados financeiros” podem ser mercados, mas são mercados em que uns são aranhas e outros, moscas. Nestes “mercados” estão presentes, também, uns outros personagens designados por “agências de rating”. Surgem perante a opinião pública menos prevenida, como uma espécie de agentes clarificadores da situação dos mercados (reguladores). Os pontos de vista que explicitam aparecem como inquestionáveis. No entanto, só são inquestionáveis para quem se deixou cair na teia da aranha, que elas ajudaram a construir.

Temos ouvido falar muito da Standard & Poors, da Fitch e da Moody’s. De onde vêm tais instituições? Foram criadas para prestar serviços de análise e aconselhamento sobre a sustentabilidade dos projectos em que os investidores poderão vir a realizar aplicações financeiras. A Standard & Poors, por ex., surgiu em meados do Séc. XIX, para ajuizar da razoabilidade de aplicações financeiras na construção de caminhos-de-ferro nos EUA. Não são, por isso, nos mercados, organizações independentes.

Foi assim no passado e é sensivelmente a mesma coisa hoje, com um pormenor que importa referir: baixou a rentabilidade dos investimentos na economia real (fim de ciclo do fluxo de inovações) e os “mercados” passaram a privilegiar as aplicações financeiras. Como há muito maior desigualdade entre quem precisa de financiamento e quem o oferece, a aranha faz o que tem de fazer: suga a mosca.

Para isso, recorre a todos os estratagemas. Já repararam que trabalhando as agências para quem tem o dinheiro (especuladores, particulares, Fundos, governos ou suas instituições), os serviços por elas prestados serão tanto mais apreciados, quanto maior for a remuneração dos capitais que os seus pareceres provocarem. É muito difícil consegui-lo? Nada mais fácil: basta baixar o rating, e quanto maior for a baixa, maior será o retorno. Não podemos, por isso, surpreender-nos com o sucessivo anúncio de baixas de rating da República e, também agora, das suas empresas e, imagine-se, dos seus territórios (o concelho de Cascais viu baixar o seu rating”).

Ainda poderá haver quem se interrogue porque é que estas agências anunciam que se o país não recorre aos Fundos (FMI e Fundo Europeu de Estabilização), o rating cairá ainda mais, como que empurrando o país para esses Fundos. Poderia parecer que tal não serve os interesses dos detentores de meios de financiamento. É falso, porque estando à vista o recurso aos Fundos, mas demorando ainda algum tempo a concretizar-se, enquanto tal não acontecer, a nova baixa do rating permite que a remuneração do capital continue a aumentar.

Não é fácil sairmos da teia em que nos deixamos cair. Na situação a que chegamos, não restam muitas alternativas: ou se recorre aos Fundos; ou se estabelecem alianças entre s países mais afectados com vista a modificar os critérios do PEC; ou se faz a reestruturação e o resgate da dívida; ou se sai do Euro. Imediatamente, qualquer das opções será muito dolorosa, mas nem todas têm as mesmas virtualidades futuras.

Porventura, o único caminho viável será o de, como a mosca, apenas voar quando surgir a “nova aurora” e virmos melhor onde está a teia dos mercados financeiros, para a sabermos evitar. Como na estratégia da aranha, ela pouco faria se as moscas soubessem evitar cair na teia!

E, o que mais se verá? Provavelmente que a aranha vai ver se apanha outro na teia, talvez a Espanha.

Atenção que, apesar de hoje ser o dia 1 de Abril, nada disto é mentira!

17 março 2011

A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento


A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento (na Universidade de Coimbra, pela sua Faculdade de Economia) que foi a de Amartya Sen, a generalidade das televisões silenciaram-na e a única que a ela se referiu entendeu que, naquele contexto, o mais importante de que importava falar, era a situação na Líbia. A peça, transmitida no passado dia 13, à hora dos telejornais começou assim: ”O Alto-comissário para os refugiados das Nações Unidas pede ajuda urgente e eficaz para os líbios. António Guterres apela ao fim do massacre . . . Declarações feitas em Coimbra à margem de uma cerimonia de doutoramento”.

O que se estava a passar na Líbia, no fim da semana passada e, infelizmente, hoje, não pode deixar de nos provocar e mobilizar para o combate à carnificina promovida por uma ditadura que, com armas pesadas, não hesita em aniquilar o seu povo. Por isso, é importante que se fale da situação da Líbia, a propósito da Líbia, e não à margem de uma cerimónia de doutoramento.

Mas era igualmente importante que à margem, e de preferência sem ser à margem, se falasse da Cerimónia de Doutoramento “Honoris Causa” do Prof. Amartya Sen. Porventura o jornalista, ou quem montou a peça, não soubesse o significado de uma cerimónia de doutoramento “honoris causa” e, muito menos, quem seria o doutorado, mas se o não sabia tinha obrigação de se informar ao que ia. Bem sei que o argumento do ”critério do interesse jornalístico” serve para justificar o comportamento adoptado e muito mais, mas tal não significa que o critério dos cidadãos se deva com isso conformar.

E, então, de quem é que estamos a falar? Amartya Sen é, certamente, um dos mais eminentes humanistas e cientistas da economia do Séc. XX e veremos se não o será, também, do séc. XXI. Pode dizer-se que é, por excelência, o académico brilhante, comprometido com o Mundo.

Amartya Sen foi prémio Nobel da Economia em 1998 mas, mais importante do que isso (o que já é suficientemente importante) são as razões que levaram à atribuição do prémio. Sen é na Academia quem, pelo seu pensamento e contribuições científicas, mais fez para a compreensão da pobreza, das desigualdades, do emprego e das consequências da sua existência para o exercício dos direitos humanos, da liberdade e da justiça.

Todas as suas obras constituem um marco, no avanço da ciência económica mas, também, para o desenvolvimento do progresso humano. Porventura, a sua obra mais notável, na sequência da de Arrow (Social Choice and Individual Values), tenha sido Collective Choice and Social Welfare onde, inequivocamente, demonstrou que, numa economia que procura respeitar as diversidades e preferências individuais, o bem-estar não poderá ser obtido sem a intervenção de um soberano económico, que fixe qual deve ser a função de preferência colectiva que deve ser prosseguida. Isto é, os mercados não se auto regulam. Para poderem ter um papel útil necessitam da intervenção da “política”.

O hoje tão popularizado “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH) tem a sua origem nos trabalhos por ele promovidos no início dos anos 90 e, mesmo que, hoje, lhe possam ser apontadas insuficiências, constituiu e constitui um critério para que ainda se não encontrou substituto, com vista a avaliar o progresso humano, nos diferentes países e que tem vindo a ser usado, sistematicamente, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no seu Relatório Anual.

Sen demonstrou-nos e demonstra-nos que a ciência económica não é uma tecnocracia e que ela só tem sentido se existir para dar resposta aos problemas das pessoas, todas as pessoas e não apenas de algumas pessoas. Tal só é possível num mundo que tenha a ética e a solidariedade como valores orientadores e não como valores subordinados. A vida e a obra de Sen projectam-se sobre o conjunto da humanidade, com uma preocupação permanente de realizar sociedades mais justas e eficientes.

Vale a pena incitar à leitura e reflexão de dois dos seus trabalhos mais recentes: On Ethics and Economics e A Ideia de Justiça (acabado de ser publicado em português).