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12 janeiro 2014

Depois do bombardeamento e da destruição dos mercados, o que é que vem a seguir?

Por várias vezes, e em outros posts, tenho glosado esta questão dos mercados e da sua desorganização. Apesar disso, a grande euforia que, no fim da semana passada, invadiu os meios de comunicação social e até os comentadores de política económica mais improváveis, obrigam-me a voltar ao assunto. O mote é o anunciado “grande sucesso do regresso aos mercados e a consequente abertura das portas de esperança, para o crescimento, para o emprego, para a situação social, etc., que tal significa”.
 
A demonstração de que, afinal, os sacrifícios valeram a pena parece evidente. Mais, dizem-nos que os sacrifícios poderão ter que continuar para não perdermos a credibilidade e a confiança entretanto adquiridas junto dos mercados financeiros internacionais. Os últimos sinais dados pelo comportamento do crescimento, do emprego, das exportações, do consumo, etc., só o podem comprovar.
 
E nós, que para aqui andámos a procurar demonstrar que a austeridade só trazia malefícios, com que cara é que ficamos? Dirão alguns, mais simpáticos, “metam o rabinho entre as pernas e não digam mais asneiras, porque afinal eles sempre tinham razão!”.
 
É para dizer que eles continuam a não ter razão que aqui estou a escrever.
 
Começo pelo, apresentado como  “arrasador”, regresso aos mercados. Não se trata senão de um embuste. Não se verificou qualquer regresso aos mercados e ainda por cima dito no plural. Concedo que se poderá falar não de uma ida aos mercados, mas de uma ida ao mercado de capitais. No entanto, para que os seguranças nos deixassem passar pela porta de entrada do mercado, quantas portagens não foi necessário pagar pelo caminho! E bem nos foram dizendo que as portagens são para manter em futuros regressos, embora se possa vir a fazer algum descontosinho! Fomos meninos bem comportados capazes, até, de conquistar a confiança e a simpatia do monstro.
 
Contudo, não deixa de permanecer a questão: era mesmo preciso comportarmo-nos como betinhos face aos donos do dinheiro, ou um outro caminho teria sido possível?
 
Claro que não era preciso e outros caminhos, menos gravosos, teriam sido possíveis.
 
Em economia não há normativos únicos, porque cada um decorre dos pressupostos ideológicos que lhe estão subjacentes e estes são muitos. Para mostrar que outros caminhos eram possíveis socorro-me de um enquadramento que os economistas bem conhecem e que é o do “equilíbrio geral de mercados”. Reconheço que algum suporte de natureza liberal lhe está subjacente, porque admite que o funcionamento dos mercados se tende a ajustar de modo a gerar um equilíbrio geral dos mercados. Pode e deve colocar-se a questão de saber se é possível obter um equilíbrio geral sem a intervenção de agentes (Estado), que lhe são exteriores.
 
Todos sabemos que não. Mas isso não impede a teoria de nos dizer que não poderemos ter um equilíbrio para o conjunto da economia se algum dos mercados (de capitais, mas também do emprego, da inovação, da saúde, da educação, do consumo, das exportações, etc.) estiver em desequilíbrio. Mais, como os mercados são interdependentes, o equilíbrio de um mercado tem de se fazer com o equilíbrio dos restantes, e não à sua custa.
 
Quer dizer, evidentemente que temos um problema financeiro, mas também temos um problema com o emprego, com o consumo, com a educação, etc. De pouco ou nada valerá resolver o problema de um dos mercados se os outros continuarem por resolver. Se assim acontecer o que se vai passar é que o equilíbrio de um dos mercados se faz à custa dos outros. E foi o que se passou entre nós. Criámos condições para ir ao mercado financeiro, mas o que não tivemos de pagar para lá chegar! Foram inúmeras as portagens que desembolsámos e a última, de não pouca importância, foi a do pagamento, ou promessa de pagamento, de uma taxa de juro de 4,6%, para uma colocação de dívida a 5 anos. É a mais baixa desde há muito tempo mas, mesmo assim, incomportável.
 
Olhamos à volta e o que vemos? Uma paisagem de destruição. Todos os mercados foram destruídos. Todos não, houve um que sobreviveu, dir-se-ia, por milagre; foi o mercado financeiro. Agora há que passar à fase da reconstrução de todos os outros; pouco a pouco, mais uns que outros, eles vão começar a levantar-se. Pois, se até depois do lançamento da bomba de Hiroshima foi possível ver aparecer pequenas flores nos terrenos bombardeados! Só que isso não se deveu às virtualidades da bomba, mas à riqueza e capacidade imensa da mãe terra e bem teria sido possível evitar as destruições da bomba.
 
Não nos surpreendamos, por isso, que depois de bombardeados, também os outros mercados comecem a renascer, mas quanto sofrimento, quanta morte, não foi necessária para que tal acontecesse? O renascimento vai continuar a fazer-se, mas com dor, porque os que gizam o funcionamento do mercado financeiro (e com isso continuam a sua imparável dinâmica de extorsão dos nossos recursos) assim o determinam.
 
Não teria sido possível fazer um outro caminho? Claro que sim mas, mais uma vez, para que tal acontecesse seria necessário que o mercado financeiro não vivesse à custa dos outros, mas com os outros. Ele não apenas gerou a crise como, também, fez dos malfeitores os heróis da fita.
 
E a história vai ter que continuar assim? Evidentemente que não, mas para isso será preciso fazer-lhes a barragem, por ex., denunciando e impedindo que aqueles que ajudaram a vender o país (privatizações) não sejam recebidos com palmas no palácio dos malfeitores (Goldman Sachs).
 
Um comentário final para reinterpretar o que para aí se tem andado a dizer sobre a possibilidade de um programa cautelar. E se em vez da ideia de um seguro, de uma almofada de conforto, olhássemos para ele antes, como, um instrumento de que os donos do dinheiro (neste caso a UE) se socorrem para, agora, ainda por cima sem arriscarem financiamentos, continuarem a limitar a nossa soberania, dando instruções, fazendo visitas inspetivas (que pagamos), etc.?
 
E se aprendêssemos alguma coisa com o Asterix?

07 outubro 2013

Um indispensável passeio pelos mercados

Sobre as virtualidades e as insuficiências dos mercados já aqui tenho escrito em outras ocasiões, mas a insistência em que se continua a pisar este terreno pantanoso justifica que volte ao assunto.
 
A ida aos mercados é uma decisão inevitável a quem quer comprar e vender bens e serviços, até de ordem política. Os mercados organizam-se de modo a que aí possam ser transacionados vários tipos de bens e serviços. Em tempo de eleições, os mercados servem, inclusivamente, para transmitir mensagens de índole política. Acabamos de viver uma época eleitoral e não foram poucos os políticos que “regressaram aos mercados” à procura de apoio.
 
A eficiência dos mercados para transacionar bens e serviços é reconhecida desde os tempos em que nem sequer existia o dinheiro e, por isso, as transações se faziam de mercadoria ou serviço, contra mercadoria ou serviço.
 
Quem não vai aos mercados é porque não tem nada para comprar, ou para vender, e se coloca, por isso, em situação de marginalização numa sociedade organizada que procura, pela concorrência nos mercados,  aumentar o nível de eficiência coletivo do seu funcionamento.
 
Se tudo isto fosse exatamente assim mais não nos restaria do que dizer: “vamos todos a correr para todos os mercados”.
 
Desde que a troika cá entrou não temos ouvido falar de outra coisa que não seja a necessidade de “regresso aos mercados”. O regresso aos mercados assume o lugar do bezerro de ouro que justifica que tudo lhe seja sacrificado. As portuguesas e os portugueses sabem-no bem. Dizem-lhes que para que o bezerro não se transforme em bicho feroz, que tudo devorará, sem olhar a quem e ao como, se devem submeter às mais torpes manobras de extorsão.
 
Quando nos referimos à ida aos mercados importa saber qual é o programa da viagem, ou seja, quais são e ao que vamos. Disse, acima, que um mercado é o local onde se transacionam bens e serviços. De que bens e serviços se trata?
 
São os bens e serviços para consumo final e são os bens e serviços para consumo intermédio, isto é, bens e serviços que depois de transacionados vão ser transformados pelas empresas ou outras instituições. Há, assim, uma infinidade de mercados. Nas últimas décadas temos, no entanto, vindo a ouvir falar, cada vez com maior insistência, de um mercado de que, antes, não se falava, ou falava pouco: o mercado financeiro.
 
O mercado financeiro é o mercado em que se transaciona dinheiro (moeda). Foram criadas condições para que a moeda fosse tornada equivalente a uma mercadoria. Ora, antes, a moeda não era uma mercadoria; era apenas um intermediário das transações, uma unidade de conta (referência para poder contar) ou uma reserva de valor (aforro). Quer dizer, com o dinheiro passou-se a poder ganhar dinheiro!
 
Ora, os mercados só podem (embora haja outras condições a verificar) trazer eficiência ao funcionamento da economia, se agirem de forma interdependente. Não tem sentido prosseguir os objetivos do funcionamento eficiente do mercado financeiro se não existir igual preocupação com o funcionamento dos outros mercados, o da mão-de-obra, por ex. A haver equilíbrio num mercado ele só é um valor acrescentado para a economia se, simultaneamente, se verificar equilíbrio nos outros mercados (equilíbrio geral).  Caso não funcionem, não tem sentido estar a falar de equilíbrio. 
 
De que é que temos ouvido falar quando, a propósito da dívida pública, o Governo, a troika, o Sr. Presidente da Comissão Europeia, a Sr.ª Merkel e tantos outros, apelam ao regresso aos mercados? Não é do regresso aos mercados que eles falam, mas do regresso ao mercado financeiro (de capitais).
 
Mas haverá mesmo regresso aos mercados financeiros? Não há; quando muito, caso a operação pudesse ser bem-sucedida, haveria regresso ao mercado financeiro (no singular). A distinção é justificada porque, de fato, em relação aos capitais financeiros e em razão da sua globalização não existem vários, mas um único mercado. O uso da forma plural apenas serve para mascarar a verdadeira raiz da questão.
 
Só que existindo uma preocupação com o funcionamento de, apenas, um dos mercados, o de capitais, então isso tem como consequência que todos os outros mercados lhe vão ficar subordinados, isto é, só funcionam e funcionam na medida em que isso servir os interesses dos mercados de capitais. Por isso, o regresso de que tanto se fala só acontecerá quando todos os outros mercados, estando-lhes subordinados, deixarem de cumprir o seu papel de espaço igualizador dos valores das transações.
 
Regressar aos mercados, neste quadro, só será possível quando estiverem destruídas todos os elementos que estruturam e identificam o ser português. O mercado financeiro só se encontrará saciado quando os custos do saque de recursos forem superiores aos benefícios deles retirados.
 
Assim, só é possível uma postura: a denúncia do saque e um rotundo virar de costas aos mercados, isto é, ao mercado financeiro. Os seus agentes, os de dentro e os de fora, não mostram qualquer saciedade ou falta de imaginação para criarem novas formas de continuação da extorsão. Fazer-lhes frente é o único caminho que lhes poderá provocar a diminuição da sua saciedade.
 
O regresso aos mercados surge como indispensável, desde que o objetivo signifique regresso a todos os mercados, o dos recursos, o dos bens e serviços finais e o financeiro. Não pode, por isso, haver regresso ao mercado financeiro se, simultaneamente não se verificar, entre outros, o regresso ao mercado da mão-de-obra.

02 junho 2013

É espantoso ! (um apontamento)

A semana que agora termina foi fértil em acontecimentos com importante significado político. Refiro-me, em particular, a duas conferências, ambas realizadas no passado dia 30: uma, que foi dinamizada pelo Dr. Mário Soares e teve lugar na Aula Magna da Reitoria da Aula Magna da Universidade de Lisboa, intitulada “Libertar Portugal da austeridade” (ver aqui e aqui) e a outra, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), para apresentar e discutir um importante estudo com o título “25 Anos de Portugal Europeu” (ver aqui).
 
Vem este apontamento a propósito de um episódio verificado durante as intervenções havidas durante a Conferência da iniciativa da FFMS. Um dos convidados a realizar uma intervenção foi o Prof. Elísio Estanque, que comentou o estudo, destacando três pontos: o dinamismo da realidade económica; os aspetos relevantes para um projeto de desenvolvimento e modernização do país (educação, inovação, investigação e desenvolvimento) e, o trabalho e a atividade produtiva.
Durante o seu comentário o Prof. Elísio Estanque teve o cuidado de explicitar o enquadramento político da intervenção, bem como os pressupostos políticos de cada um dos pontos abordados.
Durante o período de debate, um participante entendeu pôr algumas questões aos vários intervenientes e, simultaneamente, explicitar que passava por cima da intervenção do Prof. Elísio Estanque, porque ela era politicamente “marcada”.
É este o meu ponto (como parece que agora se deve dizer), que quero comentar. Em discussões deste tipo há quem faça a distinção entre intervenções de cariz essencialmente técnico e intervenções de cariz predominantemente político, para daí retirar a ilação de que as intervenções de cariz predominantemente político não têm relevância, porque lhes falta o suporte técnico que as permitiria fundamentar.
Trata-se de uma ilação que é um completo “non-sens”, uma vez que todas as intervenções ditas técnicas, têm pressupostos políticos e ideológicos, independentemente de eles terem ou não sido explicitados.
Esta falta de explicitação é, a maioria das vezes, um propósito deliberado, mais parecendo que se atua como um lobo revestido com capa do arcanjo. É o que tem vindo a acontecer com a maioria dos estudos técnicos elaborados, por equipas competentíssimas (?), para fundamentar políticas, em geral de direita, e que têm subjacentes princípios de liberalismo económico. Naturalmente que estes comentários nada têm a ver com o estudo dos “25 Anos do Portugal Europeu”. Inversamente, uma decisão política só tem sustentabilidade se puder ou tiver sido tecnicamente fundamentada.
Os apontamentos anteriores não podem deixar de colocar a questão de saber qual é o papel da técnica, na política. Qualquer estudo técnico tem, como se disse anteriormente, pressupostos de natureza ideológica, ou política. O estudo tem como objetivo fundamentar decisões que devam, ou não devam, vir a ser tomadas. No entanto, o estudo só é útil para o decisor, se os seus resultados forem capazes de explicitar cenários alternativos, sobre os quais, tendo em conta um juízo de oportunidade, os políticos decidem, escolhendo o que consideram mais ajustado para o benefício dos seus representados. Este juízo de oportunidade é uma prerrogativa dos políticos. Os técnicos, não podem invocar o rigor dos seus estudos para justificarem uma opção política.
Assim, é tão lamentável que se diga que um estudo está imbuído de pressupostos ideológicos, na tentativa de o desvalorizar, como que se afirme que é politicamente neutro, com o propósito de lhe dar maior credibilidade. Inversamente, são pouco credíveis as opções políticas que não sejam capazes de demonstrar a sua viabilidade ou sustentabilidade técnica.
Mostra-se, deste modo, que a técnica e a política são complementares, embora a primeira deva estar subordinada aos ditames da segunda.

04 dezembro 2012

A Economia de Quadro Preto não Serve


A recente negociação acerca da dívida grega abriu o caminho para que soluções similares fossem disponibilizadas a outros países da zona euro com problemas da mesma natureza, ainda que não da mesma gravidade. Seria uma estratégia sensata e justa.

Mas, em vez disso, o que vemos é uma cacofonia desconcertante, sintoma, mais um, da desorientação que reina entre os decisores políticos, europeus e nacionais, que não querem reconhecer que os seus elegantes modelos económicos não servem.

Falham nos diagnósticos, porque fazem fé em meros dados estatísticos, ignorando a história, a cultura, as percepções dos sujeitos económicos.

Falham nas previsões, porque não têm em conta os imponderáveis da vida, as inter-relações e complexidades do mundo real e a dinâmica dos interesses em presença.

E, o que mais grave é, não alcançam os resultados que se propõem, concorrendo para o aprofundamento das crises que pretendem debelar com as dramáticas consequências económicas, pessoais e sociais que conhecemos.

Felizmente que se erguem cada vez mais vozes autorizadas denunciando a "economia do quadro preto”, como é justamente referido num artigo de Brendam Greeley publicado há dias (29 Novembro) na Bloomberg Business Review referenciando entre outros, dois prémios Nobel da Economia, Ronald Coase e Christopher Sims, ambos questionando uma ciência económica que flutua no ar e que pouca relação tem com o que acontece no mundo real.

25 setembro 2012

Uma entrevista de leitura obrigatória

Numa entrevista concedida no dia 22 deste mês pelo economista João Ferreira do Amaral ao jornal i on line são apresentados argumentos para demonstrar os erros subjacentes ao programa de ajustamento da troika, desde os pressupostos em que assenta, aos objectivos conflituantes que defende (a redução do défice externo e do défice público), bem como as suas consequências desastrosas.

Para além disso, João Ferreira do Amaral explicita algumas medidas que entende necessárias, entre as que seriam menos gravosas, para substituir a descida da TSU, demonstrando como esta, ao contrário da desvalorização cambial de 1983 (agora impossível), não aumentaria significativamente a competitividade da economia portuguesa e faria recair todo o impacto do ajustamento sobre os salários e, penalisando a procura interna, não permitiria resolver a questão do emprego. O agravamento do IRS, no seu entender, será uma medida mais defensável por ter caracter progressivo.

Sublinhamos aqui, apenas, algumas das questões abordadas na entrevista:

a) a defesa de um ajustamento gradual da estrutura produtiva através do apoio aos sectores de bens transaccionáveis, pois é errada a terapia de choque que está em curso;

b) o erro de se considerar que o peso do sector público em Portugal é muito elevado quando ele é inferior à média comunitária, quer na despesa total, quer no tipo de despesa, incluindo com pessoal;

c) os cortes na despesa pública envolvendo a área social, como poderão constar do O.E. para 2013, iriam penalisar as pessoas e causar regressão em termos sociais;

d) a fuga aos impostos é inadmissível, o nível da economia paralela é muito elevado em Portugal, atinge 25% e afecta a credibilidade do país. Devia ser combatida para evitar as necessidades de cortes nas despesas sociais;

e) é também questionada a credibilidade das instituições internacionais que compõem a troika, com destaque para a Comissão Europeia, na medida em que esta patrocina programas de ajustamento que vão contra os objectivos da União Europeia, o que deveria merecer a atenção do Parlamento Europeu;

f) é necessário repensar o futuro da zona euro para além do objectivo de estabilização imediata visto que o euro não permite um desenvolvimento da União, onde coexistem interesses divergentes.

São estas questões muito sérias que só podem ser ultrapassadas com uma análise rigorosa das especificidades da economia portuguesa e das condicionantes externas, da qual deveria resultar claro o sentido, a utilidade e a equidade de sacrificios adicionais, pois é certo que mesmo um programa de ajustamento gradual, como defende João Ferreira do Amaral, não os evitará.

No ponto a que chegamos, de destruição do tecido económico e de perda da coesão social, é urgente travar o caminho errado do programa da troika e da interpretação que dele tem feito o governo actual.

É tempo, também, de procurar sair deste colete de forças em que se transformou o cumprimento cego de um programa imposto por instâncias internacionais – acrescendo a pretensão de ultrapassá-lo por razões ideológicas – buscando alianças com outros parceiros europeus, conduzindo o esforço colectivo a desígnios economicamente mais razoáveis, demovendo, para tal, visões estreitas e paroquiais de alguns dos nossos parceiros, justamente aqueles que mais beneficiaram do status quo ante.

O próximo Orçamento de Estado será, no imediato, uma ocasião para concretizar uma outra política que lance as bases de um futuro pelo qual vale a pena lutar.

03 julho 2012

O “misticismo” à volta dos modelos económicos

Uma das facetas da crise é que, à medida que se sucedem tentativas para a debelar, cresce a sensação de que são ineficazes os remédios que vão sendo tentados, como se estivesse em marcha uma doença desconhecida: “um caso interessante”, poderia dizer um médico que talvez visse ali matéria para um projecto de investigação.

Para os economistas o desafio é enorme: perante a inoperância das teorias em que foram formados, qual o caminho certo? Tentar alguns ajustamentos para corrigir a trajectória - e, assim, domar a crise - será para muitos o mais apelativo, pois tal lhes permite manter o conforto dado pelos conhecimentos adquiridos, mesmo quando a realidade lhes diz que estes são errados ou incompletos. Seriam então como um médico preguiçoso que se limitasse a usar remédios sem efeito terapêutico numa doença desconhecida.

E, depois, têm os modelos matemáticos, essa maravilha que ao longo das últimas décadas tem alimentado a ilusão de que tudo podem prever…até que os factos vêm demonstrar como são simplificadores em extremo.

De facto, a constatação recorrente de grandes desvios entre as previsões e os dados reais deveria levar a questionar o uso (e abuso) dos modelos económicos que assumem hipóteses de comportamento como se fossem infalivelmente verificadas .

É muito curiosa a expressão “ misticismo” aplicada aos modelos por James K. Galbraith que os define de duas formas: “ (1) modelos que utilizam conceitos sem significado operacional - abstracções que nunca serão observadas nem medidas - e (2) modelos que enquadram (mal) problemas de forma a conduzir a conclusões de política extremas e nâo razoáveis”.

A falta de preparação em História Económica e em História do Pensamento Económico é um problema sério nos Estados Unidos, acrescenta Galbraith, citado por Brendan Greeley, em Bloomberg Business Week on-line de 1 de junho 2012.

Trata-se de uma questão da maior actualidade e de âmbito mundial, que deveria obrigar a pôr em causa a forma como têm sido conduzidas as políticas anti - crise e também o tipo de ensino de Economia ministrado nas universidades, o qual parece estar ainda refém de conceitos ultrapassados.

De facto, seria bom ter consciencia das limitações do uso dos modelos matemáticos e aceitar, com humildade, que eles nunca podem explicar a complexidade da vida económica.

Por outro lado, há que reconhecer a não neutralidade da forma como se olham as questões da Economia, sendo certo que esta deve estar sempre ao serviço do bem estar das pessoas: as políticas económicas, em particular neste tempo de crise, carecem de revisão profunda, sendo urgente rever o quadro conceptual hegemónico em que se têm inspirado.

O que se espera dos economistas é que não sigam o caminho fácil de confiar cegamente em modelos para formular soluções para a crise e se lancem, antes, num trabalho sério de investigação, procurando chegar a formulações credíveis de políticas económicas alternativas, sem o dogmatismo que tem caracterizado o pensamento dominante.

Políticas alternativas que se espera possam, mais tarde ou mais cedo, influenciar os centros de poder.

07 junho 2012

O futuro da União Europeia, um debate urgente

Ao longo dos anos a União Europeia foi vista como um exemplo interessante de integração regional, com potencialidades para favorecer um tipo de globalização mais equitativa, dados os princípios políticos que a informavam, para além de que os países viam reforçada, dessa forma, a sua capacidade para ultrapassar os desafios, sociais e económicos, da globalização.

Assim o considerava, em 2004, o Relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, instituida pela OIT, preocupada com o acentuar de desigualdades na repartição das vantagens da globalização, o seu caracter volátil, a persistente pobreza e a má governação.

Como se veio a constatar, todos estes problemas se agudizaram e a UE não foi capaz de os ultrapassar, antes foi deixando caír os seus ideais solidários, enveredando pela via ultraliberal, com os resultados que se conhecem: os desequilibrios aprofundaram-se entre os estados-membros e no interior destes, o elevado desemprego persistiu em resultado de opções políticas que foram sendo adoptadas a nível comunitário e de cada país.

Em particular, a decisão de criar uma união monetária sem cuidar de avançar, paralelamente, no processo de integração politica, agravou sobremaneira os riscos de assimetria entre os estados-membros.

Depois, a crise desencadeada nos EUA, a partir de 2007, alastrou à Europa que não estava preparada para lhe fazer face.

É hoje – finalmente - reconhecido que a resposta da UE para enfrentar a crise, assentando fortemente na austeridade, tem sido insuficiente e mesmo errada, dando oportunidades a nefastas operações financeiras especulativas, provocando uma severa recessão económica quase geral e insuportáveis níveis de desemprego.

A opinião pública já não acredita nos apregoados resultados positivos das medidas de austeridade e os problemas não se circunscrevem aos chamados países periféricos, que alguns têm defendido que deveriam abandonar a Zona Euro e a UE.

Anuncia-se agora que o Conselho Europeu se vai ocupar, a 28 e 29 deste mês de Junho, a debater um plano para reestruturar profundamente a Zona Euro, concentrado no relançar do crescimento e não apenas na austeridade.

Reformas estruturais, união bancária, união orçamental e união politica serão os temas da agenda e envolvem mudanças nas instituições europeias, particularmente no BCE, bem como na atitude de alguns países, sobretudo na Alemanha e em França.

O debate sobre estas questões em Portugal tem sido manifestamente insuficiente, polarizado â volta do cumprimento das metas de contenção orçamental, e, mesmo assim, de forma pouco aprofundada.

Entretanto, outros países vão apresentando propostas que deviam ser entre nós analisadas e comentadas no sentido de avaliar do seu impacto potencial , para além das que se possam sugerir, por particularmente adequadas à solução dos problemas económicos e sociais específicos de Portugal.

Alguns exemplos de ideias propostas: um “grupo de sábios”, na Alemanha, propôs, como alternativa aos euro bonds que Merkel tem rejeitado, um “Fundo Europeu de Resgate” que assumiria, com responsabilidade solidária, a parte das dividas soberanas que excedesse 60% do PIB, com condições associadas à parcela remanescente; em Espanha, Mariano Rajoy, que recusou o programa de ajustamento tal como fora assinado pelo seu antecessor, apresentou a ideia de uma integração orçamental com uma autoridade orçamental e uma união bancária com eurobonds, com um supervisor bancário e com um fundo europeu de garantia de depósitos; também Mário Monti ,na Itália, defende a emissão de dívida pública conjunta (eurobonds). O BCE propôs a união bancária, incluindo supervisão, mecanismo comum de garantia de depósitos e um Fundo Europeu para resolução de crises.

Por muitas dúvidas que possam existir acerca da probabilidade de o Conselho Europeu chegar a conclusões e de as vir a por em prática, o ponto a que se chegou, com risco elevado para o futuro do Euro e da própria UE, justificaria uma grande mobilização das instituições que nos representam, do mundo académico e das organizações da sociedade civil, na procura das soluções mais ajustadas para o futuro de Portugal e da UE .