09 junho 2013
Teimoso és tu! . . .
07 março 2012
Sobre o território também paira uma “cortina de fumo”
Não há qualquer novidade em referir que existe em Portugal um sentimento generalizado de que, desde há várias décadas, o território tem vindo a ser maltratado. Cada governo que chega parece apostado em fazer pior que o anterior, como se todos, por razões desconhecidas, tivessem contas a com ele ajustar. Basta que recordemos as questões relacionadas com a regionalização, com o desenvolvimento urbano, com a reestruturação do poder local, com as finanças regionais e locais, com o investimento de base territorial, etc.
Ora, o território é um elemento estruturante do desenvolvimento; se o tratamos mal, inevitavelmente que ele se vai retrair e deixar de dar a contribuição que dele seria de esperar para o desenvolvimento. E não há desenvolvimento sem território. Lá se encontram as pessoas, os recursos, as potencialidades de desenvolvimento. Se for ignorado, ou menorizado, perdem-se as pessoas, desperdiçam-se os recursos e destroem-se as potencialidades de desenvolvimento, não apenas no território que é “extorcisado”, mas em todo o território, nacional e não só. No entanto, o que importa fazer é tudo menos compatível com voluntarismos apressados e pouco refletidos.
Vêm estas considerações a propósito de uma notícia há dias divulgada nos media, segundo a qual “As comunidades intermunicipais do Alto Minho e da Região de Aveiro têm praticamente concluído o levantamento sobre as áreas que entendem que devem ser transferidas para as comunidades intermunicipais”. Tira-se como conclusão que, por essa via, se vai realizar uma verdadeira revolução do poder local.
Pretendo enquadrar e comentar esta iniciativa, agora, embora em outras ocasiões, quando for julgado oportuno, possa vir a abordar questões diversas, igualmente relacionadas com o território. Várias interrogações devem, a este propósito, ser colocadas:
1. Tem sentido fazer transferências de áreas de competências?
2. Se tem qual é o significado que tem em termos de organização do poder territorial?
As competências que aqui são objeto de transferência são competências que no momento da transferência o são dos municípios. São destinatárias das transferências as comunidades intermunicipais.
O que é que justifica as transferências? Em termos teóricos é o princípio da subsidiariedade. Convém, contudo, explicitar o seu significado, tanto mais que tem sido objeto das mais deturpadas interpretações.
O princípio da subsidiariedade diz-nos que em termos de decisões, cada uma delas deve ser tomada pelo órgão que está mais próximo dos cidadãos. Costuma dizer-se que não devem ser tomadas por um órgão de nível superior as decisões que produzem melhores resultados se forem tomadas por um órgão de nível inferior, que se diz mais próximo dos cidadãos. No entanto esta é só metade da verdade.
Com efeito, a noção de proximidade não significa, necessariamente, proximidade física. Estar próximo significa estar em condições de poder, em condições de eficiência, tomar decisões que produzem os melhores resultados para as pessoas. Isto é, os melhores resultados podem ser mais facilmente obtidos por um órgão de nível superior, que por um órgão de nível inferior. Ou ainda, apesar de se subir de nível aumenta-se a proximidade.
As coisas, contudo, não são assim tão simples porque, como terão notado, todo o raciocínio anterior assenta num pressuposto, que é o de que as decisões serão “melhores”. Fica, assim, colocado o problema de saber quem faz avaliação do que é melhor e do que é pior. Trata-se de uma avaliação que não é técnica, mas política. É aos cidadãos dos territórios envolvidos, ou seus representantes, que compete pronunciar-se sobre um assunto.
É a este movimento de competências “ de cima para baixo” ou de “baixo para cima”, conforme os casos, que se chama descentralização. Mas esta tem uma condição que é a de que as competências transferidas o são a título definitivo, ou sem prazo pré estabelecido. Se o são provisoriamente, isto é, se são delegadas, então não estamos no domínio da descentralização, mas sim no da desconcentração.
Voltemos ao conteúdo da notícia. As competências transferidas já eram dos municípios e portanto nada de novo se cria; apenas, os municípios envolvidos consideraram que era mais eficiente cumprirem as competências transferidas, em conjunto, do que cada uma de per si.
A iniciativa que é objeto da notícia levanta, contudo, um conjunto de outras questões que a não serem equacionadas limitam em muito o alcance da notícia. Podem colocar-se, por ex. as seguintes:
1. As competências transferidas configuram uma decisão de descentralização ou uma decisão de desconcentração?
2. Se se quer dar robustez às comunidades intermunicipais, porque é que simultaneamente não se equaciona a possibilidade de serem transferidas outras competências do estado central, por ex., no domínio dos transportes, do ambiente, da cultura, etc.?
3. Estando as várias escalas de território interrelacionadas (nada do que se passa numa pode ser considerado indiferente ao que se passa em outras), porque é que não se criam, ou não se fazem ajustamentos, em outras escalas de território, por ex., em áreas metropolitanas e em regiões?
4. Qual é o envelope financeiro que está associado às várias iniciativas?
Estamos, assim, bem longe de podermos falar de uma revolução do poder local, antes poderíamos referir uma iniciativa de prestidigitação que, intencionalmente, ou não, só contribui para a sua descredibilização.
Bloqueando o desenvolvimento do território, bloqueia-se o desenvolvimento. Nunca o primeiro poderá ser considerado como um simples adereço do segundo.
Não é pois exagerado dizer que: Sobre o território também paira uma “cortina de fumo”.
28 dezembro 2011
Ainda a "democratização da economia"
26 dezembro 2011
democratização da economia?!
07 outubro 2011
Democratizar a Economia. Travar o Risco de Retrocesso Civilizacional
12 setembro 2011
Economia Social e Democratização da Economia
11 maio 2011
Portugal nas transições: Integração na deriva periférica ou Identidade própria e valorização da diferença?
Trata-se de uma análise do trajecto da economia e da sociedade portuguesa, por alguém que procurou sempre interagir com o seu tempo, quer na política, quer como professor e investigador, quer na participação em missões de assistência técnica em África e consultor de várias organizações internacionais. O seu percurso pessoal e profissional pode ser melhor conhecido através do seu livro de memórias, “Disse bom dia à noite”, uma saborosa “crónica de tempos inesperados”.
Mas, o livro é também uma reflexão sobre a presente conjuntura económica e política e as perspectivas à entrada do século XXI.E que falta nos fazem as vozes dos que procuram encontrar respostas às dificuldades presentes, ao arrepio da cartilha de medidas avulsas, tão incapazes de corresponder aos desafios colocados por um mundo em transformação.
Logo a seguir à apresentação de uma “explicação” do atraso português, são apresentados dois cenários para o possível futuro da economia e da sociedade portuguesa nas próximas décadas. O cenário da Integração na deriva traduz-se afinal “na impotência do Estado-Nação português para construir uma trajectória em conformidade a vontade do poder político democrático, claramente expressa, consistente e durável”. O outro cenário, Identidade própria e valorização da diferença, trata de “desenvolver e reter no país de capacidades individuais meritórias, mais do que seduzir ETN para investimentos em Portugal”.
Este último cenário exige porém que se superem os factores considerados como essenciais no nosso atraso, que Murteira definiu como a ideologia portuguesa, bem como a nossa característica indecisão, para além de elementos tais como: uma rigorosa e actualizada identificação dos nossos recursos, uma visão descentralizada do país, uma mudança de actores e de argumentos para o seu desempenho. Para tanto, são tratados três vectores fundamentais, a saber: diálogo social, papel do Estado e competitividade.
Os leitores são convidados a identificar os pontos críticos da análise e permitir a comparação do que é “possível”, e desejável, embora improvável, e o que é “provável”, embora indesejável.
24 março 2011
NÓ CEGO
Dir-se-ia, em particular, que os partidos representados no Parlamento se enredaram, depois de muitas voltas e maneios, num irremediável «nó cego». Não é certo, nem mesmo provável, que as próximas eleições possam desfazer esse «nó», assegurando maioria absoluta a um só partido. É impressionante, para qualquer observador de boa fé, mas alheio às lutas pelo poder, a capacidade dos líderes dos vários partidos para «falarem sózinhos», como que deslumbrados pela perspicácia única e específica de que se consideram detentores.
E mesmo a aliança centro-direita mais provável que se configura no horizonte nacional não poderá prometer grandes novidades para o futuro e certamente iria garantir uma crescente agitação social numa conjuntura em que não só a dimensão financeira, mas todo o sistema social se aproxima do colapso. Poderá uma iniciativa do algo enigmático Presidente da República abrir horizontes mais luminosos?
O futuro a Deus pertence, como se dizia antigamente. O passado, sofremo-lo (quase) todos, mais ou menos amargurados e conformados. Mas é no presente que somos todos chamados, como cidadãos livres, esclarecidos e de boa fé, a contribuir para desenhar novos horizontes para a democracia em Portugal.
Que não podem ser apenas, nem principalmente, moldados por rigorosas medidas de austeridade (estas, como sabemos, são sempre mais rigorosas para os que estão na base do que para os do topo do sistema social) mas sobretudo por novos meios de inovação económica e social verdadeiramente ao serviço do povo português, e não duma «classe política» desacreditada e, na sua maioria, apoiada em interesses muito particulares.
17 março 2011
A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento
A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento (na Universidade de Coimbra, pela sua Faculdade de Economia) que foi a de Amartya Sen, a generalidade das televisões silenciaram-na e a única que a ela se referiu entendeu que, naquele contexto, o mais importante de que importava falar, era a situação na Líbia. A peça, transmitida no passado dia 13, à hora dos telejornais começou assim: ”O Alto-comissário para os refugiados das Nações Unidas pede ajuda urgente e eficaz para os líbios. António Guterres apela ao fim do massacre . . . Declarações feitas em Coimbra à margem de uma cerimonia de doutoramento”.
O que se estava a passar na Líbia, no fim da semana passada e, infelizmente, hoje, não pode deixar de nos provocar e mobilizar para o combate à carnificina promovida por uma ditadura que, com armas pesadas, não hesita em aniquilar o seu povo. Por isso, é importante que se fale da situação da Líbia, a propósito da Líbia, e não à margem de uma cerimónia de doutoramento.
Mas era igualmente importante que à margem, e de preferência sem ser à margem, se falasse da Cerimónia de Doutoramento “Honoris Causa” do Prof. Amartya Sen. Porventura o jornalista, ou quem montou a peça, não soubesse o significado de uma cerimónia de doutoramento “honoris causa” e, muito menos, quem seria o doutorado, mas se o não sabia tinha obrigação de se informar ao que ia. Bem sei que o argumento do ”critério do interesse jornalístico” serve para justificar o comportamento adoptado e muito mais, mas tal não significa que o critério dos cidadãos se deva com isso conformar.
E, então, de quem é que estamos a falar? Amartya Sen é, certamente, um dos mais eminentes humanistas e cientistas da economia do Séc. XX e veremos se não o será, também, do séc. XXI. Pode dizer-se que é, por excelência, o académico brilhante, comprometido com o Mundo.
Amartya Sen foi prémio Nobel da Economia em 1998 mas, mais importante do que isso (o que já é suficientemente importante) são as razões que levaram à atribuição do prémio. Sen é na Academia quem, pelo seu pensamento e contribuições científicas, mais fez para a compreensão da pobreza, das desigualdades, do emprego e das consequências da sua existência para o exercício dos direitos humanos, da liberdade e da justiça.
Todas as suas obras constituem um marco, no avanço da ciência económica mas, também, para o desenvolvimento do progresso humano. Porventura, a sua obra mais notável, na sequência da de Arrow (Social Choice and Individual Values), tenha sido Collective Choice and Social Welfare onde, inequivocamente, demonstrou que, numa economia que procura respeitar as diversidades e preferências individuais, o bem-estar não poderá ser obtido sem a intervenção de um soberano económico, que fixe qual deve ser a função de preferência colectiva que deve ser prosseguida. Isto é, os mercados não se auto regulam. Para poderem ter um papel útil necessitam da intervenção da “política”.
O hoje tão popularizado “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH) tem a sua origem nos trabalhos por ele promovidos no início dos anos 90 e, mesmo que, hoje, lhe possam ser apontadas insuficiências, constituiu e constitui um critério para que ainda se não encontrou substituto, com vista a avaliar o progresso humano, nos diferentes países e que tem vindo a ser usado, sistematicamente, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no seu Relatório Anual.
Sen demonstrou-nos e demonstra-nos que a ciência económica não é uma tecnocracia e que ela só tem sentido se existir para dar resposta aos problemas das pessoas, todas as pessoas e não apenas de algumas pessoas. Tal só é possível num mundo que tenha a ética e a solidariedade como valores orientadores e não como valores subordinados. A vida e a obra de Sen projectam-se sobre o conjunto da humanidade, com uma preocupação permanente de realizar sociedades mais justas e eficientes.
Vale a pena incitar à leitura e reflexão de dois dos seus trabalhos mais recentes: On Ethics and Economics e A Ideia de Justiça (acabado de ser publicado em português).
01 março 2011
Quem Manda No Mediterrâneo?
No tempo da Roma imperial, os romanos chamavam Mare Nostrum ao Mar Mediterrâneo. Eles dominaram com efeito essa zona estratégica, ao Norte e ao Sul, ao Ocidente como a Oriente. É interessante pensar como uma região relativamente pequena do planeta exerceu durante séculos uma influência tão determinante na cultura e nas civilizações criadas pelos seres humanos nas peripécias da sua História. Mas hoje, dos dois lados do Mediterrâneo, tão próximos na Geografia mas aparentemente mais incomunicáveis e separados do que nunca, registam-se profundas convulsões de significado e destino incertos.
Pondo agora entre parêntesis a questão económica, olhemos antes o tema das grandes religiões. O cristianismo foi, durante séculos, a religião marcante do homem ocidental, em particular nos países ditos «desenvolvidos» da Europa e da América. Estima-se que nos começos do século passado, mais de 70% dos cristãos estivessem localizados nos países do Atlântico Norte, e menos de 30% no Sul. Hoje em dia, estas proporções inverteram-se, o Cristianismo murchando nos países de maior pujança económica, em particular na Europa, e renascendo na América do Sul e na África. E o Vaticano, como símbolo do poder formal da Igreja Católica, perdendo significado e relevância.
O islamismo, por outro lado, apresenta-se como a outra grande religião do planeta e, ao contrário do cristianismo, aparenta grande vitalidade, embora surgindo por vezes ao serviço de causas sinistras e usando meios terroristas que, por todo o lado, além do mais servem de pretexto para subordinação da ordem democrática às preocupações de segurança.
Como interpretar neste contexto, a inesperada avalanche de contestação popular em países do Norte de África, diferenciados entre si, mas ao menos tendo de comum regimes autoritários tolerados, ou mesmo apoiados pelas democracias ocidentais? E que agora, com alguma hipocrisia, se apressam a denunciar os abusos desses regimes?
Além do mais, creio tratar-se dum enorme desafio à mais profunda religiosidade do ser humano, seja qual for a expressão formal da mesma.
Pois afinal, trata-se de saber se acreditamos num Deus que é, acima de tudo, garante e suporte da liberdade e da solidariedade humanas ou, pelo contrário, se nos servimos da sua imagem para oprimir, ou mesmo destruir, todos os outros que não servem os nossos interesses.