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05 outubro 2015

A Charada da Parceria Trans-Pacífico de Comércio Livre



É este o título de um artigo (1) de Joseph E.Stiglitz e Adam S. Hersh, publicado a 2 de Outubro no Project Syndicate, onde explicam o motivo pelo qual a palavra “charada” é usada.

Na verdade, a ideia de que a TPP seria um instrumento de dinamização do comércio livre não corresponde à verdade, no entender dos autores, pois o que está em causa é, pelo contrário, a apropriação das vantagens comerciais pelos lóbis mais poderosos de cada um dos países signatários.

Exemplificando com a indústria farmacêutica, é contrariado o argumento de que a protecção que lhes é dada pelos direitos de propriedade intelectual promove a investigação, sendo antes uma forma de restringir, por largos períodos, a concorrência de genéricos e de provocar a subida de preços para os consumidores.

Outra questão importante-também na Parceria Trans-Atlântico de Comércio e Investimento em processo de negociação-é o sistema de resolução de conflitos entre os investidores e os estados (conhecida pelo acrónimo ISDS), o qual concede poderes aos investidores para processarem os governos se estes aprovam regulamentos laborais, ambientais ou outros que podem vir a afectar negativamente as expectativas de lucro.

A falsidade do argumento de que tal disposição é necessária por falta de leis e tribunais credíveis é posta em evidência quando se trata de países europeus.

Não é demais repetir o que muitos têm denunciado a propósito destas Parcerias e da cláusula ISDS: pode estar ameaçada a capacidade dos governos cumprirem as suas obrigações mais básicas na defesa do ambiente, da saúde e da segurança dos seus cidadãos.

É chocante que as negociações destas Parcerias decorram em segredo, com participação privilegiada das grandes empresas e que quem pretenda fazer uma análise aprofundada dos textos tem apenas acesso a fugas de informação.

Assim sucedeu com a Parceria Trans-Pacífico que hoje mesmo foi objecto de acordo entre os EUA e 11 outras nações do Pacífico e que vai ser debatida no Congresso americano, num processo expedito que prevê a aceitação ou a rejeição, sem alterações ou manobras dilatórias.

A motivação apontada para que os EUA se tenham empenhado no TPP é a da contenção face à influência económica da China.

Sindicatos, ambientalistas e activistas liberais têm argumentado que este acordo favorece as grandes empresas, em detrimento da protecção de trabalhadores e do ambiente. Certo é que o TPP é o maior acordo regional de comércio da história e o seu modelo cria um precedente para outros que venham a ser celebrados.(2).

Há quem afirme que talvez com a Europa o acordo seja mais difícil, mas o que é preocupante é que a Comissão Europeia esteja a negociar secretamente, em nome dos estados-membros, matérias decisivas para o futuro dos seus cidadãos .

Não seria já altura de cada um dos governos da União Europeia tornar claras as posições que defende, as correspondentes vantagens e os riscos, num processo de transparente participação democrática?

(1)- The Trans-Pacific Free-Trade Charade – (TPP).
(2)- Trans-Pacific Partnership Trade Deal Is Reached, Jackie Calmes, The New York Times, Oct.5, 2015.

04 dezembro 2014

A pobreza, a legionella e o “toca a todos”


Durante a semana em curso têm tido lugar múltiplas iniciativas congregando o debate sobre a pobreza. Refiro, apenas, três exemplos: o programa Prós e Contras da RTP 1, a entrevista coletiva realizada na ETV e a iniciativa “toca a todos” da RDP 3 (neste caso, em particular, sobre a pobreza infantil).
A gravidade e a premência do escândalo da pobreza bem as merecem. Os caminhos por ela percorridos em Portugal, impõem-nas. Bem sei que são essencialmente debates e não serão poucos os que entendem que não passam de conversa e que não é com conversa que se elimina a pobreza. Só, parcialmente, têm razão.
Em primeiro lugar, porque a grande maioria dos que intervêm nos debates são gente, são personalidades, são instituições que, dia a dia, noite a noite, sem dia e sem noite para si próprios, fazem das suas vidas uma luta constante para que a pobreza seja menos sentida. Em segundo lugar, porque, também, com o debate se difunde informação e conhecimento sobre a realidade da pobreza e sobre o muito, que muitos fazem (incluindo os pobres) para que a pobreza seja menos violentadora e agressiva. Finalmente, porque é bom que os que trabalham no mundo da pobreza se encontrem, se questionem e se comuniquem experiências, que poderão gerar sinergias multiplicadoras da ação que desenvolvem e que, de outro modo, ficariam mais limitadas.
Dito isto, vale a pena caracterizar um pouco mais as iniciativas, que têm acontecido, as desta semana e, sobretudo as menos frequentes do passado recente. Elas têm procurado dar a conhecer as situações de pobreza, o seu volume e intensidade e o modo, ou os modos, de dar resposta às situações de maior carência. Têm dado conta do muito que a sociedade civil tem feito e, por vezes, do muito pouco com que o Governo se tem empenhado perante a calamidade que temos à nossa frente.
É como se estivéssemos perante uma epidemia, como se os hospitais fossem invadidos por multidões de doentes e se verificasse que quando mais estes precisavam de terapêuticas eficazes e de mobilização geral dos quadros médicos e de enfermagem, mais o Governo lhe virava as costas, porque argumentava que o que se dizia era puro alarmismo.
Não foi isso o que aconteceu com a recente epidemia da legionella. A competência e a dedicação das estruturas de coordenação, dos médicos e dos enfermeiros permitiram dar aos doentes que chegavam aos hospitais, uma resposta que foi considerada exemplar. Mas atenção, aqui, as estruturas de retaguarda não ficaram imóveis. Desde o início que se colocaram a questão de saber qual era a origem, o foco, da epidemia. Sabiam que enquanto não fossem identificados e neutralizados os doentes continuariam a entupir as urgências dos hospitais a ritmo que cresceria em progressão geométrica. Por isso, as equipas saíram para o terreno. E o que encontraram?
Empresas com torres de refrigeração não inspecionadas, ou mal inspecionadas que não deixaram dúvidas, após ponderação de outros fatores, de que era aí que se encontrava o foco da difusão da doença. Foram fechadas e as consequências são conhecidas: o ritmo de “produção” de doentes começou a diminuir a ritmo crescente. Não deixará de se colocar a questão de saber se o desinvestimento público em estruturas de coordenação, regulação e inspeção não justificará o aparecimento dos focos bacterianos.
E quanto à dinâmica da pobreza o que se passa? Tomando a analogia da legionella, tem-se cuidado dos doentes, i. e. tem-se procurado, através do trabalho de instituições da sociedade civil, tornar a vida dos pobres mais suportável. Eventualmente, alguns desses pobres ficaram menos pobres ou até, terão ousado sair para fora da situação de pobreza. Não quer isso dizer que perante o surto multiplicativo de pobres os cuidados sejam bastantes.
É, por isso, que também são importantes iniciativas como a da Antena 3. O problema da pobreza “toca a todos”, porque somos pobres, porque podemos vir a ser pobres, porque pelos nossos comportamentos, individuais ou coletivos, também somos responsáveis do aparecimento de fenómenos de pobreza, porque temos que nos mobilizar para ocorrer às situações de maior premência. A pobreza infantil, porque atinge os que dela menos se podem defender, bem merece o alerta e a solidariedade gerados pela iniciativa da Antena 3.
No entanto, raros terão sido aqueles que foram à procura das torres de refrigeração, i.e., das fontes e mecanismos que são os verdadeiros responsáveis pela “produção” de pobres. Por ex., nos debates do Prós e Contras e do ETV dois quase heróis ousaram começar a levantar o véu e ir espreitar o segredo da produção de pobres. Foi bom que o tivessem feito embora, infelizmente, não parece que tenham ou sejam muito escutados.
Na produção de pobres o segredo é complexo e imenso, mas não é, por isso, que nos devemos eximir a procurar abrir a porta da fortaleza onde se esconde o segredo. Por muito complexo e imenso que seja, já muito se sabe sobre o assunto. Não me proponho, aqui, fazer a anatomia do centro produtor e difusor de pobreza, mas o que se sabe já é suficiente para que não possa deixar de ser considerado quase pecaminoso nada fazer para neutralizar a atividade do centro.
O que já se conhece é que a “produção de pobres” é uma consequência da forma como se encontra organizada a economia e a sociedade. Enquanto não corrigirmos as suas estruturas, dos “centros produtores” continuarão a sair filas imensas de pobres. O Papa Francisco na sua Exortação Evangelli Gaudium bem alertou para que os germes da nova tirania se encontram no funcionamento da economia que gera desigualdade e exclusão; é nesse funcionamento que deve ser procurada a origem da produção de pobres e das situações de violência. É, por isso, que o Papa afirma que “esta economia mata”.
Quem mata é criminoso. É, também, criminoso nada fazer para evitar que os locais do crime continuem, a reproduzir-se. Os locais do crime são os que permitem a cumulativa concentração de riqueza nas mãos de uns poucos com o simultâneo desapossamento de muitos; a desigualdade extrema de repartição de rendimentos no processo de produção; a destruição das bases coletivas de funcionamento da sociedade, como se todos os problemas, de todos os cidadãos, pudessem e devessem encontrar solução por via de decisões individuais; a negação de saúde, de educação, de justiça, de habitação, de alimentação e de segurança, condignas e para todos, a todos garantindo igualdade de oportunidades (não esquecendo que a igualdade de oportunidades pressupõe a existência de situações de partida equitativas).
Não falta que fazer, mas com lucidez, para que os mecanismos que geram morte possam ser eliminados e substituídos. Não baste cuidar dos pobres; é indispensável intervir sobre as suas torres de refrigeração.

07 julho 2013

Para que um futuro melhor seja possível
Tomada de posição do Grupo Economia e Sociedade

Os recentes acontecimentos verificados no âmbito da governação e do xadrez político nacional merecem uma séria reflexão que não deve ser dissociada de dois outros factos relevantes: a irrefutável constatação dos efeitos perversos das políticas de austeridade que vêm sendo seguidas (como o próprio anterior Ministro das Finanças, aliás, reconheceu na sua carta de demissão tornada pública) e as crescentes manifestações de descontentamento popular abrangendo vastos e diversificados estratos populacionais.

Na sua última reunião (3 Julho 2013), o Grupo Economia e Sociedade reflectiu sobre estes acontecimentos e as suas previsíveis consequências para a evolução próxima da economia e da sociedade do nosso País e entendeu dever alertar para a urgência de, a partir da recém-criada turbulência política, encontrar um novo rumo para o País, o qual vá para além de um horizonte míope de uma mera reconquista de objectivos financeiros, definidos pela prioridade absoluta dos interesses mais imediatos dos credores com o prosseguimento de políticas austeritárias que não satisfazem, nem do ponto de vista da justiça social nem sequer do ponto de vista da eficácia em relação aos fins visados.

(...)

Para que um futuro melhor seja possível 
 Tomada de posição do Grupo Economia e Sociedade

10 junho 2013

O Direito à Educação e a Escola Pública

O blogue Areia dos Dias não poderia deixar de reconhecer a importância e o alcance que a anunciada greve dos professores indicia.

Isto, por duas razões: porque obriga a reflectir sobre o direito à greve; porque impõe que se olhe para a questão mais vasta e nuclear do direito constitucional à educação e do papel da escola pública em Portugal.

Sem prejuízo de voltar ao assunto do direito à educação e do papel da escola pública, o qual, dada a crise que o país atravessa  e o risco de desconfiguração do estado social já em curso, reputo fundamental para a agenda política e para a mobilização da sociedade civil deixo duas sugestões de leitura.

Sobre a questão do direito à greve, ver um texto de Pacheco Pereira. Aqui.
Sobre a necessidade de olhar a greve ds professores para além das suas causas próximas, o artigo de Paulo Guinote publicado no último Expresso. Aqui.

22 março 2013

Dia Internacional da Água
- A água é um bem público

No dia Internacional do direito à água potável e ao saneamento, são muitas as vozes que se erguem para denunciar os atropelos que continuam a verificar-se no cumprimento deste direito humano fundamental.

Não é demais lembrar que essa situação de carência ainda afecta milhões de pessoas em todo o mundo e, por isso, se exige de todos governos e instâncias internacionais competentes que não descurem este problema.

Outra questão que, neste dia, importa igualmente assinalar é a ameaça de privatização da água e do saneamento que, presentemente, grassa em certos meios políticos do espaço europeu. Portugal não é excepção. Subtilmente, está em marcha um processo de descaracterização da água como bem público que abre o caminho para a sua mercantilização.

Já se fizeram ensaios nesse sentido em alguns concelhos do País, com os resultados esperados: aumentos de preço; dificuldades de abastecimento em zonas menos lucrativas; acréscimo de encargos para o erário público, através de cláusulas de salvaguarda negociadas com as empresas; falhas no que se refere à manutenção das condutas e de conservação de outros equipamentos  da rede.

Neste dia, muitas organizações não governamentais envidam os seus esforços para fazer chegar à Comissão Europeia e aos estados-membros petições e reivindicações no sentido do necessário aperfeiçoamento da legislação europeia nesta matéria, de modo a garantir que todos os habitantes do Planeta gozem do direito à água potável e ao saneamento, que  o abastecimento de água e a gestão dos recursos hídricos não fiquem sujeitos às "regras do mercado interno" e às normas da liberalização, mas antes seja devidamente salvaguardada a natureza de bem público dos recursos hídricos em geral.

17 janeiro 2013

Crise e Políticas de Saúde

O discurso à volta das políticas de saúde tem sido dominado, nos últimos tempos, pela ideia de que é necessário que gastemos menos com este sector para que ele seja financeiramente viável.

Sucedem-se medidas destinadas a atingir aquele objectivo, algumas com resultados rápidos, procurando satisfazer metas muito exigentes que foram incluidas no memorando de entendimento ou posteriormente decididas.

O que pensamos sobre estas questões pode ser consultado aqui e também aqui.

Ao nosso SNS, que foi capaz de nos colocar, com custos per capita bem menores do que noutros países, em posição muito favorável quanto a indicadores de saúde, são agora receitadas medidas adicionais por quem não tem competência na matéria (é o caso do FMI), como se fosse dispensável o consenso nacional para uma politica pública de saúde que o governo tem obrigação de executar, e como se as recomendações da União Europeia e da instância mundial especializada (a Organização Mundial de Saúde) entrassem numa moratória.

Ainda recentemente, numa conferência realizada na Escola Nacional de Saúde Pública pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde, sobre a crise económica e os sistemas de saúde, um responsável da OMS, Matthew Jowett, chamou a atenção para os riscos das medidas que estão a ser tomadas nesta conjuntura poderem revelar-se gravosas para a saúde das populações.

De entre as suas preocupações, certamente partilhadas por muitos portugueses, destaco a de que já há países em que o princípio da universalidade do sistema de saúde está a ser desrespeitado, com a exclusão do acesso a certas categorias da população. Com a agravante de que isto acontece em situação de recessão económica e desemprego elevado, com impacto na saúde das pessoas, quando deveria ser reforçada a necessidade de manter uma boa rede de apoio, e esta exige uma cobertura universal.

Outra questão por ele colocada é a do risco que envolvem medidas de efeito a curto prazo e fáceis de adoptar, mas cujo impacto a longo prazo não estará a ser levado em consideração.

Em particular, questionou as taxas moderadoras e a dificuldade em distinguir os cuidados de saúde necessários dos que não o são. Os ganhos rápidos de eficiência podem assim revelar-se, a longo prazo, negativos para os sistemas de saúde.

A questão que M, Jowett colocou no final da sua intervenção foi a seguinte: “As decisões de hoje estão a criar a base do futuro sistema de saúde. E será uma boa base?”

Esta mesma interrogação nos preocupa, tanto mais que o cerco ao estado social se torna, de dia para dia, mais ameaçador.

Sem uma estratégia clara definida para o sector da saúde e multiplicando cortes orçamentais violentos, corremos o risco de destruir o que de muito positivo se alcançou em Portugal com o SNS ao longo de décadas.

11 dezembro 2012

Declaração Universal dos Direitos Humanos
– 64 anos depois

Como todas as efemérides, também esta serve, em primeiro lugar, para nos regozijarmos com o tesouro adquirido: o reconhecimento universal de direitos inalienáveis da pessoa humana, pelo facto de o ser e independentemente de quaisquer outros atributos.

Deverá também servir para a tomada de consciência do caminho que ainda falta percorrer para que tais direitos, em toda a sua amplitude, sejam, efectivamente, cumpridos, tanto nos nossos espaços mais próximos (penso em Portugal e na União Europeia em que vemos crescer o número de pobres e os atropelos ao estado de direito!) como naqueles que nos são mais longínquos, incluindo parceiros com quem mantemos relações privilegiadas e onde persistem privações de liberdade por delitos de opinião e outras denegações de direitos, incluindo tráfico de pessoas e trabalho escravo.

Neste processo de concretização dos direitos humanos, todos estamos implicados: cidadãos e cidadãs, instituições, estados e governos, instâncias supranacionais. Assim foi lembrado, com palavras e com a divulgação de actos exemplares, na sessão de ontem na Assembleia da República, mediante a atribuição do prémio de direitos humanos à Caritas Portuguesa e a concessão de medalhas a dois cidadãos portugueses que se distinguiram ao colocar as suas qualidades e competências ao serviço das pessoas.

Aos premiados deixamos o testemunho do nosso reconhecimento e gratidão.