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09 junho 2013

Teimoso és tu! . . .

Durante uma grande discussão entre dois consortes, um deles vira-se para o outro e diz: sabes, nada disto aconteceria se tu não fosses um grande teimoso.
O segundo logo respondeu: estás “parvo” ou quê, um grande teimoso és tu!
Quando assisti a esta discussão eu ainda era pequeno; fiquei muito preocupado e disse-me: afinal como é que se vai saber quem é o teimoso?
Cheguei a casa, encontrei o meu avô, meu confidente para estas coisas de compreensão da vida, e contei-lhe a razão da minha ansiedade. Ele logo me disse: oh meu rapaz, não te preocupes, isso explica-se facilmente. Então tu ainda não te deste conta de que nunca há um teimoso sozinho; para que haja um teimoso tem que haver pelo menos mais um.
Foi um ensinamento que, ao longo do tempo, muito me tem servido como lição de vida.
Recordei-me deste episódio a propósito do que tem vindo a ser designado como “a greve dos professores às avaliações” e das notícias que sobre ela têm vindo a público. O Ministério da Educação tem vindo a pronunciar-se sobre a greve referindo, algo de parecido com o seguinte:
- “O Ministério tem ouvido os professores e os sindicatos e já cedeu e negociou em tudo o que havia para negociar; só por mera “teimosia” dos professores e sindicatos é que se pode dizer que poderão iniciar, agora, uma greve e ainda por cima uma greve às avaliações, incluindo os exames”;
- “A greve é uma atitude grave irresponsabilidade, que não tem em conta os interesses, quer dos alunos, quer dos pais. Os sindicatos não têm escrúpulos em tomar os alunos como seus reféns”.
Nada disto me parece ter qualquer sentido. Em relação ao primeiro ponto talvez devesse haver por aí um avozinho que lembrasse que nunca há só um teimoso. Mas seria necessário que se estivesse disposto para ouvir o avô.
Quanto à falta de responsabilidade, se ela decorre da limitação à possibilidade da realização de avaliações, então talvez devesse ser perguntado porque é que o Ministério não responde positivamente aos sindicatos para que não seja acusado de irresponsabilidade por as avaliações não poderem ter lugar.
Há, no entanto, uma questão mais de fundo que não pode ser escamoteada. A greve que está prevista nos ordenamentos jurídicos de todos os países democráticos tem, naturalmente, o pressuposto de que se está a levar a cabo uma ação que vai prejudicar alguém: os patrões, no caso das empresas privadas, as administrações e os utentes dos serviços públicos, no caso das empresas e serviços públicos. É através desse prejuízo que, caso se tenham esgotado todas as outras vias de negociação, quem desencadeia a greve pretende forçar a outra parte a poder aproximar-se dos objetivos reivindicados.
Assim, dizer-se que o direito à greve é um direito inerente ao funcionamento de todas as democracias mas, simultaneamente, exigir ou pretender que a greve se desenrole sem provocar prejuízos, ou prejuízos graves, a ninguém é um completo disparate, pois fica sempre a questão de saber quem vai avaliar se os prejuízos são graves ou não.
Naturalmente que se pode recorrer aos tribunais para fazer essa avaliação e tal também está previsto em todas as democracias através de figuras como “os serviços mínimos” ou, em casos mais graves a “requisição civil”.

07 março 2012

Sobre o território também paira uma “cortina de fumo”

Não há qualquer novidade em referir que existe em Portugal um sentimento generalizado de que, desde há várias décadas, o território tem vindo a ser maltratado. Cada governo que chega parece apostado em fazer pior que o anterior, como se todos, por razões desconhecidas, tivessem contas a com ele ajustar. Basta que recordemos as questões relacionadas com a regionalização, com o desenvolvimento urbano, com a reestruturação do poder local, com as finanças regionais e locais, com o investimento de base territorial, etc.

Ora, o território é um elemento estruturante do desenvolvimento; se o tratamos mal, inevitavelmente que ele se vai retrair e deixar de dar a contribuição que dele seria de esperar para o desenvolvimento. E não há desenvolvimento sem território. Lá se encontram as pessoas, os recursos, as potencialidades de desenvolvimento. Se for ignorado, ou menorizado, perdem-se as pessoas, desperdiçam-se os recursos e destroem-se as potencialidades de desenvolvimento, não apenas no território que é “extorcisado”, mas em todo o território, nacional e não só. No entanto, o que importa fazer é tudo menos compatível com voluntarismos apressados e pouco refletidos.

Vêm estas considerações a propósito de uma notícia há dias divulgada nos media, segundo a qual “As comunidades intermunicipais do Alto Minho e da Região de Aveiro têm praticamente concluído o levantamento sobre as áreas que entendem que devem ser transferidas para as comunidades intermunicipais”. Tira-se como conclusão que, por essa via, se vai realizar uma verdadeira revolução do poder local.

Pretendo enquadrar e comentar esta iniciativa, agora, embora em outras ocasiões, quando for julgado oportuno, possa vir a abordar questões diversas, igualmente relacionadas com o território. Várias interrogações devem, a este propósito, ser colocadas:

1. Tem sentido fazer transferências de áreas de competências?

2. Se tem qual é o significado que tem em termos de organização do poder territorial?

As competências que aqui são objeto de transferência são competências que no momento da transferência o são dos municípios. São destinatárias das transferências as comunidades intermunicipais.

O que é que justifica as transferências? Em termos teóricos é o princípio da subsidiariedade. Convém, contudo, explicitar o seu significado, tanto mais que tem sido objeto das mais deturpadas interpretações.

O princípio da subsidiariedade diz-nos que em termos de decisões, cada uma delas deve ser tomada pelo órgão que está mais próximo dos cidadãos. Costuma dizer-se que não devem ser tomadas por um órgão de nível superior as decisões que produzem melhores resultados se forem tomadas por um órgão de nível inferior, que se diz mais próximo dos cidadãos. No entanto esta é só metade da verdade.

Com efeito, a noção de proximidade não significa, necessariamente, proximidade física. Estar próximo significa estar em condições de poder, em condições de eficiência, tomar decisões que produzem os melhores resultados para as pessoas. Isto é, os melhores resultados podem ser mais facilmente obtidos por um órgão de nível superior, que por um órgão de nível inferior. Ou ainda, apesar de se subir de nível aumenta-se a proximidade.

As coisas, contudo, não são assim tão simples porque, como terão notado, todo o raciocínio anterior assenta num pressuposto, que é o de que as decisões serão “melhores”. Fica, assim, colocado o problema de saber quem faz avaliação do que é melhor e do que é pior. Trata-se de uma avaliação que não é técnica, mas política. É aos cidadãos dos territórios envolvidos, ou seus representantes, que compete pronunciar-se sobre um assunto.

É a este movimento de competências “ de cima para baixo” ou de “baixo para cima”, conforme os casos, que se chama descentralização. Mas esta tem uma condição que é a de que as competências transferidas o são a título definitivo, ou sem prazo pré estabelecido. Se o são provisoriamente, isto é, se são delegadas, então não estamos no domínio da descentralização, mas sim no da desconcentração.

Voltemos ao conteúdo da notícia. As competências transferidas já eram dos municípios e portanto nada de novo se cria; apenas, os municípios envolvidos consideraram que era mais eficiente cumprirem as competências transferidas, em conjunto, do que cada uma de per si.

A iniciativa que é objeto da notícia levanta, contudo, um conjunto de outras questões que a não serem equacionadas limitam em muito o alcance da notícia. Podem colocar-se, por ex. as seguintes:

1. As competências transferidas configuram uma decisão de descentralização ou uma decisão de desconcentração?

2. Se se quer dar robustez às comunidades intermunicipais, porque é que simultaneamente não se equaciona a possibilidade de serem transferidas outras competências do estado central, por ex., no domínio dos transportes, do ambiente, da cultura, etc.?

3. Estando as várias escalas de território interrelacionadas (nada do que se passa numa pode ser considerado indiferente ao que se passa em outras), porque é que não se criam, ou não se fazem ajustamentos, em outras escalas de território, por ex., em áreas metropolitanas e em regiões?

4. Qual é o envelope financeiro que está associado às várias iniciativas?

Estamos, assim, bem longe de podermos falar de uma revolução do poder local, antes poderíamos referir uma iniciativa de prestidigitação que, intencionalmente, ou não, só contribui para a sua descredibilização.

Bloqueando o desenvolvimento do território, bloqueia-se o desenvolvimento. Nunca o primeiro poderá ser considerado como um simples adereço do segundo.

Não é pois exagerado dizer que: Sobre o território também paira uma “cortina de fumo”.

28 dezembro 2011

Ainda a "democratização da economia"

No post anterior (anteontem, 26), referi contradições entre essa expressão usada pelo primeiro-ministro (na mensagem de Natal) e as políticas governamentais respeitantes ao trabalho e situações de desemprego, acesso aos cuidados de saúde, redução das desigualdades sociais, privatizações e bem comum.
Mas ecos que a expressão tem tido da parte de alguns comentadores são redutores do seu significado. Parece, com efeito, que segundo essas opiniões, “democratização da economia” equivaleria a “libertação” da actividade económica das peias burocráticas que a tolhem (mas não se caracteriza tal burocracia), de excessos de regulação (mas de que regras se queixam?), de “núcleos de privilégios injustificados” (e quais são?). É claro que abrir o acesso à actividade económica faz parte da “democratização da economia”, mas é muito redutor considerar que ela é apenas ou sobretudo isso.
Sem se pretender apresentar uma “definição” do conceito, talvez valha a pena recordar que o Grupo Economia e Sociedade publicou em 2010, em edição da Comissão Nacional Justiça e Paz um livrinho (69 pp) intitulado “Democracia Económica – Meios e Caminhos”. Da sua 2ª parte consta uma conferência “Da Democracia Política à Democracia Económica” (pp.43-53) proferida pelo Prof. Ladislau Dowbor (economista, professor da Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) em 20/10/2009 na Fundação Calouste Gulbenkian. Constam também os textos de comentários do Dr. José da Silva Lopes e do Dr. João Rodrigues (economista, investigador do CES da Universidade de Coimbra).
Sem apresentar “definições”, destacam-se seguidamente frases sugestivas do que implica democratizar a economia nos processos – de decisão, de informação, de “prestar contas” – e nos recursos utilizados e nos frutos ou resultados esperados:

- “A nossa democracia tem um grande ausente que são as futuras gerações. E outro grande ausente que são os 4 mil milhões de pobres do planeta. E a Natureza é silenciosa, está sendo destruída, sangrada de maneira absolutamente abominável e também silenciosa. É uma democracia, no mínimo, desequilibrada. É por isso que eu defendo que não basta a democracia política, ou seja, cada 4 anos chamam-nos para colocar um papelzinho numa caixinha e dizem que somos livres. Acho que temos de criar processos decisórios que permitam que os recursos sejam utilizados de acordo com as nossas necessidades, os nossos ideais e com a nossa prosaica qualidade de vida. Este é o eixo central do que chamaria um mínimo de ética.” (pag. 46).
- “Quando as decisões são democráticas, quando os diversos actores interessados, os chamados stakeholders são ouvidos, os resultados são mais equilibrados, ou seja, as decisões democráticas são mais eficientes.” (pag.47).

- “O PIB não mede se as pessoas estão a viver melhor. Mede quanto gastamos…Quando não funciona o sistema de lixo, jogam-se pneus e fogões velhos para o rio em São Paulo, por exemplo, o que obriga a prefeitura a contratar empresas para desassorear o rio. São grandes contratos que aumentam o PIB…” (pag.52; em outro texto, Dowbor, a propósito do PIB escreve “estamos fazendo a conta errada”).

- A importância da participação ao nível local é enfatizada assim: “O último ponto que queria citar é que vivemos num local determinado. E é lá que podemos participar. Essa descentralização que encontramos na Suécia, na Dinamarca, no estado de Kerala, em diversas cidades brasileiras é que permite as mudanças que se estão a fazer no sentido mais positivo. Não resolve tudo. Claro que precisamos de políticas nacionais, de sistemas de concertação internacional,etc. Mas, na realidade, é no local que podemos realmente participar.”

E a consciência de que os problemas de dimensão local devem ser foco de actividade económica e de que esta pode ter por objectivo a resolução de problemas sociais (economia social solidária, microcrédito, empresa social ou “social business” nos termos de Muhamad Yunus) são aspectos que a 1ª parte do livrinho acima referido enquadra no contexto mais amplo e complexo da globalização actual, especialmente na conferência do Prof. Mário Murteira (em 28/04/2010) a que deu o título interrogativo “A caminho de uma nova ordem económica?”. Os textos comentários são dos Professores José Castro Caldas e José Manuel Pureza, da Universidade de Coimbra.

(Observações:
- O prof. L. Dowbor desenvolveu o conceito de “democratização da economia” em “Democracia Econômica – alternativas de gestão social”, Editora Vozes, Petrópolis, 2008;
- O livro “Democracia Económica – Meios e Caminhos” tem introdução da Prof.ª Manuela Silva e a coordenadora da sua edição é a Drª Eduarda Ribeiro)

26 dezembro 2011

democratização da economia?!

democratização da economia?!

Ao título acima dou-lhe o subtítulo “estragar palavras”. E os pontos de interrogação e exclamação vêm de não esperar ouvir da boca do actual primeiro-ministro, Passos Coelho, a expressão “democratização da economia”. O meu espanto rapidamente virou indignação. Não é que as palavras tenham dono. Mas certas palavras merecem respeito, não podem ser estragadas ou corrompidas por contradições que raiam a desfaçatez.

Pode ser muito bonito (nomeadamente para mensagem de Natal) dizer (após usar a expressão “democratização da economia”) que “queremos colocar as pessoas…no centro da transformação do País”. Mas não posso aceitar que se diga que é “democratizar a economia”:
1) Desvalorizar brutal e cruelmente o trabalho, quer banalizando o despedimento (o Jornal de Notícias, de 21 do corrente titulava, sugestivamente, como “Despedir a torto e a direito” as medidas governamentais apresentadas em Concertação Social que agravam as condições dos desempregados e facilitam ainda mais o despedimento) quer aumentando o tempo de trabalho - a mais meia hora diária, por exemplo, além de ser economicamente irrelevante, significa o desprezo pelo avanço civilizacional que foi o limite de 8 horas por dia.
2) Penalizar os funcionários públicos e os pensionistas(!) com os cortes de 2 meses de remuneração ou pensão.
3) Agravar o acesso à saúde.
4) Retirar o Estado (que é suposto ser dos cidadãos…) da economia, nomeadamente de sectores estratégicos e essenciais ao bem comum e à qualidade de vida (por exemplo, água e correios- neste particular pense-se em tantas terras em meio rural). Aliás, estas são bem o tipo de reformas que decorrem do princípio “Estado mínimo” e “mercado máximo”. Na cabeça do primeiro-ministro quando usa a expressão “democratização da economia” estará provavelmente “economia democratizada” = “tudo é mercado”…

É certo que lá estará o memorando e a troika, mas tais imposições não foram referidas ao falar das reformas, talvez porque ir além da troika significa a adesão entusiástica à lógica político-económica das medidas do memorando. Mesmo quando é cada vez mais evidente que as desigualdades se agravam e os sacrifícios, mesmo quando se diz que são para todos, para alguns serão sempre insignificantes (em toda a plenitude etimológica!). E, a terminar este “post”, não posso deixar de citar a magnífica crónica de José Vítor Malheiros no Público do passado dia 20 do corrente: ”…Que honra é esta que sobrepõe o dever de pagamento da dívida aos ricos ao dever de alimentar os pobres?...”.

07 outubro 2011

Democratizar a Economia. Travar o Risco de Retrocesso Civilizacional

Se não quisermos correr o risco de um tremendo retrocesso civilizacional e de ver emergirem sérios conflitos sociais, teremos de avançar, com urgência, pelo caminho da democratização da economia, encontrando meios de enquadrar e conter o poder, hoje quase absoluto, do dinheiro e do lucro na condução da economia. Disse-o na minha comunicação no último painel da Conferência “Economia portuguesa: uma economia com futuro”.

Defendo que o desempenho da economia se deve avaliar, antes de mais, através de indicadores que nos mostrem se está a aumentar o nível e a qualidade de vida das pessoas nos territórios onde vivem e querem viver, se a pobreza está a diminuir e tendencialmente a acabar, se a repartição da riqueza e do rendimento é equitativa e não está a agravar-se a sua concentração num pequenos grupo de privilegiados, se há emprego para quem o procura e se os níveis de remuneração e condições  do trabalho estão em correspondência com o custo de vida e a produtividade alcançada, se melhoram os padrões de educação, de saúde e de segurança social de todos os cidadãos e cidadãs, se existe equipamento colectivo de qualidade para satisfazer necessidades sociais básicas, se a coesão social se reforça.

O que se impõe é, pois, uma real inversão de marcha relativamente ao modo de pensar os fins da economia e, concomitantemente, de conceber e avaliar a estratégia que preside às medidas de política económica.

A obsessão com a correcção dos défices e com a dívida passa uma esponja sobre aqueles objectivos, sacrificando-os, mas, ao fazê-lo, a política neo-liberal que vem sendo seguida não logrará sequer alcançar as metas que se propõe ou seja devolver confiança aos mercados e esperar que sejam estes a promover o crescimento económico. Que o digam as notações das agências de rating sempre em baixa e as oscilações do valor dos títulos cotados nas bolsas. Que o digam a fuga de capitais para as operações especulativas em detrimento do investimento na produção. Que o diga o elevado desemprego de recursos humanos irrecuperáveis.

A austeridade implica redução de consumo por parte das famílias com o correspondente abaixamento do seu nível de vida e maior propensão ao empobrecimento. Com este tipo de medidas, também o investimento por parte das empresas diminui, o mesmo sucedendo com o investimento público. Num caso e noutro, com consequentes perdas de receitas para o Estado e crescente dificuldade do mesmo em fazer face ao agravamento de custos sociais inevitáveis.

Não é este, seguramente, o caminho de uma economia respeitadora dos valores da democracia, mas ameaça transformar-se num atalho curto para um retrocesso civilizacional de consequências imprevisíveis. Travar este risco é, a meu ver, uma tarefa inadiável.

12 setembro 2011

Economia Social e Democratização da Economia

Decorre nesta semana um ciclo de conferências sobre a economia social promovido pela CASES. Espera-se desta iniciativa que ela contribua para dar novo impulso à economia social no nosso país.
É bem oportuno que o governo, as autarquias e a sociedade civil dediquem uma redobrada atenção ás potencialidades da economia social, designadamente nestes tempos de crise do modelo capitalista em que são evidentes as falhas do mercado para enfrentar necessidades reais das populações, para assegurar o desenvolvimento e o bem comum e salvaguardar o bom funcionamento das instituições financeiras.
A expressão economia social terá sido utilizada pela primeira vez na obra de Charles Dunoyer, em 1830, no seu Traité d’Économie Sociale, mas, desde o século XVIII, acompanhando os primórdios da industrialização, iam surgindo iniciativas neste domínio.
Para Dunoyer, era claro que a economia social visava um duplo objectivo: corrigir as falhas e insuficiências do mercado e repor o verdadeiro objecto da economia (a organização da utilização dos recursos em ordem aos bem estar das pessoas e da comunidade).
Idêntica concepção e preocupações se encontram num dos clássicos da economia política, J.S Mill, como pode ver-se na sua obra “Princípios de economia política”.
Mais ambicioso é, ainda, o famoso economista suíço, Leon Walras,  no seu livro “Estudos de economia social” (1896) no qual atribui à economia social o papel de introduzir democracia no mecanismo do mercado e concorrer para que o mundo seja “menos capitalista”. Estava-se no final do século XIX e ainda não tinham ocorrido duas grandes guerras com as consequências devastadoras que conhecemos.
O mundo ocidental beneficiou, depois, com os “trinta gloriosos”, anos de forte crescimento económico e prosperidade material, que culminariam com o derrube do socialismo e o aparente triunfo do capitalismo, na sua expressão de economia globalizada e sob a hegemonia do capital financeiro.
Hoje, porém, os tempos são outros e apresentam-se com cores mais sombrias, pois são evidentes os sinais de crise, uma crise que teve início no sistema financeiro e que rapidamente se propagou à economia e é, agora, uma crise sistémica, a exigir reformas estruturais profundas.
Entretanto, a economia social vem fazendo o seu caminho, reforçando o seu papel junto das vítimas da crise e é nesta vertente que é mais conhecida. Contudo, está na hora de promover uma maior penetração da economia social no subsector mercado ou empresarial, forçando, a partir da base, a democratização da empresa capitalista e concorrendo para o melhor funcionamento do mercado, maior equidade na repartição da riqueza e rendimento e sustentabilidade de um desenvolvimento humano e solidário.

11 maio 2011

Portugal nas transições: Integração na deriva periférica ou Identidade própria e valorização da diferença?

Foi lançado no passado dia 9 de Maio, no INDEG, o novo livro de Mário Murteira, “Portugal nas transições, o calendário português desde 1950”.

Trata-se de uma análise do trajecto da economia e da sociedade portuguesa, por alguém que procurou sempre interagir com o seu tempo, quer na política, quer como professor e investigador, quer na participação em missões de assistência técnica em África e consultor de várias organizações internacionais. O seu percurso pessoal e profissional pode ser melhor conhecido através do seu livro de memórias, “Disse bom dia à noite”, uma saborosa “crónica de tempos inesperados”.

Mas, o livro é também uma reflexão sobre a presente conjuntura económica e política e as perspectivas à entrada do século XXI.E que falta nos fazem as vozes dos que procuram encontrar respostas às dificuldades presentes, ao arrepio da cartilha de medidas avulsas, tão incapazes de corresponder aos desafios colocados por um mundo em transformação.

Logo a seguir à apresentação de uma “explicação” do atraso português, são apresentados dois cenários para o possível futuro da economia e da sociedade portuguesa nas próximas décadas. O cenário da Integração na deriva traduz-se afinal “na impotência do Estado-Nação português para construir uma trajectória em conformidade a vontade do poder político democrático, claramente expressa, consistente e durável”. O outro cenário, Identidade própria e valorização da diferença, trata de “desenvolver e reter no país de capacidades individuais meritórias, mais do que seduzir ETN para investimentos em Portugal”.

Este último cenário exige porém que se superem os factores considerados como essenciais no nosso atraso, que Murteira definiu como a ideologia portuguesa, bem como a nossa característica indecisão, para além de elementos tais como: uma rigorosa e actualizada identificação dos nossos recursos, uma visão descentralizada do país, uma mudança de actores e de argumentos para o seu desempenho. Para tanto, são tratados três vectores fundamentais, a saber: diálogo social, papel do Estado e competitividade.

Os leitores são convidados a identificar os pontos críticos da análise e permitir a comparação do que é “possível”, e desejável, embora improvável, e o que é “provável”, embora indesejável.

24 março 2011

NÓ CEGO

A crise política recente junta-se às crises económica e social que se têm acentuado em Portugal nos últimos anos. Mas a descrença na capacidade das instituições e das forças políticas do País para superar tais situações é, porventura, a dimensão mais profunda e preocupante desse acumular de «crises». E não adianta discutir agora quem tem maiores culpas nas últimas peripécias do folhetim político a que assistimos, num crescendo emocional inesperado, aparentemente desencadeado por um amargo discurso do Presidente da República.
Dir-se-ia, em particular, que os partidos representados no Parlamento se enredaram, depois de muitas voltas e maneios, num irremediável «nó cego». Não é certo, nem mesmo provável, que as próximas eleições possam desfazer esse «nó», assegurando maioria absoluta a um só partido. É impressionante, para qualquer observador de boa fé, mas alheio às lutas pelo poder, a capacidade dos líderes dos vários partidos para «falarem sózinhos», como que deslumbrados pela perspicácia única e específica de que se consideram detentores.
E mesmo a aliança centro-direita mais provável que se configura no horizonte nacional não poderá prometer grandes novidades para o futuro e certamente iria garantir uma crescente agitação social numa conjuntura em que não só a dimensão financeira, mas todo o sistema social se aproxima do colapso. Poderá uma iniciativa do algo enigmático Presidente da República abrir horizontes mais luminosos?
O futuro a Deus pertence, como se dizia antigamente. O passado, sofremo-lo (quase) todos, mais ou menos amargurados e conformados. Mas é no presente que somos todos chamados, como cidadãos livres, esclarecidos e de boa fé, a contribuir para desenhar novos horizontes para a democracia em Portugal.
Que não podem ser apenas, nem principalmente, moldados por rigorosas medidas de austeridade (estas, como sabemos, são sempre mais rigorosas para os que estão na base do que para os do topo do sistema social) mas sobretudo por novos meios de inovação económica e social verdadeiramente ao serviço do povo português, e não duma «classe política» desacreditada e, na sua maioria, apoiada em interesses muito particulares.

17 março 2011

A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento


A propósito de uma Cerimónia de Doutoramento (na Universidade de Coimbra, pela sua Faculdade de Economia) que foi a de Amartya Sen, a generalidade das televisões silenciaram-na e a única que a ela se referiu entendeu que, naquele contexto, o mais importante de que importava falar, era a situação na Líbia. A peça, transmitida no passado dia 13, à hora dos telejornais começou assim: ”O Alto-comissário para os refugiados das Nações Unidas pede ajuda urgente e eficaz para os líbios. António Guterres apela ao fim do massacre . . . Declarações feitas em Coimbra à margem de uma cerimonia de doutoramento”.

O que se estava a passar na Líbia, no fim da semana passada e, infelizmente, hoje, não pode deixar de nos provocar e mobilizar para o combate à carnificina promovida por uma ditadura que, com armas pesadas, não hesita em aniquilar o seu povo. Por isso, é importante que se fale da situação da Líbia, a propósito da Líbia, e não à margem de uma cerimónia de doutoramento.

Mas era igualmente importante que à margem, e de preferência sem ser à margem, se falasse da Cerimónia de Doutoramento “Honoris Causa” do Prof. Amartya Sen. Porventura o jornalista, ou quem montou a peça, não soubesse o significado de uma cerimónia de doutoramento “honoris causa” e, muito menos, quem seria o doutorado, mas se o não sabia tinha obrigação de se informar ao que ia. Bem sei que o argumento do ”critério do interesse jornalístico” serve para justificar o comportamento adoptado e muito mais, mas tal não significa que o critério dos cidadãos se deva com isso conformar.

E, então, de quem é que estamos a falar? Amartya Sen é, certamente, um dos mais eminentes humanistas e cientistas da economia do Séc. XX e veremos se não o será, também, do séc. XXI. Pode dizer-se que é, por excelência, o académico brilhante, comprometido com o Mundo.

Amartya Sen foi prémio Nobel da Economia em 1998 mas, mais importante do que isso (o que já é suficientemente importante) são as razões que levaram à atribuição do prémio. Sen é na Academia quem, pelo seu pensamento e contribuições científicas, mais fez para a compreensão da pobreza, das desigualdades, do emprego e das consequências da sua existência para o exercício dos direitos humanos, da liberdade e da justiça.

Todas as suas obras constituem um marco, no avanço da ciência económica mas, também, para o desenvolvimento do progresso humano. Porventura, a sua obra mais notável, na sequência da de Arrow (Social Choice and Individual Values), tenha sido Collective Choice and Social Welfare onde, inequivocamente, demonstrou que, numa economia que procura respeitar as diversidades e preferências individuais, o bem-estar não poderá ser obtido sem a intervenção de um soberano económico, que fixe qual deve ser a função de preferência colectiva que deve ser prosseguida. Isto é, os mercados não se auto regulam. Para poderem ter um papel útil necessitam da intervenção da “política”.

O hoje tão popularizado “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH) tem a sua origem nos trabalhos por ele promovidos no início dos anos 90 e, mesmo que, hoje, lhe possam ser apontadas insuficiências, constituiu e constitui um critério para que ainda se não encontrou substituto, com vista a avaliar o progresso humano, nos diferentes países e que tem vindo a ser usado, sistematicamente, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no seu Relatório Anual.

Sen demonstrou-nos e demonstra-nos que a ciência económica não é uma tecnocracia e que ela só tem sentido se existir para dar resposta aos problemas das pessoas, todas as pessoas e não apenas de algumas pessoas. Tal só é possível num mundo que tenha a ética e a solidariedade como valores orientadores e não como valores subordinados. A vida e a obra de Sen projectam-se sobre o conjunto da humanidade, com uma preocupação permanente de realizar sociedades mais justas e eficientes.

Vale a pena incitar à leitura e reflexão de dois dos seus trabalhos mais recentes: On Ethics and Economics e A Ideia de Justiça (acabado de ser publicado em português).

01 março 2011

Quem Manda No Mediterrâneo?


No tempo da Roma imperial, os romanos chamavam Mare Nostrum ao Mar Mediterrâneo. Eles dominaram com efeito essa zona estratégica, ao Norte e ao Sul, ao Ocidente como a Oriente. É interessante pensar como uma região relativamente pequena do planeta exerceu durante séculos uma influência tão determinante na cultura e nas civilizações criadas pelos seres humanos nas peripécias da sua História. Mas hoje, dos dois lados do Mediterrâneo, tão próximos na Geografia mas aparentemente mais incomunicáveis e separados do que nunca, registam-se profundas convulsões de significado e destino incertos.
Pondo agora entre parêntesis a questão económica, olhemos antes o tema das grandes religiões. O cristianismo foi, durante séculos, a religião marcante do homem ocidental, em particular nos países ditos «desenvolvidos» da Europa e da América. Estima-se que nos começos do século passado, mais de 70% dos cristãos estivessem localizados nos países do Atlântico Norte, e menos de 30% no Sul. Hoje em dia, estas proporções inverteram-se, o Cristianismo murchando nos países de maior pujança económica, em particular na Europa, e renascendo na América do Sul e na África. E o Vaticano, como símbolo do poder formal da Igreja Católica, perdendo significado e relevância.
O islamismo, por outro lado, apresenta-se como a outra grande religião do planeta e, ao contrário do cristianismo, aparenta grande vitalidade, embora surgindo por vezes ao serviço de causas sinistras e usando meios terroristas que, por todo o lado, além do mais servem de pretexto para subordinação da ordem democrática às preocupações de segurança.
Como interpretar neste contexto, a inesperada avalanche de contestação popular em países do Norte de África, diferenciados entre si, mas ao menos tendo de comum regimes autoritários tolerados, ou mesmo apoiados pelas democracias ocidentais? E que agora, com alguma hipocrisia, se apressam a denunciar os abusos desses regimes?
Além do mais, creio tratar-se dum enorme desafio à mais profunda religiosidade do ser humano, seja qual for a expressão formal da mesma.
Pois afinal, trata-se de saber se acreditamos num Deus que é, acima de tudo, garante e suporte da liberdade e da solidariedade humanas ou, pelo contrário, se nos servimos da sua imagem para oprimir, ou mesmo destruir, todos os outros que não servem os nossos interesses.