08 fevereiro 2013
Temporada Gulbenkian da Saúde
17 janeiro 2013
Crise e Políticas de Saúde
24 outubro 2012
O Orçamento de Estado e a saúde dos portugueses
04 agosto 2012
A Cidadania Europeia – promessas e ameaças
28 junho 2012
Por um Serviço Nacional de Saúde
Solidário e Eficiente
22 junho 2012
Relatório Primavera 2012 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde.
06 junho 2012
Serviço Nacional de Saúde - Outsourcing degradante
21 março 2012
humilhados
Logo rabisquei a lápis num papel as palavras: humilhação, indignidade, indignação. E também me lembrei do desafio que um ministro da saúde, médico ainda por cima, um dia fez ao parlamento: “quem quer saúde, pague-a!” (isto já foi há pouco mais de 30 anos, ainda não havia o SNS). E ocorreu-me ainda ir ver um apontamento onde está este cartaz visto numa manifestação em França em 2006 : “qui sème la misère, recolte la colère”.
Ora, ontem, ao abrir o jornal Público, deparei com uma magnífica reportagem, de 2 páginas, da jornalista Paula Torres de Carvalho que tem por título: “Longe do médico, sem dinheiro e sem transportes”. Destaco o parágrafo seguinte: “Longe do atendimento médico, sem dinheiro e sem transportes, assim vivem milhares de pessoas no interior do país.”
Há muitos humilhados no país: pobres, trabalhadores pobres, desempregados, precários, idosos em solidão, mulheres a aguentarem sozinhas a carga familiar e tantas vezes vítimas de violência, crianças sem carinho. Mas quando a humilhações destas se junta o não se poder tratar da saúde como deve ser, em resultado de políticas de cortes e mais cortes, é de esperar que se levante a indignação dos que as sofrem ou a indignação dos que sentem que é injusto isto estar a acontecer.
É importante que se exerça o direito à indignação. Mas pelo menos tão importante é ter-se informação sobre as situações de vida e trabalho que fazem tantos sofrer e mais ainda sobre as soluções ou caminhos de solução para os problemas. Só assim se poderão redimir os humilhados. Revolta, mas organizada, o que é difícil que aconteça, se for só revolta.
20 janeiro 2012
Eu bem me parecia . . .
Para o ilustrar vejamos, apenas, dois exemplos.
No âmbito da Administração Fiscal e de Segurança Social previa-se que até Outubro de 2011, seriam adotadas reformas abrangentes, incluindo as seguintes (vide aqui, pág. 14):
i. estabelecimento de secções especializadas no âmbito dos tribunais fiscais, direcionados para o julgamento de casos de maior dimensão com a assistência de pessoal técnico especializado;
ii. redução do número de serviços locais em, pelo menos, 20% por ano em 2012 e 2013;
iii. aumentar os recursos destinados à inspeção na administração fiscal em pelo menos 30% do total dos respetivos trabalhadores, maioritariamente através de realocação interna de trabalhadores da administração fiscal e de outros serviços da administração pública.
Relativamente ao financiamento do sistema de Saúde ficou previsto rever e aumentar as taxas moderadoras do SNS através de (vide aqui, pág. 17):
i. uma revisão substancial das categorias de isenção atuais, incluindo uma aplicação mais rígida da condição de recursos, em colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
ii. aumento das taxas moderadoras em determinados serviços, assegurando que as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários são menores do que as aplicáveis a consultas de especialidade e episódios de urgência;
iii. legislar a indexação automática das taxas moderadoras do SNS à inflação.
A minha desconfiança era a de que a fixação deste grau de pormenor só teria sido possível se, cá dentro, a Troica tivesse encontrado alguém que lhe abrisse as portas dos armários. No entanto, essa desconfiança, ficou-se por aqui, já que não possuía outros elementos objetivos para poder ir mais além.
Eis senão quando, há uns dias, me confrontei, no blog "Elemento Absorvente" com um texto de de Alcides Santos, intitulado "Estamos a disparar ao lado" e que me parece interessante reproduzir:
A leitura do Memorando de Entendimento entre a Islândia e o FMI (ver aqui, assim como os documentos associados) causou-me estranheza. Trata-se simplesmente de um plano que descreve como se pretende devolver o dinheiro emprestado. Não há qualquer intervenção na segurança social, na saúde pública, no sistema de ensino, na obrigação de despedimentos em qualquer sector ou obrigação em venda de empresas do estado. Continuou a existir estado de bem-estar. Não se obriga nenhuma transformação radical da sociedade. No caso da Islândia, o FMI limitou-se a comportar-se como aquilo que é: um banco.
Parece ficar claro que o conteúdo do memorando depende daquilo que o governo em questão pretende fazer, mas não tem coragem para isso. Ou seja, quem da parte do governo português negociou o acordo pretendeu fazer uma transformação estrutural da sociedade portuguesa e culpar outros, que se limitam à sua condição de fornecedores. Por isso, a negociação foi secreta e depois de acordada deixa de ser questionada. E entende-se porque razão a troika se limita a exigir o contratualizado. Afinal, a sua missão é que o dinheiro seja devolvido.
Ficará a dúvida se a Tróica tem o mesmo comportamento que o FMI, e nesse caso se não poderíamos ter feito o empréstimo só com o FMI.
Mas do que não fica qualquer dúvida é que estar a culpar a Troica é exatamente aquilo que quem assinou o acordo e quem está agora no governo quer que nós façamos. E nós, obedientemente, fazemos-lhes a vontade.
Por favor, corrijam-me se estou errado.
Ou dito de outra maneira: a vinda da Troica até foi desejada, porque permitiu que se avançasse para medidas de política que cá dentro muitos desejavam, mas que não tinham coragem de revelar e assumir, por sua iniciativa.
Assim, quando alguma objeção é colocada, pode-se argumentar e tem-se argumentado que a culpa é da Troica e de que não podemos violar os compromissos assumidos.
Só que em matéria de compromissos não violados poucos serão os dias em que não há um que o não seja.
11 janeiro 2012
A saúde dos portugueses
( http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0019/150463/e95712.pdf)
Como seria de esperar, os constrangimentos da crise estiveram muito presentes naquela sessão que teve como tema: “ O sistema de saúde português: assegurar o futuro em tempos conturbados”.
É sempre reconfortante constatar, mais uma vez, que existe em Portugal um elevado nível de competências no domínio da saúde, capaz de servir de base a uma melhor utilização dos recursos, com melhor qualidade e mais equidade nos cuidados de saúde prestados às populações.
Anoto a seguir algumas das questões levantadas pelos intervenientes que, creio, serem da maior importância para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do sistema de saúde português onde o Serviço Nacional de Saúde é nuclear:
- É necessário que a condução da política de saúde tenha uma visão de médio e longo prazo, pois o que hoje é redução de gastos na saúde pode conduzir à necessidade de os aumentar no futuro;
- A atenção a dar às populações que potencialmente são mais afectadas com alguma alteração na oferta de cuidados de saúde, ou outras medidas, tanto mais que subsistem na população portuguesa assimetrias regionais e entre classes sociais;
- Uma maior atenção deve ser prestada aos resultados de diferentes políticas e medidas, em termos de indicadores de saúde, que devem ser contrapostos a argumentos de ordem puramente financeira;
- O acesso aos serviços de saúde está longe do desejável, em particular no tocante aos meios complementares de diagnóstico a que têm tido acesso preferencial os mais ricos;
- O crescimento de entidades privadas no sector da saúde em Portugal deu-se de forma desordenada e induz o crescimento das despesas do Estado. A esse sector deveriam, por outro lado, ser exigidos não só resultados administrativos mas também no tocante a recursos humanos utilizados e na área clínica;
- A regulação deve tornar-se mais interveniente e mais forte para responder à evolução do contexto, quer nacional, quer internacional, em particular no que se refere a normas comunitárias;
- Têm aumentado os co-pagamentos dos serviços de saúde e não é previsível como eles irão evoluir, sendo certo que a decisão de gastar é 100% pública mas cerca de um terço do pagamento já é privado;
- Existe margem para ganhos de eficiência na utilização dos recursos humanos disponíveis. Um exemplo é o das potencialidades de aproveitamento de profissionais de saúde não médicos em determinadas intervenções pois o sistema tem sido demasiado focado nos médicos;
- Políticas preventivas de certas patologias podem alcançar bons resultados, evitando mortes prematuras, tal como se constatou com o maior controlo do tabagismo.
Outras questões poderiam ser aqui acrescentadas, nomeadamente a reconhecida necessidade de completar a rede de cuidados primários, desenvolver os cuidados de longo prazo, estes ainda em fase de arranque no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, e redefinir a oferta hospitalar.
O que julgamos fundamental é que o objectivo de atingir patamares superiores de eficiência mobilize, de facto, todos os agentes relevantes e, para além disso, que não se sobreponha aquele objectivo ao de promover uma maior equidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade.
Acompanhar criticamente as políticas públicas neste domínio e a forma como se concretizam é um dever de cidadania.
28 dezembro 2011
O aumento das listas de espera nos hospitais públicos
Tecnicamente, os que não podem pagar têm direito a cuidados gratuitos, … mas a burocracia é um obstáculo.
Perante este estado de coisas, os governantes admitem a existência de alguns problemas mas dizem que o sistema era insustentável e podem fazer ajustamentos no próximo ano. Disse o Secretário-geral do Ministério da Saúde: “tivemos dois anos focados na questão financeira, agora vamos passar à avaliação”.
Sabemos bem que a situação da Grécia é, em muitos aspectos, diferente da portuguesa, nomeadamente não temos a corrupção na saúde que tem sido referida no caso grego.
Mas começam a tornar-se bem visíveis em Portugal, os resultados de uma politica essencialmente virada para a questão financeira, sem que se salvaguarde o acesso e a qualidade do SNS.
Um exemplo é o que se passa com o aumento dos tempos de espera para a realização de exames em hospitais públicos, na sequência de normas que restringem o recurso a prestadores privados convencionados pelo Estado.
Sendo esta uma orientação que faz sentido para utilizar plenamente os meios disponíveis do SNS, já é incompreensível que não se tenham estudado formas de a concretizar sem prejudicar os doentes, que podem assim, em muitos casos, sofrer danos irreparáveis na sua saúde pela demora de exames médicos.
O que não se pode de todo aceitar, por desumano, é seguir, como na Grécia, a politica de contenção orçamental e só depois avaliar os resultados sobre a saúde das pessoas.
[1]
Fiscal Crisis Takes Toll on Health of Greeks por Suzanne Daley, The New York Times December 26, 2011
[Consultar aqui]
02 novembro 2011
Ir além da pseudo inevitabilidade económica
27 outubro 2011
“Preços e custos na Saúde”
Ao longo dos anos, várias têm sido as ideias apresentadas nesse sentido, mas sem que tenham sido capazes de se impor com a força necessária.
No Memorando de Entendimento encontram-se algumas dessas ideias, mas impõem-se cortes orçamentais excessivos e a concretizar no quase imediato. Em particular, os especialistas têm considerado impraticáveis e exagerados os cortes orçamentais nos medicamentos e nos hospitais, com risco para o acesso e a equidade.
Um estudo encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos à Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, veio dar um contributo muito valioso para que se consiga compatibilizar a redução de despesas na saúde com a equidade necessária.
Estão já disponíveis as principais conclusões deste estudo (Preços e custos na Saúde), que estará em discussão pública a partir de Janeiro de 2012, e o sumário preliminar encontra-se em www.ffms.pt
Entre as principais conclusões está a possibilidade de aumentar a eficiência e de realizar poupanças no SNS: “Estas poupanças poderão ser alcançadas sem diminuição dos benefícios (pode ler-se igualmente universalidade e acessibilidade) dos indivíduos e da sociedade e sem a necessidade de se introduzirem barreiras económicas. Para que tal seja possível, expectativas, atitudes a comportamentos devem ser alterados, tendo em vista a introdução de uma maior racionalidade, de melhor gestão e de melhoria de qualidade dos serviços prestados”.
Estas conclusões são válidas, tanto no que se refere aos cuidados de saúde primários, como nos hospitais, onde se impõe uma gestão mais eficiente e onde a economia de gastos pode atingir 804 milhões de euros, cerca de 10% dos custos totais do SNS, e ainda na politica dos medicamentos, onde a actuação necessária envolve preços, quantidades e a alteração do perfil da prescrição que não ponha em causa a qualidade. Mais uma vez se vê referida a questão da nossa baixa quota de medicamentos genéricos em comparação com os países europeus. Em todo o caso, as metas do Memorando de Entendimento são consideradas, neste capítulo, irrealistas.
Parece claro que as recomendações que culminam este profundo trabalho de investigação, a serem levadas à prática, significam um longo e exigente caminho a ser percorrido por todos os que são envolvidos no sector da saúde, assim haja capacidade de diálogo e abertura para soluções equilibradas que sirvam o bem comum.
De outra forma, teremos cortes cegos a anteceder as reformas, o que conduziria à degradação inevitável do nosso SNS de cobertura universal e tendencialmente gratuita, cujos resultados positivos são reconhecidos neste estudo.
15 outubro 2011
Critérios simplistas ameaçam Cuidados Continuados
É de prever que a procura destas unidades tenda a crescer se tivermos em atenção, quanto mais não seja, o envelhecimento da população portuguesa.
Existe alguma oferta privada destes cuidados, mas a capacidade financeira da generalidade das pessoas não a pode pagar pelo que é imperioso atribuir financiamento público suficiente ao sector não lucrativo e cuidar de que ele seja bem gerido.
Comparações entre os cuidados continuados e o TGV ou o novo Aeroporto de Lisboa, como apresentadas pelo Secretário de Estado Adjunto da Saúde, no contexto da discussão em torno das actuais dificuldades orçamentais, por muito importantes que estes investimentos sejam, parece bastante infeliz, pois estamos, no caso dos cuidados continuados, a tratar de questões que se prendem com a dignidade humana.
Assegurar o futuro do Serviço Nacional de Saúde, onde a Rede de Cuidados Continuados se insere, é um desafio que não pode ser negado, mas a questão financeira não é, certamente, o único critério a ser tido em conta.
Veja aqui uma reflexão do Grupo de Trabalho Economia e Sociedade sobre o Serviço Nacional de Saúde.
11 setembro 2011
As receitas e as despesas do Estado face aos caminhos e ao estacionamento do dinheiro
Muito se tem falado de aumento de receitas e de diminuição de despesas, como estratégias para resolver o deficit das contas públicas. Embora nem sempre se compreenda exactamente o significado das medidas de política que têm vindo a ser adoptadas, é sentimento generalizado de que o país está a ficar sem esperança e que essas medidas têm tido como consequência o que se pode designar como uma guerra, com várias batalhas, cujo objectivo desejado, ou não, é o de expropriar o bem-estar dos mais pobres a favor do muito mais que bem-estar possuem os mais ricos.
Apesar do que se sente é, para o comum dos cidadãos, pouco claro o que poderiam ser alternativas a adoptar. Vou tentar aqui trazer algumas explicações que creio poderem contribuir para aquela compreensão.
A existência de um Estado supõe que exerce funções, em benefício dos cidadãos, que eles não poderiam obter agindo cada um de forma individual. Acontece que, se em relação algumas dessas funções ninguém põe em causa que seja o Estado a exercê-las (negócios estrangeiros, defesa, segurança colectiva) já, em relação a outras, o consenso nem sempre é tão pacífico (saúde, educação, desporto, cultura).
A dificuldade de consenso decorre da circunstância de que os cidadãos, ou grupos de cidadãos, dados os rendimentos, a riqueza e os rendimentos de que dispõem, não valorizam do mesmo modo os benefícios que retiram do exercício daquelas funções. Essa valorização pressupõe uma avaliação que não é técnica, mas política e varia no tempo e no espaço.
Um exemplo da variabilidade no tempo pode ser encontrado, por ex., na forma como eram disponibilizados os serviços de música de qualidade, no séc. XVIII e como o são hoje. Trata-se de serviços que, no passado eram usufruídos de forma privada. Quem não tem presente os grandes concertos e recitais dados na corte ou nos palácios do grandes senhores e os apoios que davam aos grandes compositores? A maioria do povo não participava nestes eventos e se alguma excepção existia era através da música sacra acessível nas igrejas. Para que também estes pudessem aceder a esses benefícios, os grandes concertos, óperas e outros eventos passaram a considerar-se, como devendo ser fornecidos ou financiados pelo Estado. O mesmo se pode dizer acerca dos jardins públicos, da distribuição de água, do saneamento, etc.
A variabilidade no espaço é, também, patente na forma como são organizados os serviços de transporte em metro na grande maioria dos países ocidentais e por ex., no Japão. Em Tóquio existem várias linhas de metro objecto de exploração por empresas privadas. Também, as Câmaras Municipais do Alentejo não encaram o exercício das suas funções, do mesmo modo que as do Norte do País.
Aos bens e serviços que o Estado produz ou disponibiliza os economistas designam por “bens e serviços públicos”. Uns e outros não podem beneficiar exclusivamente (princípio da não exclusividade) um indivíduo e nenhum indivíduo prejudica outro pelo facto de consumir mais ou menos do bem ou serviço (princípio da não rivalidade). Para além disso, são indivisíveis (princípio da indivisibilidade), o que quer dizer que, por ex., num concerto de música clássica ninguém pode ir lá buscar um bocadinho e guardá-lo para si. As coisas são, de facto, um pouco mais complicadas, em particular, devido à possibilidade de formação de filas de espera e à territorialização dos bens públicos, assunto que não terei possibilidade de abordar agora.
Estas explicações foram aqui trazidas para mostrar que as funções que um Estado exerce devem ser encaradas como um instrumento de redistribuição ou de concentração de rendimentos.
Para que este instrumento se possa tornar operativo torna-se indispensável que o Estado obtenha receitas e realize despesas. Quando o valor das segundas ultrapassa o das primeiras diz-se que há um deficit das contas do Estado. Existe um superávit, no caso contrário.
Não é bom para a economia, nem para os cidadãos, que o Estado se encontre, permanentemente, com um desequilíbrio excessivo das suas contas. Ainda assim, o mesmo montante de deficit tem virtualidades maiores, ou menores, conforme a forma como se faz a afectação das receitas e despesas, beneficiando os que mais têm e vivem dos rendimentos do capital ou os que menos têm e vivem dos rendimentos do trabalho.
Quando o deficit é excessivo, para o reduzir, ou se aumentam as receitas, ou se diminuem as despesas, ou se recorre a ambas. Se todos poderão estar de acordo com isto, o acordo já é mais difícil quando se encara a aplicação de medidas concretas.
Se a estratégia for a do aumento das receitas são múltiplas as formas de o conseguir. Por ex., pode-se aumentar os impostos que incidem sobre a generalidade dos cidadãos, realizando discriminações nessa aplicação, ou não. Podem-se taxar mais pesadamente, em termos relativos, os rendimentos do trabalho que os do capital, ou inversamente. Um Estado mais preocupado com a defesa dos interesses dos titulares de rendimentos de capital taxa de igual modo uns e outros ou até, como se tem vindo a verificar, entre nós, aplica taxas mais elevadas aos rendimentos do trabalho do que aos do capital.
A estratégia de diminuição das despesas pode, também, ser avaliada nos mesmos termos. Tem-se vindo a dizer que dois dos grandes responsáveis pelo deficit são os sistemas de saúde e de educação a que têm acesso todos os cidadãos. Há duas maneiras de reduzir as despesas: aumentando a eficiência do funcionamento dos serviços, ou reduzindo o nível e qualidade das prestações. Embora a melhoria da eficiência deva ser promovida em todas as circunstâncias, a redução, ou não, da qualidade das prestações impõe que se avalie em que medida o grau de acessibilidade que os cidadãos, com diferentes níveis de rendimento, têm a esses serviços, fica prejudicado ou aumentado.
A disponibilização de serviços públicos de saúde ou de educação é para os cidadãos de menores rendimentos a única forma de poderem deles beneficiar. Os de maiores rendimentos, mesmo que os serviços públicos não existam ou sejam de inferior qualidade, têm sempre a alternativa de poderem recorrer a serviços prestados por entidades privadas, no país ou no estrangeiro. Assim, reduzir o financiamento destes serviços tem o mesmo significado que realizar uma transferência de rendimentos das classes mais pobres para as classes mais ricas.
É a isso que estamos a assistir em Portugal: as desigualdades na repartição dos rendimentos estão a aumentar, a equidade na repartição dos benefícios do bem-estar está a diminuir, as potencialidades do país para poder fazer face aos incontornáveis desafios do crescimento e do desenvolvimento estão a ficar, em grande medida, bloqueadas.
Não tem que ser necessariamente assim. A Conferência “Portugal – Uma Economia com Futuro”, que não é uma conferência só para economistas, mas aberta ao grande público, e que se realizará no próximo dia 30 de Setembro na Fundação Calouste Gulbenkian, mostrará caminhos para que assim não seja.
03 setembro 2011
Saúde: para além da “troika”!
O impacto expectável sobre o acesso e a qualidade dos serviços prestados justifica plenamente o crescente mal estar social sentido, quer pelos profissionais de saúde, quer pelo cidadão comum que, na sua (quase) totalidade, sofre já os efeitos das politicas orçamentais restritivas impostas pela “troika”.
Surpreendente é que o governo tenha decidido ir ainda mais longe nos cortes orçamentais da saúde, ultrapassando a receita da “troika”, em vez de promover, com maior determinação, algumas medidas (mais trabalhosas e que implicam processos participativos) potenciadoras de ganhos de eficiência, e assim defensáveis, mesmo sem o aperto orçamental que atravessamos.
Acresce que é ainda desconhecido qual o aumento que sofrerão as taxas moderadoras bem como o que irá ser a factura de medicamentos a cargo dos doentes, sendo certo que as famílias portuguesas são já das mais sobrecarregadas, a nível europeu, com os encargos de saúde.
Por outro lado, alguns indícios são já perceptíveis de que a própria oferta de cuidados de saúde virá a ser restringida, não se sabendo com que extensão e gravidade.
E afinal qual o papel do Estado como garante da protecção da saúde dos portugueses?
Será que o SNS, que tanto contribuiu para a melhoria dos nossos indicadores de saúde, cada vez mais irá ser preterido em benefício de um outro sistema de saúde em que o conceito da solidariedade é interpretado num sentido meramente assistencialista, configurando um verdadeiro retrocesso civilizacional?
15 julho 2011
Uma reflexão sobre o Serviço Nacional de Saúde
É por isso motivo de orgulho que em Portugal se tenha criado um Serviço Nacional de Saúde que oferece, financeiramente ou apoiado pelos impostos que pagamos, cuidados de saúde que, em alguns domínios, têm sido considerados de excelência por muitos peritos e instâncias internacionais.
O nosso S.N.S., como qualquer outro sistema de saúde, não é uma realidade perfeita nem estática, antes tem de enfrentar permanentemente novos desafios, seja por razões que se prendem com a evolução demográfica, novas tecnologias, ou dificuldades de ordem financeira.
O que importa é que a adaptação se faça sem ferir os princípios que melhor defendem o bem comum, ponderando todos os interesses em presença.
Ora neste processo de adaptação corremos o risco de perder a visão de conjunto e de longo prazo, podendo, inclusivamente, ser aberto caminho para soluções erradas e injustas.
Consciente do dever de cidadania que obriga a contribuir para o debate aprofundado acerca do futuro do S.N.S., o Grupo Economia e Sociedade (G.E.S.) decidiu levar, desde já, ao conhecimento público a sua reflexão sobre este tema, constante do documento que aqui se pode ler.
Oportunamente o G.E.S. apresentará a sua opinião acerca das propostas sobre o sector da saúde constantes dos documentos que, entretanto, foram sendo publicados (Memorando de Entendimento e Programa de Governo).
23 maio 2011
A Troika faz bem à saúde?
Adicionalmente são explicitadas medidas tendentes a alcançar maior eficácia e eficiência no S.N.S., as quais, merecendo atenção, não constituem propriamente uma novidade, pois de há muito vinham a ser recomendadas por estudos conduzidos a nível nacional, mas que não passaram à prática. E convinha saber a razão da inércia, para não cometer os mesmos erros no futuro.
Note-se que certas medidas são de tal forma pormenorizadas que causam incómodo, pois parecem estar a ser ditadas para ignorantes ou incompetentes, o que não é certamente o caso.
Não será agora útil debater o que poderia ser a situação do nosso S.N.S. se um verdadeiro esforço tivesse sido feito para aumentar a sua eficiência, quando não era tão grave a pressão orçamental.
Mas é bem urgente que procuremos entender o que pode ser a resultante do caminho que nos é imposto e, ao mesmo tempo, não descurar as alternativas que poderão existir para salvaguardar os princípios de universalidade, acesso a cuidados de qualidade, equidade e solidariedade.
Julgamos, em primeiro lugar que há um risco real de se vir a reduzir o acesso aos cuidados de saúde e à qualidade com que estes são prestados
Por outro lado, é expectável que aumentem as despesas de saúde directas das pessoas, tanto co – pagamentos como pagamento a prestadores privados, sendo já essas despesas demasiado elevadas para o poder de compra dos portugueses
A possível redução do âmbito dos serviços de saúde suportados pelo Orçamento do Estado, associada a perda de qualidade, poderá, no limite, aumentar as desigualdades sociais, já que uma grande parte da população não poderá pagar aos prestadores privados os cuidados de saúde de que necessita.
A gestão do S.N.S. em tempo de austeridade assume, neste contexto, um grau de exigência elevado e terá que assegurar um nível de participação adequado, como é imperativo constitucional.
01 maio 2011
Liberdade de escolha na saúde?
As razões para tal são múltiplas, sendo comum referir-se o envelhecimento da população e a natureza das inovações tecnológicas.
É também frequente que ao apontar estas duas razões se tenda a tomar como um dado exógeno o seu impacto negativo, quando é certo que algumas inovações tecnológicas podem actuar no sentido da redução de custos e, por outro lado, é inteiramente compatível com a ética médica dosear a intensidade de cuidados e o uso de alta tecnologia em determinadas situações de doença. Ou seja: existem de facto escolhas possíveis na gestão dos recursos públicos, dependendo de uma correcta ponderação de custos e benefícios de alternativas.
Mas estas escolhas não se confundem com a apologia da liberdade de escolha por parte dos doentes, sendo certo que a quase totalidade dos recursos dedicados à saúde são requeridos, não por eles, mas sim pelos médicos actuando como seus agentes.
Não surpreende que a suposta vantagem da liberdade de escolha seja apresentada pelos que defendem um reduzido papel para a prestação pública dos cuidados de saúde. Sendo uma ideia, à primeira vista, capaz de seduzir muita gente (quem não preza a sua liberdade?) ela não resiste a análises feitas com seriedade.
Num recente artigo a que deu o título “ Patients Are Not Consumers”, publicado no The New York Times de 21 de Abril, o economista Paul Krugman expõe com clareza as razões pelas quais são erradas as ideias defendidas pelos republicanos a propósito das propostas de um Comité Consultivo para controlar os custos dos cuidados médicos prestados à população mais idosa ao abrigo do programa Medicare. Pretendem os Republicanos que os “ programas de cuidados de saúde governamentais correspondam mais à escolha dos consumidores”.
Krugman começa por denunciar o erro de assimilar a procura de cuidados médicos a uma simples transacção comercial que em nada seria distinta da compra de um automóvel. E interroga-se sobre como é que se pode ter tornado normal, ou sequer aceitável, a referência aos doentes como “consumidores” quando a relação entre doente e médico costumava ser tida como muito especial, quase sagrada.
Entrando depois nos aspectos concretos da posição republicana, é chamada a atenção para o risco de vir a ser aceite cobrir com recursos do orçamento do Estado toda e qualquer prescrição médica, a partir de um cheque em branco combinado com um sistema que incentiva financeiramente médicos e hospitais a embarcarem em cuidados excessivos. Acresce que o sistema de “voucher” para ser utilizado à vontade do “consumidor” coloca a escolha nas mãos das pessoas idosas e nas companhias de seguros, o que na prática já provou conduzir a maiores custos sem ter havido melhoria de qualidade.
Na medicina, salienta o autor, as decisões são de facto cruciais, questões de vida ou de morte, tantas vezes quando a pessoa doente pode estar incapacitada, em grande estado de stress, ou sem tempo para fazer comparações com cuidados alternativos. São decisões que, para serem feitas de forma inteligente, exigem muitos conhecimentos especializados.
É por estes condicionalismos que Paul Krugman sublinha a importância da ética médica e de elevados padrões profissionais.
E conclui assim: “ a ideia de que tudo isto possa ser reduzido a dinheiro – que os médicos sejam apenas “fornecedores” de cuidados médicos que vendem serviços a “consumidores” de cuidados médicos – causa náuseas. E a prevalência desta espécie de linguagem é um sinal de que algo correu muito mal, não apenas com este debate, mas com os valores da nossa sociedade”.
03 dezembro 2010
A Protecção da Saúde
Felizmente em Portugal têm-se registado significativas melhorias nos indicadores de saúde – com relevo para a esperança de vida e para a mortalidade infantil – em consequência de uma elevação geral dos níveis de vida e de avanços na escolaridade depois de 1975 e da aposta, em boa hora assumida, num Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A questão que tem vindo a ser levantada já há alguns anos é a da possibilidade de manter o SNS face aos custos crescentes, em parte explicados pelas novas tecnologias, por ineficiências e desperdícios do sistema, mas também por uma má articulação entre o SNS e os prestadores privados, os quais, ao longo do tempo, foram ganhando espaço no mercado da Saúde.
De facto, o sistema de saúde português é hoje um sistema muito segmentado, pouco eficiente na aplicação de recursos, com vários níveis de acesso a cuidados de saúde, privados e públicos, o que tem originado queixas ao Regulador, nomeadamente por discriminação infundada de doentes e tempos de espero dilatados.
Mais recentemente medidas de rigor orçamental vieram tornar urgente provocar um debate alargado acerca da reforma do nosso sistema de saúde, visando, em particular, um maior controlo dos seus custos.
Tanto o actual Regulador da Saúde como o seu predecessor, trouxeram a público este problema, apontando medidas concretas que entendem dever ser adoptadas: a revisão das Convenções com os privados (só as análises clínicas e a imagiologia envolvem verbas da ordem de 700 milhões de euros), o sistema integrado de gestão de inscritos para cirurgias (SIGIC) e as parcerias públicas e privadas (PPP).
Ficou também claro das declarações daqueles responsáveis, que muito há a melhorar no domínio da gestão hospitalar bem como na política do medicamento, que pesa sobremaneira nos gastos suportados directamente pelos doentes.
Como refere o actual Regulador da Saúde em entrevista publicada no jornal O Público de 2 de Dezembro, «os pagamentos directos são já mais de 20% da despesa total em saúde» e «a factura da farmácia é um dos dramas na área da saúde dos portugueses».
Por todos estes motivos, devemos exigir uma verdadeira reforma do SNS que não ponha em causa os seus fundamentos: “cada pessoa deve financiar o sistema em função dos seus rendimentos, – e não em função do seu estado de saúde – e deve ser curada em função do seu estado de saúde – e não dos seus rendimentos”, conforme lembrou Bruno Palier, em La Réforme des Systèmes de Santé, PUF, col. «Que sais-je?», Paris, 2009.
Acrescentou o mesmo investigador do C.N.R.S. que “todas as reformas dos sistemas de saúde devem arbitrar entre quatro objectivos muitas vezes contraditórios: assegurar a viabilidade financeira dos sistemas, mas também a igualdade de aceso aos cuidados de saúde, a qualidade destes e, finalmente, a liberdade e o conforto dos doentes e dos profissionais”.
Os cortes orçamentais são rápidos de executar. Mais difíceis e exigentes são as medidas de fundo que deveriam ser debatidas com os profissionais do sector e com a sociedade civil, para que venham a traduzir-se em melhorias do SNS e não na criação de barreiras de acesso ou em encargos acrescidos para quem já hoje os suporta em demasia.