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20 junho 2012

Bomba atómica ou cheia no Nilo?


Surgiu como uma bomba! Todos acordamos esta manhã com a estrondosa notícia de que, através de dois dos instrumentos de intervenção financeira da União Europeia, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira, se estava a preparar o resgate da Espanha e da Itália, estando para tal disponíveis 750 mil milhões de euros (dez vezes mais do que o que ficou disponível para Portugal, que foram 78 mil milhões). Vamos admitir que é verdade e que a notícia se vem a confirmar.

Há quem diga que se trata de uma consequência das pressões exercidas sobre os dirigentes europeus, na cimeira dos G20, em particular, pelo Presidente Obama. Seja qual for o cozinhado, a notícia poderá ser uma boa notícia, mas ainda pairam muitas nuvens sobre o horizonte. “Gato escaldado de água fria tem medo” !

A notícia tem, aliás um conteúdo confuso. Por um lado, as notícias dos jornais falam-nos de resgate; por outro indicam que os 750 mil milhões de euros servirão para comprar dívida dos Estados no mercado secundário (o mercado onde se compram e vendem títulos que já foram comprados e vendidos no momento da emissão original).

Convém, por isso, clarificar o que significa uma e outra coisa.

Quando se fala em resgate de um país está-se, em geral a referir um país que tendo, em geral, emitido dívida (não necessariamente dívida pública; vide por ex. o resgate dos bancos espanhóis recentemente anunciado) se encontra numa situação em que não pode pagar, nem tem perspetivas de poder vir a pagar, as amortizações e os juros da dívida emitida. Isto tanto é válido para a dívida pública, como para a dívida privada.

O raciocínio “simplório” que habitualmente se faz é o seguinte: se um país não está em condições de pagar a sua dívida e alguém ou alguma instituição se dispõe a dar-lhe a mão, então é natural que esse alguém imponha as suas condições para poder emprestar o que é seu. Essas condições podem traduzir-se, por ex., como aconteceu na Grécia, na Irlanda e em Portugal, pela negociação de programas de comportamento de austeridade (que outro significado não têm que não seja o de abdicação de soberania) que os credores creem ser necessários para poder garantir o retorno do dinheiro emprestado.

Para ajuizarem do razoável dos programas de austeridade ao resgate, imaginem que a Força Aérea era chamada para fazer um resgate de um náufrago em pleno Atlântico e que tendo-o encontrado os pilotos, antes de lançar os cabos de salvação, entendiam que deveriam negociar condições com o náufrago, como por ex. a promessa de que não voltaria a sair para o mar, o pagamento de umas almoçaradas logo que recuperado, etc.

Terá que haver austeridade e será que ela garante mesmo o reembolso do empréstimo? Não tem que haver, como a notícia de hoje o prefigura e o veremos melhor abaixo. Pode ser que garanta, mas a contrapartida é a exaustão dos recursos e da capacidade de criar riqueza do país.  É ao que estamos a assistir em Portugal, embora nos digam todos os dias que o futuro será melhor, já que se estão a tomar as medidas estruturais que permitirão (por obra e graça de um qualquer Belzebu) que o país volte a arrebitar.

Não tenho de modo nenhum essa convicção. No caso português, em que a dívida e os juros são pagos com base nas receitas que o Estado consegue arrecadar, não se vê como é que se contraria a tendência decrescente dessa arrecadação, se quem paga impostos, tem cada vez menor capacidade para os pagar, ou porque não pode, ou porque a eles não está sujeito. Essa capacidade só poderia aumentar se se pusesse o país a crescer, mas isso é coisa para que os responsáveis políticos olham como o fazem algumas mães de um filho indesejado, ao observar a barriga a crescer. 

É verdade que os recursos disponíveis para amortizar a dívida também aumentam com a diminuição da despesa pública, só que nas condições atuais do nosso país não se vê onde é que ela possa diminuir e é muito difícil imaginar que os ganhos de eficiência possam, ainda, vir a ser significativos.

Não se percebe, aliás, como é que na promoção de uma Europa que se quer integrada há quem possa pensar que poderão coexistir países reduzidos à condição de pedintes e países ricos que conseguem a sua riqueza, também, à custa do empobrecimento dos outros.
O crescimento e, por sua via, o desenvolvimento são, por isso, condições necessárias para que se possa falar em sustentabilidade da dívida, a presente e a futura.

Bomba atómica ou cheia no Nilo? (cont.)


De acordo com o raciocínio atrás desenvolvido não é de resgate que parece tratar-se quando os Fundos de Estabilidade financiam operações no mercado da dívida. É verdade que a intervenção no mercado secundário da dívida é um apoio ao Estados em causa, mas essas intervenções não impõem nenhum plano de austeridade. Com efeito, se quem possui os títulos e deles se quer libertar encontra com facilidade quem lhos compre, isso significa que nesse mercado a taxa de juro em vez de aumentar, deve diminuir.

Pergunta-se: porque é que para a Grécia, Irlanda e Portugal é distribuído um prato de lentilhas e para a Espanha e Itália frango da perna? É o tamanho, é o tamanho, meus senhores! Não estou a falar, necessariamente de tamanho físico ou geográfico. Poder-se-á, ainda argumentar que as situações não são idênticas.

Argumento falso. Em Portugal, por ex., em 2011 o deficit público foi estimado em 4,2 do PIB e a dívida pública em 107,8 %, também do PIB. Em 2008 era de 71,6%, em 2009 de 83,1 e em 2010 de 93,3 %. Seria bom que nos interrogássemos porque é que o crescimento da dívida se deve ao crescimento dos juros que lhe estão associados e sobre as razões porque é que tal acontece.

Na União Monetária, quando a capacidade de reembolso da dívida é posta em causa, faz toda a diferença, ser pequeno ou ser grande. É o mesmo que quando estamos perante uma gangrena; o corpo todo estremece de modo diferente consoante a perspetiva é cortar um dedo ou cortar a perna toda.

Não há dúvida de que a insolvência põe em causa os fundamentos da existência da moeda única, mas é claro que essa situação é diferente conforme se trata de um país grande ou pequeno. Evidentemente que ela não deveria existir no seio de uma verdadeira União Monetária porque, se houvesse riscos de acontecer, os países se deveriam socorrer uns aos outros, tal como se verifica com as várias regiões de um país em que existem capacidades de solvabilidade diferentes. 

Como é que alguém poderá ter pensado que iria haver em Espanha e na Itália, uma troika como houve em Portugal? Tratar estes dois países, do mesmo modo que se tratou dos três iniciais, lançaria o pânico no mercado financeiro, não do lado dos investidores (porque esses arranjarão, sempre, como se tem visto, maneira de garantir o seu), mas do lado de quem aí coloca dívida, ou pode vir a colocar, e não tem possibilidade de com aqueles medir forças.

De algum modo este novo figurino já estava a ser prefigurado com o anúncio do “resgate” aos bancos espanhóis. Não se foi diretamente à dívida pública, foi-se aos bancos, em primeiro lugar, procurando, desse modo, proteger a sustentabilidade do “Reino de Sua Majestade”, embora tendo como garante o Estado. Trata-se, por isso, de dívida soberana, mas não foi anunciado nenhum programa de austeridade, talvez porque os bancos fazem parte da família.

E não há outras soluções? Claro que há, mas para isso seria necessário que se superasse a escassez de vistas dominante, revendo o Tratado de Maastricht e tornando viável a intervenção do Banco Central Europeu no mercado primário, comprando e vendendo dívida aos Estados, como em grande medida acontecia com os Bancos Centrais de cada um dos países, antes de os Estados do euro terem abdicado das suas competências monetárias a favor do Banco Central Europeu. Deu-se com uma mão e, em retorno, não se obteve nada, nem com essa mão, nem com a outra.

Não tenho dúvidas de que todas as emboscadas que o mercado financeiro (atuando a uma escala planetária) tem vindo a preparar e a impor  têm um objetivo principal: a destruição do euro. Um euro forte e com autonomia, em relação ao dólar, é, certamente um obstáculo ao devastador avanço  dos vândalos.

Os países do euro que não perceberam isto (vide Alemanha) pensaram que estariam imunes aos ataques e que sempre sobreviveriam. Passaram a ter dúvidas quando o mercado financeiro bateu à porta da Espanha e da Itália. Veremos agora se saberão ser suficientemente perspicazes para se protegerem da enxurrada, adotando e reforçando medidas como as agora anunciadas. Têm, afinal que perceber que se houver naufrágio, dos corpos só se aproveitarão os cadáveres e os deles também aí estarão incluídos.

Face a este novo modelo de intervenção, resta, ainda saber se as condições anteriormente impostas aos três países originais permanecerão como estão, ou se continuaremos com a arrogância do “não precisamos de negociar prazos, nem condições de reembolso dos empréstimos".

Finalmente, o título deste post. Naturalmente, que se estivermos perante uma bomba atómica o futuro será um futuro de destruição. Se se tratar da cheia do Nilo, talvez possamos esperar que quando as águas descerem encontremos elementos de fertilização suficientes para que a esperança de que o desenvolvimento aconteça possa ser uma realidade.

18 abril 2012

A Propósito do Tratado Orçamental Europeu

A incerteza acerca do futuro da economia europeia e da possibilidade de manter íntegra a zona euro contrasta com a convicção com que os actuais dirigentes europeus têm defendido políticas de austeridade, apesar do seu impacto recessivo na economia e a subida brutal do desemprego – consequências estas mais do que previsíveis desde o início.


Prevalece a noção, que muitos economistas têm denunciado como falaciosa, de que uma restrição do deficit e da dívida pública assegura que as forças de mercado são capazes de dinamizar o crescimento económico equilibrado.


Parece esquecida a análise da génese da crise económica, que a revelou como uma crise global e sistémica, que só reformas profundas, em particular as dirigidas a disciplinar o sistema financeiro, poderiam resolver.


Não é este, infelizmente, o caminho que tem sido seguido pelas instâncias internacionais e pelos governos, incluindo os europeus.


Após 15 anos de vigência do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que impôs regras de disciplina orçamental, pelo estabelecimento de limites ao deficit e à dívida pública em percentagem do PIB, sem atender às diferentes capacidades de desenvolvimento dos estados-membros da U.E., e impedidos estes, mais tarde, com a adesão ao Euro, de usar o mecanismo da desvalorização monetária, não se criaram as condições necessárias para um crescimento harmonioso da economia europeia refém de um paradigma ultraliberal.


Agora,em vez do reforço da coordenação económica na U.E., como se impunha para fazer face à crise, o que acaba de se anunciar é a aprovação de um Tratado Orçamental Europeu com vista a um controlo orçamental muito exigente, instituindo mecanismos de penalização automática para os Estados prevaricadores.


Alega-se a inevitabilidade de adesão a estas regras para que não aconteça o fechar do acesso às fontes de financiamento e que seria inútil discutir o assunto.


Regras fundamentais da democracia ditam, pelo contrário, que os responsáveis sejam chamados a explicar quais as consequências das decisões que tomam e o que se propõem para defender os direitos dos cidadãos que representam.


Está em causa a aceitação de regras reforçadas de controlo orçamental, cuja observância depende, em grande parte, de factores de ordem exógena às decisões de um governo. Em consequência, as medidas de austeridade serão ainda mais gravosas; a recessão económica será ainda mais pronunciada; a pobreza, as desigualdades e o desemprego vão aumentar e perde-se o sentido de coesão. E, afinal, pode ficar em risco a capacidade de cumprir as obrigações de serviço da dívida, receio que até já os mercados financeiros têm vindo a manifestar.


Será possível manter por mais tempo a submissão da política europeia a regras ditadas por interesses de algumas minorias, pela perda do ideal da solidariedade europeia e pelo inquinar da teoria macroeconómica por ideologias que têm provado não favorecer um desenvolvimento equilibrado?


Se esta é uma visão pessimista, onde estão os argumentos que nos convençam do contrário?

08 dezembro 2011

Chegou o Inverno e os Srs. Marqueses insistem em manter janelas e portas abertas

Disseram-lhes que, mesmo no Inverno, deveriam manter as portas e janelas escancaradas, porque isso trazia ar fresco, limpava os pulmões e dava energia revigorada. Argumentaram que a “livre circulação” era uma virtude.

Os Srs. Marqueses acreditaram no que lhes tinha sido dito e deram instruções aos seus familiares e subordinados para manterem a livre circulação. A recomendação apresentava-se como credível porque, dizia-se, estava fundamentada em investigações científicas aprofundadas, realizadas na Universidade de Chicago (Escola de Chicago) por um cientista de nome Milton Friedman e pelos seus “rapazes”.

No palácio, nem toda a gente quis cumprir, de ânimo leve, estas recomendações, mas com mais ameaça, ou menos ameaça todos se renderam às instruções da Sr.ª Marquesa (Ângela) e do Sr. Marquês (Nicolau). Aliás, a Marquesa era a maior defensora das novas teorias; o marquês limitava-se a seguir-lhe os passos.

Sabia-se que algumas das pessoas que viviam no palácio, eram mais frágeis e se poderiam vir a constipar com as correntes de ar frio, com mais facilidade que outras, mas isso não era considerado problema demasiado sério. É certo que os que poderiam apanhar gripe iriam passar um mau bocado mas, mesmo assim, valia a pena correr o risco porque, no fim, todos lucrariam com os bons ares que continuamente limpavam o palácio de todos os maus vírus.

A grande surpresa estaria para vir. É que, a percentagem das pessoas infectadas pelo vírus veio a revelar-se muito mais elevada do que o que era inicialmente previsto. E rapidamente se transmitiu a quase toda a gente. O efeito de contágio estava a gerar uma epidemia.

Em certa altura, apesar de todas as vitaminas que tinham tomado, até os marqueses começaram a ter dores de cabeça, mas insistiam que as suas causas não estavam na livre circulação mas, antes, nos desmandos da criadagem que nas férias de Verão se tinham fartado de passear e gastar dinheiro e, agora, não tinham dinheiro para comprar os agasalhos necessários. Os marqueses viram-se obrigados a adiantar dinheiro para os agasalhos, mas a epidemia grassava cada vez com mais intensidade. Que fazer, então?

Gerou-se grande discussão, mas os marqueses insistiam na sua de manter portas e janelas abertas. Houve quem se começasse a pôr a questão de saber porque é que a livre circulação trazia consequências que não tinham sido previstos pela Escola de Chicago e pelos seus animadores?

Desde há muito era do senso comum que o ano se desenvolvia segundo um ciclo de estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno) e que durante cada uma das estações havia comportamentos diversificados, de modo a que cada um pudesse dai retirar os maiores benefícios. Por isso, não fazia muito sentido que no Inverno se semeassem os cereais, se andasse a comer cerejas e se mantivessem as portas e janelas abertas. Daí não viriam, certamente, bons resultados. Isto é, as várias fases do ciclo económico não podem ser tratadas, todas, com as mesmas políticas.

Creio que já terão compreendido que a alegoria que acaba de ser descrita é como que a de um pequeno presépio da situação económico-financeira que hoje se verifica na Euro Zona. Nos próximos dias vai-se realizar uma Cimeira para a qual é anunciada a tomada de decisões importantes que poderão implicar a revisão dos Tratados.

Bem precisam os Tratados de ser revistos, mas não é, certamente, no sentido de que se vem falando, ou seja o de impedir que a criadagem seja “libertina” durante o Verão, obrigando-a a que no código de conduta de cada um fique inscrito o compromisso de renúncia à libertinagem.

Com efeito, nunca a vida no palácio passará a ser robusta e salutar se ela não tiver como fundamento os princípios da vida em comunidade, em que todos sabem que precisam de todos e em que, as decisões que vierem a ser tomadas, o têm que ser, no pressuposto de que, com mais ou menos tempo, o que hoje é mau para uns o será mais tarde, também, para os restantes.

Daí que se deva irradiar do clima das discussões a ideia de que para que os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) se salvem será necessário que países como a Alemanha façam sacrifícios. Em primeiro lugar, porque está longe de ser verdade que esses sacrifícios existam; em segundo, porque mesmo que existissem eles não poderiam deixar de ser encarados como investimento, cujos frutos serão colhidos no futuro.

Chegados aqui, a pergunta é: mas então o que é que se propõe ou deveria ser proposto para que o futuro da Europa se tornasse sustentável? São essas as propostas que deveriam fornecer a substância da revisão dos Tratados.

Este post já não contem espaço que permita que se avance na reflexão sobre essas propostas. Fá-lo-ei num próximo.

02 dezembro 2011

Algumas coisas sobre a “dívida” que você gostaria de saber e que porventura ainda não sabe

De entre um conjunto de países em que se incluem, a Alemanha, a Espanha, os EUA, a França, a Grécia, a Irlanda, a Itália, o Japão, Portugal e o UK, Portugal é o país que, em valores absolutos, possui a dívida externa mais baixa. A alemã é 10,5 vezes superior à portuguesa, a do UK é 18,3 vezes superior e a dos EUA 27,3 vezes superior.

Se em vez do total da dívida externa, tomarmos apenas a dívida pública, Portugal continua a ser o país com menor montante de dívida, seguido da Grécia, Espanha, UK, Itália, França, Alemanha, Japão e EUA.

É verdade que não tem muito sentido compararmos a dívida em valor absoluto mas, mesmo assim, não é totalmente despiciendo fazê-lo, já que por aí vai correndo a ideia de que a dívida nos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) ultrapassa todos os limites, o que pode levar muitos dos leitores a pensar que se trata dos valores absolutos.

Vejamos então indicadores mais sensatos como o da dívida per capita. Surpresa: a Espanha, a Alemanha, a França e o UK possuem dívidas per capita superiores à portuguesa; a Grécia, os EUA, a Itália e o Japão possuem dívidas mais baixas. No entanto, por ex., a dívida portuguesa é, apenas 8% superior à dos EUA; em sentido contrário, a da Alemanha, é superior à de Portugal, em 33%, a da França 74%, a do UK, 208%, etc.

Uma outra questão interessante é a de saber qual é o peso das dívida pública no total da divida externa: em Portugal é de 42%, na Alemanha é de 47%, na Grécia é de 66%, nos EUA é de 99%.

Tudo isto parece muito estranho, pelo menos quando comparado com a empastada informação que nos tem sido transmitida.

Tudo isto e muito mais pode ser encontrado aqui. Este aqui é a BBC.

Alguma da explicação para esta perplexidade poderá ser encontrada se, no sítio acima referido, formos ver quem é que possui a dívida de cada um dos países, nomedamente a dos PIGS.

Cá está o tal efeito “sistémico”!

05 agosto 2011

Hamster impossível

Lembrada de que a imagem vale mais do que mil palavras, proponho que vejam este pequeno .filme e depois pensem nas lições do hamster impossível e actuem em conformidade.
Claro que qualquer semelhança com a nossa realidade de crise sistémica não é pura coincidência

02 junho 2011

A Eurozona sob Fogo Cruzado e a Dívida Portuguesa

Num artigo ontem publicado no Finantial Times, o reputado economista Martin Wolf equaciona, com grande acuidade e dramatismo, as escolhas que, presentemente, se colocam aos decisores da eurozona.

Trata-se de mais uma voz qualificada que vem pôr em evidência a camisa de onze varas em que o sistema financeiro europeu se encontra, incapaz de fazer face à crise bancária e financeira e suas sequelas nos países que partilham a moeda única.

Os princípios que regem o Banco Central europeu e de modo geral toda a arquitectura do sistema monetário europeu não permitem responder nem às necessidades de financiamento da economia real nem fazer face aos défices das contas públicas com que se defrontam muitos dos países da União.

A ausência de um mecanismo de último recurso associado à falta de uma política económica comum entrega aos mercados a provisão das necessidades de financiamento das economias (Estado e particulares) mais endividadas, com pesadas consequências quanto ao custo do dinheiro por parte dos devedores e ao agravamento dos riscos de recuperação desses créditos por parte dos credores. Não serve nem a uns nem a outros.

Acresce que as regras de livre circulação monetária dentro da eurozona, dada a forte desigualdade da situação em que, presentemente, se encontram os distintos sistemas bancários e financeiros nacionais, pode ainda provocar fugas de capital das economias mais expostas ao risco para as mais sólidas, agravando a posição de fragilidade das primeiras.

Assim sendo, Martin Wolf não hesita em afirmar que a eurozona está hoje confrontada com duas opções intoleráveis: a sua falência total ou pelo menos a dissolução parcial ou, em alternativa, a criação de um suporte oficial de último recurso ilimitado.

Na opinião de Martin Wolf, um tal dilema prova que a União não se poderá manter com a sua actual arquitectura a menos que se encontre uma integração financeira mais profunda e um mais amplo suporte fiscal do que o inicialmente previsto.

Num tal contexto, não parece desrazoável manter em aberto a necessidade de uma futura renegociação da dívida portuguesa.

12 abril 2011

Uma Acção de Cidadania - Denúncia acerca de três Agências de Rating

Foi ontem entregue na Procuradoria Geral da República uma denúncia do comportamento das três maiores agências de rating em relação às suas notações relativamente ao Estado português e aos bancos sediados em território nacional.

Causou surpresa o facto de, em poucos dias, as referidas agências terem baixado as suas notações sem que se conheçam os fundamentos com que o fizeram. O Presidente da República chegou a dizer que tais notações revelavam um enorme exagero na avaliação do risco de crédito.

Nem a crise política, normal em democracia, nem a evolução da capacidade produtiva do País, que não se altera em 24 ou 48 horas, justificam os cortes drásticos recentemente verificados. Há, pois, que procurar outras causas e ver o que está por detrás destes comportamentos.

Três razões objectivas justificam dúvidas: o elevado grau de concentração das três maiores agências de rating, todas americanas e que, no conjunto, detêm mais de 90% do seu respectivo mercado; a possível conflitualidade de interesses, devida à presença de empresas de gestão de fundos na estrutura do capital accionista em duas dessas empresas de rating (num caso, em posição de accionista maioritário) e a falta de transparência por ocultação de critérios em que se baseiam as notações.

Podemos perguntar: a quem aproveita a severidade nos ratings da dívida da República e dos bancos portugueses? A resposta é simples: em primeiro lugar, serve os interesses dos especuladores que vêem as suas possibilidades de lucro aumentadas pelo simples facto da subida dos juros; serve também a uma estratégia de enfraquecimento do euro face ao dólar ou mesmo ao propósito de ressuscitar a moeda americana como único meio de pagamento internacional, conveniente, entre outras razões, para fazer face à elevada dívida pública americana contraída no exterior.

O mais grave é que estes ratings têm efeitos devastadores sobre o acesso ao crédito por parte das pessoas, do Estado e das empresas do nosso País e constituem também uma rampa de lançamento para justificar políticas de austeridade que impedem um desenvolvimento humano sustentável.

Para saber mais consulte http://www.peticaopublica.com/?pi=denuncia. Se concordar pode dar o seu apoio, subscrevendo esta acção.





28 fevereiro 2011

A Hora da Verdade - a Imperativa Mudança de Paradigma

De há muito que algumas vozes conceituadas no mundo académico e não só vêm alertando os líderes políticos para os limites do crescimento económico. Contudo, quer os governos nacionais e, no caso da Europa, as estruturas comunitárias quer as organizações de governação supra nacionais parecem não dar ouvidos a estas advertências, desqualificando-as e adiando eventuais soluções para futuros incertos e longínquos.

Até quando a economia continuará a ficar dependente do crescimento económico e este assente num modelo energético, a vários títulos, insustentável?

A recente subida do preço do barril de petróleo, para patamares até há pouco inimagináveis, e os valores previsíveis para os próximos meses vêm colocar, mais uma vez, de sobreaviso a comunidade mundial.

Investigadores competentes, como Richard Heinberg, adverte que esta nova escalada de preços não se deve apenas à turbulência política que se vive em alguns dos países produtores, mas é, sobretudo, uma consequência do próximo esgotamento de reservas de petróleo em jazidas de menores custos de exploração. Doravante, a obtenção do mesmo barril de petróleo exigirá um custo de extracção muito superior àquele que hoje conhecemos. E, assim sendo, as consequências para esta economia serão de monta.

Considerando o peso do petróleo no modelo de crescimento económico que conhecemos (impacto na produção de energia, mas também nos transportes, como enquanto matéria prima de muitas indústrias e uso directo ou indirecto numa agricultura fortemente intensiva em energia), a hora da verdade vai exigir dos responsáveis políticos que dêem às populações dos seus países e áreas de influência sinais concretos de que o crescimento económico não é ilimitado e nem sequer é sustentável a médio prazo o patamar actualmente alcançado. Estas são aparentemente más notícias que os governantes temem dar aos seus concidadãos, mas, se o não fizerem atempadamente e de modo pedagógico, apresentando e viabilizando alternativas de melhor qualidade de vida não dependente de mais consumo e de sistemas produtivos intensivas em petróleo, ver-se-ão obrigados a ter de enfrentar altos níveis de perigosa conflitualidade, entre outras razões, por uma situação tão básica como a previsível escassez de bens alimentares acompanhada de aumentos significativos dos respectivos preços.

Estes são os cenários que temos pela frente para a próxima década. Por isso esta é a hora da verdade para a qual todos estamos convocados/as.

È bom que os sistemas estatísticos que servem de suporte à fundamentação da política económica e à avaliação do seu desempenho comecem, pois, a substituir os indicadores habituais centrados nas taxas de crescimento económico por outros que traduzam a qualidade de vida das pessoas e a sustentabilidade da economia.

03 fevereiro 2011

Por Onde Vai o “Estado Social”?

Há períodos, mais ou menos longos, na história dos países e dos povos em que a realidade socioeconómica e as instituições que a enquadram permanecem relativamente estáticas; mas existem outros tempos em que as alterações são tão profundas e rápidas que propiciam a emergência de uma nova época. Penso que é esta a situação em que, presentemente, nos encontramos na Europa e, designadamente, em Portugal.

A crise do sector financeiro, que eclodiu no verão de 2007 nos EUA, em breve se propagou a outros países e passou a assumir contornos de crise económica e social que abalaram os alicerces de todo o sistema, sendo hoje justamente reconhecida como apresentando características de crise sistémica.

Os governos nacionais e as instâncias internacionais foram obrigados a reagir; e têm-no feito em defesa da sustentação dos chamados mercados, indo ao encontro dos seus respectivos interesses. Por exemplo, injectando capital público em bancos insolventes.

Paradoxalmente, com os argumentos da escassez de recursos ou da eficiência do mercado em detrimento da administração pública, vêm sendo reduzidos a mínimos os conteúdos do “estado social”, com a concomitante limitação do papel do estado em domínios fundamentais do bem-estar individual e colectivo. Do mesmo modo, paulatinamente, em alguns sectores de opinião e de liderança política, se vem pondo em questão o próprio modelo do “estado social”.

Admito que o modelo que conhecemos carece ser repensado em função de actuais constrangimentos, em conjugação com novas potencialidades e com o aprofundamento dos valores próprios da nossa civilização e cultura, mas sei que não cabe aos chamados mercados ditarem as soluções desejáveis para a construção do nosso futuro colectivo, pese embora a influência que vão exercendo a nível do pensamento dominante através da tecno-estrutura que os serve e dos fóruns de discussão com que alimentam os média e estes, por sua vez, a opinião pública.

Compete, certamente, aos governantes escutar a voz das pessoas, acolher e interpretar os seus gritos de mal-estar (o desemprego, a desigualdade, a pobreza, por exemplo), ir ao encontro de legítimas aspirações de progresso material e civilizacional de toda a comunidade, promover a sustentabilidade e a coesão social, honrando a sua legitimidade democrática e por isso cabe-lhes aperfeiçoar o modelo de “estado social”, mas não desconfigurá-lo.

Nesta transição, inevitável, creio, a definição das trajectórias a seguir assume particular importância, e nela deve empenhar-se, lucidamente, o conjunto dos cidadãos e cidadãs. Por isso aqui deixo a interrogação: Por onde vai o “estado social”?

05 janeiro 2011

Crise e Regulação Financeira

O Grupo Economia e Sociedade (GES) da Comissão Nacional Justiça e Paz, acaba de trazer a público um pequeno livro com o título “ Crise e Regulação Financeira”.

A gravidade da crise financeira e o seu impacto nos vários espaços económicos mundiais, nomeadamente fenómenos de desemprego, estagnação e desequilíbrios orçamentais e nas contas externas, motivaram o GES a reflectir sobre o tema da regulação financeira e a convidar para o debater um conjunto de pessoas especialmente qualificadas, cujos pontos de vista se encontram nesta publicação.

Como é sabido, os problemas referidos não se encontram de todo resolvidos à escala global, nem a U. E. se tem mostrado capaz de os enfrentar eficazmente.

Perante uma séria ameaça à zona euro, que alguns economistas consideram já de sobrevivência duvidosa, é lamentável que a U.E. aposte, sobretudo, em políticas assentes em apoios financeiros a alguns estados membros em maiores dificuldades, ao mesmo tempo que lhes impõe um rápido reequilíbrio orçamental e reformas estruturais com evidentes efeitos recessivos.

De facto, tem vindo a tornar-se cada vez mais evidente que só uma mais forte integração europeia e a adopção de medidas de coordenação das economias teriam a possibilidade de salvaguardar o futuro do projecto europeu.

Enquanto a U.E. não opta por este caminho o poder dos mercados financeiros parece fortalecer-se cada vez mais, ditando as regras do jogo perante a submissão dos Estados.

Com a divulgação deste livro desejamos contribuir para que as questões em aberto na reforma do sistema financeiro, que a todos interessa, sejam devidamente ponderadas por aqueles que têm especial responsabilidade, designadamente as instâncias políticas, nacionais e comunitárias, o mundo académico e o profissional.

20 dezembro 2010

Conversemos a sério sobre a Saúde

A necessidade de reforma dos sistemas de saúde tem sido, nos últimos tempos, abordada por vários autores, alguns deles com escasso conhecimento da matéria.

Ora o risco de degradação do Sistema de Saúde português, com as dificuldades já patentes no orçamento da saúde para 2011, que algum marketing aproveita para vender a “miragem” de modelos incompatíveis com a coesão social (como, por exemplo, os que defendem uma certa concepção de livre escolha em matéria de cuidados de saúde, só acessível aos mais afluentes), torna da maior urgência uma séria reflexão por parte de todos nós.

Por isso é irrecusável o convite à reflexão e ao compromisso exigente com o bem comum, como é apresentado por Constantino Sakellarides, no livro que recentemente publicou: Novo Contrato Social da Saúde – Incluir as pessoas.

Compromisso exigente pelo que pressupõe de procura de equilíbrio entre o interesse individual e o bem comum; compromisso exigente porque não se satisfaz com um acordo pontual, antes implica uma permanente atenção à forma como ele é posto em prática, algo que temos tendência a subvalorizar.

No conjunto dos doze “sítios” em que nos podemos sentar a conversar que o autor nos apresenta, encontra-se espaço para a intervenção de todos os agentes relevantes do sector, incluindo as pessoas comuns chamadas ao exercício responsável da cidadania.

Como ficarmos alheios à distribuição dos recursos na saúde?

Como não sermos claros acerca do que esperamos do desempenho do sistema de saúde e como tomarmos consciência do possível?

Porquê não incentivarmos parcerias locais, intersectoriais, para alcançar metas relevantes para a saúde?

Como não aceitar o desafio de uma melhor capacitação de todos nós em saúde?

A procura de um “novo contrato social para a saúde” que reforce os valores de “solidariedade”, “previdência” e “coesão social” como referências civilizacionais essenciais de uma “sociedade de bem-estar” inclusiva, compatível com um crescimento económico centrado na qualificação é o cenário apresentado por Constantino Sakellarides que nos interessa ajudar a construir.

13 dezembro 2010

"A economia sem muros" – um contributo à mudança necessária

Organizadores e autores de A economia sem muros são personalidades do mundo académico que não precisam do contributo deste blogue para dar a conhecer esta sua obra, em boa hora publicada pela Almedina, de colaboração com o CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Faço-o, porém, por duas ordens de razões:

• uma profunda convicção fundada na reflexão sobre o evoluir da realidade económica de que a Economia enquanto conhecimento científico carece de uma transformação radical dos seus respectivos fundamentos, por forma a não se deixar avassalar e dominar pela crematística (tema bem desenvolvido por José Caldas no seu artigo, incluído neste livro, Economia e crematística dois mil anos depois);

• um entendimento de que o agir económico que conhecemos, às diferentes escalas do território, mantém com a Ciência um efeito de espelho, ou seja condiciona instituições e saber e, por sua vez, é condicionado por estes, sendo certo que, presentemente, este agir económico já ultrapassou as fronteiras do aceitável à luz de critérios éticos e de sustentabilidade ambiental e política.

Dito por outras palavras: a casa comum em que habita a Humanidade no termo da primeira década do século XXI, encontra-se numa profunda e extensiva desordem a que só uma Ciência do económico, profundamente renovada, poderá oferecer as indispensáveis propostas inovadoras.

A recente tomada de posição Para uma nova Economia, promovida pelo Grupo Economia e Sociedade da Comissão Nacional Justiça e Paz, faz-se eco desta mesma problemática e propõe novos rumos para a política económica nacional e comunitária. Por isso, tem merecido uma adesão tão pronta de académicos e de gente comum para quem esta questão é suficientemente grave e urgente para justificar adesão e apoio.

Obras como a referenciada permitem alargar as fronteiras do debate sobre o Pensamento económico e, por essa via, incentivar a busca de alternativas ao paradigma dominante que sejam potenciadoras de novos quadros de referência para a configuração de novas instituições e novas estruturas económicas mais consentâneas com um desenvolvimento humano sustentável. 

09 dezembro 2010

A nova Economia dispensa rótulos.

Na recente tomada de posição Para uma nova Economia, defende-se que é necessário (indispensável, diria!) abrir espaço de debate a distintas correntes de pensamento económico, contrariando, assim, o pressuposto ideológico de um pensamento único de cariz neo-liberal, que tão poderosamente tem influenciado - e continua a influenciar - a tomada de decisão política, com as desastrosas consequências económicas e sociais a que vamos assistindo.

Não são de hoje as vozes de eminentes cultores da Ciência económica que têm denunciado uma visão unilateral da mesma e têm formulado sérias críticas aos respectivos pressupostos; contudo, as suas vozes dificilmente encontram espaço para se fazerem ouvir, nomeadamente nos palcos da decisão política, da Administração Pública ou no mundo empresarial, todos eles unidos em santa aliança de defesa dos interesses estabelecidos.

Esta situação parece estar a mudar, como podemos deduzir dos sinais de maior abertura e pluralismo de opinião por parte de algumas publicações, como o Times, o NYT e outras.

É que o tsunami, que se levantou no sistema económico e financeiro mundial, desencadeado pela crise despoletada nos Estados Unidos no verão de 2007, e as suas trágicas consequências, vêm, agora, abrir espaço a que se façam ouvir vozes diferentes das que defendem a todo o custo o modelo vigente, sem cuidarem dos custos sociais que decorrem das medidas preconizadas que nele se apoiam e sem darem conta dos estrangulamentos que asfixiam o próprio sistema produtivo de muitos países.

Que se defenda uma Ciência Económica que vise o bem-estar individual e a qualidade de vida das pessoas, que promova o aproveitamento e o desenvolvimento dos recursos locais existentes, que cuide da equidade na repartição do rendimento, erradique a pobreza e sustente a coesão social, que redireccione o sistema financeiro de modo a colocá-lo ao serviço da economia e esta, por sua vez, ao serviço dos cidadãos e cidadãs – são objectivos que não merecem rótulos de esquerda ou direita.

O que, presentemente, está em causa é um projecto de civilização que evite a barbárie e salvaguarde a democracia. Ou seja: estamos todos confrontados com um enorme desafio para o qual as receitas do passado, sejam de direita ou de esquerda, não trazem solução.

É a hora de nos entendermos sobre objectivos democraticamente definidos e contratualizados e esquecermos rótulos arcaicos de direita e esquerda que confundem mais do que esclarecem.

01 dezembro 2010

"Afinal Vale a Pena Protestar!"
...e não desistir de procurar outras propostas

Dizia o Semanário Sol, em edição publicado há já alguns dias, que os salários iam baixar, os horários aumentar, o 13º e 14º meses ficar em causa, a idade da reforma passar para os 70anos, o rendimento mínimo garantido reduzir drasticamente, o subsídio de desemprego diminuir, a acumulação de reformas ficar limitadíssima. Em suma, “muitas das conquistas dos trabalhadores na Europa, obtidas no pós-guerra, iriam regredir”. Em conclusão, teríamos de nos “adaptar à nova situação, o que significa de uma maneira simples trabalhar mais e ganhar menos”. A finalizar, “Preparem-se porque não vale a pena protestar. O que não tem remédio, remediado está”.
De facto, se os remédios adoptados forem os preconizados e postos já em andamento, de acordo com as prescrições dos Ministros das Finanças da União Europeia, será mesmo isso que vai acontecer. O que é nefasta é a convicção, que paulatinamente vai tomando a opinião pública, de que não há outras receitas para lidar com a crise, senão as que nos são proposta pela ideologia dominante.
A ideia de que as medidas que estão a ser tomadas, no país e a nível europeu, são inelutáveis não impedem, porém, que se aceite com naturalidade que os dividendos sejam levantados antes de tempo, para que não sejam confrontados com as restrições impostas pelo OE de 2011, ou que as remunerações dos altos quadros de algumas empresas públicas não sofram qualquer redução, ao
contrário do que vai acontecer com as dos restantes trabalhadores.
Ora, o que desde há muito tempo está a acontecer é que os lucros avultados e as hiper-remunerações coincidem com o peso crescente, em termos percentuais, das remunerações mais baixas, agravado pela crescente precarização do trabalho, mesmo em relação à mão de obra mais qualificada, como é o caso dos jovens diplomados.
No entanto, importa não esquecer que o mérito de muitos gestores de topo se encontra, em larga medida, disseminado por outros profissionais. Por outro lado, a ligação entre remunerações e cumprimento dos objectivos da empresa nem sempre é inquestionável, para já não falar do processo de fixação desses objectivos, bem como da necessária articulação entre as metas de curto e de médio e longo prazo. De referir também a instrumentalização e até exploração dos trabalhadores pelos titulares dos dividendos e das remunerações excessivas. Basta olhar para as tese do “emagrecimento” das empresas, em termos de pessoal e do poder dos trabalhadores, ao provocarem despedimentos, precarização, outsourcing, etc., em moldes que, em muitos casos, denotam falta de hombridade e de competência na gestão dos recursos humanos.
Daí que importe afinal protestar e não desistir de procurar e ensaiar outras propostas.

30 novembro 2010

Economia social e desenvolvimento local
- Uma combinação virtuosa

Nos últimos dias, a comunicação social tem trazido ao conhecimento público testemunhos de generosidade e solidariedade com os mais pobres, exemplos que não devem ser subestimados. Também ficamos a perceber que a população portuguesa está cada vez mais consciente de que esta crise e as medidas que vêm sendo adoptadas para a enfrentar trazem consigo maior empobrecimento para os que já eram pobres e nova e inesperada pobreza material para muitos outros que, ainda há pouco tempo, viviam com desafogo económico. Porque mais informados e conscientes, os portugueses e as portuguesas mostram-se mais propensos à ajuda ao próximo, o que é de louvar.

Não basta, porém, ficar neste nível superficial de análise, nem satisfazer-nos com o supostamente elevado montante das dávidas que irão minimizar a carência de bens básicos para umas centenas de milhares dos nossos concidadãos empobrecidos. É que não ter autonomia para poder dispor de um rendimento suficiente para satisfazer as necessidades do próprio e da sua família, de acordo com o padrão corrente na sociedade em que vive, é ser pobre. A dependência material forçada é, por si só, uma condição de pobreza, inaceitável à luz dos direitos humanos e dos princípios por que se regem as sociedades democráticas e, por isso, importa recordá-lo e re-afirmá-lo, mormente quando o espantalho da crise e da fatalidade das medidas de austeridade ameaçam fazer correr uma cortina de silêncio sobre este adquirido civilizacional.

Não nos iludamos com a generosidade ocasional, pois o maior desafio continua a ser o de permitir viabilizar, no nosso País, uma economia real, integrada e sustentável, que gere emprego para todos, assegure a justa repartição do rendimento, proporcione qualidade de vida e bem-estar colectivo e erradique a pobreza.

Nas presentes circunstâncias, há sinais evidentes de que o actual modelo económico globalizado e dominado pelo capital financeiro dá mostras de perigosas derrapagens (desemprego massivo; crise financeira; desordem e sinais contraditórios nos mercados, riscos de implosão social). Por conseguinte, sem prejuízo dos esforços a empreender a nível da macroeconomia para corrigir as disfunções do sistema e atenuar os efeitos dos seus malefícios, há que olhar para a construção urgente das bases de uma nova economia integrada e sustentável, investir no melhor aproveitamento das potencialidades do desenvolvimento local, isto é, no aproveitamento dos recursos humanos (absorção do desemprego local e sua ocupação em actividades produtivas e de utilidade social) e das sinergias que a tecnologia ou a mera proximidade geográfica e social potenciam. Cabe, certamente, às Autarquias um papel relevante na elaboração de estratégias e planos de desenvolvimento dos territórios de sua jurisdição com a participação da respectiva população e instituições locais e com mais amplo recurso á economia social.

O fomento do desenvolvimento local associado ao incremento da economia social nas suas múltiplas vertentes (cooperativas, mutualidades, associações, fundações e empresas de economia solidária) é uma combinação virtuosa, não só para minimizar as consequências da presente crise, como para lançar as bases para um novo modelo económico. [ Ler mais ]

26 novembro 2010

É a Guerra dos Mercados ou a Guerra de Outra Maneira?

Nos mercados, em particular nos financeiros, travam-se hoje lutas com uma tal agressividade que permitem que nelas se revejam guerras que têm efeitos devastadores que em nada ficam a dever às guerras, mais clássicas ou mais modernas, que atravessaram e ainda atravessam o mundo em que vivemos. É o que procurarei mostrar a seguir.
Tem-se falado muito da agressividade dos mercados financeiros quando a eles se dirigem países com fragilidades económico-sociais, como as que têm vindo a ser reveladas por países como a Grécia, a Irlanda, Portugal e até a Espanha. Explicar essa agressividade apenas com a existência de fragilidades de quem procura o crédito, nomeadamente, as que decorrem do peso elevado das suas dívidas externas (pública e privada), é o mesmo que medir a dimensão do iceberg através da sua parte emersa.
Aquela agressividade tem-se caracterizado pela extorsão (crime, que em termos individuais está sujeito a sanção pelo Código Penal) feita sobre os recursos dos países que recorrem ao crédito e que se traduzem, em particular, por insuportáveis subidas de taxa de juro. Este comportamento não tem, no entanto, similitude com o que é adoptado face a outros países com necessidades de endividamento equivalentes. O que pode explicar a diversidade de comportamento?
Como é conhecido, o nível de actividade económica baixou, substancialmente, nos países mais desenvolvidos, na sequência dos acontecimentos do Outono de 2008. Isto significa que diminuíram as oportunidades de investimento na actividade produtiva, ou diminuíram, pelo menos, as oportunidades de retorno de taxas de remuneração do capital tão elevadas como as que eram obtidas anteriormente. Não é de excluir, também, que tenha chegado à maturidade a vaga tecnológica que até há pouco assegurou remunerações elevadas, mas que começam, por essa razão, a diminuir.
Assim sendo, a liquidez existente vai-se afastando da actividade produtiva e concentra-se em aplicações financeiras, à procura de remunerações mais elevadas. Importa referir de onde vem essa liquidez. É colocada no mercado por particulares (especuladores ou não), mas também, e talvez sobretudo, pelos Estados. Para realizarem essas colocações, Estados e particulares servem-se de intermediários financeiros (bancos, mas não só) que procuram satisfazer os apetites dos seus representados. Por isso, concentram baterias junto dos Estados que necessitando de crédito, para negociarem das taxas de juro razoáveis, se encontram em situação de maior debilidade, a curto, médio e longo prazo.
Tem-se vindo a verificar que, por ocasião da colocação das emissões de dívida, apesar de a oferta ser superior à procura, mesmo assim o preço do dinheiro sobe. Isso só pode ser explicado pela cartelização dos intermediários financeiros. E porque nesta guerra estão, também, envolvidos Estados, bem se pode falar de extorsão de uns países sobre os recursos dos outros, tal como aconteceu e acontece em todas as guerras.
A guerra financeira
surge, assim, como uma outra face das designadas guerras limpas (químicas, bacteriológicas, biológicas ou outras). Ela tem os mesmos efeitos da ocupação (influência) territorial das guerras clássicas.
Depois dos anunciados pedidos de apoio feitos pela Irlanda ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia, tem-se especulado sobre se a pressão sobre Portugal, para a subida das taxas de juro, vai diminuir ou aumentar. O argumento de que a situação portuguesa é diferente da da Irlanda tem servido para justificar que a pressão diminuirá.
Do meu ponto de vista ela só diminuirá, se a liquidez existente nos mercados financeiros for capaz de encontrar aplicações alternativas que considere mais compensadoras, o que não me parece que seja o caso, ou se, devido à intervenção de instâncias internacionais, o país passar a dispor da liquidez de que necessita, sem se socorrer dos mercados financeiros. Por isso, se quisermos mais dinheiro, ou pagamos o que os mercados nos exigem (não estamos em condições de os contrariar) ou vamos ao Fundo, ou aos Fundos.
Quererá isto dizer que, numa perspectiva de curto prazo, perdemos toda a nossa capacidade de decisão e intervenção? Creio que não. É oportuno recordar que, também o David venceu Golias, socorrendo-se de uma simples fisga. Está, certamente chegada a altura de irmos buscar as fisgas ao armário e de começar a fazer alguns exercícios de pontaria.
Tendo efeitos equivalentes aos das outras guerras justifica-se plenamente que contra esta guerra (que nos é imposta) nos mobilizemos como faríamos contra outras de cariz militar. Como?
Procurando construir mecanismos de independência nacional suportados por opções de modelos de desenvolvimento alternativos, que nos libertem, pouco a pouco, da necessidade crescente de pedir dinheiro emprestado, ainda que para isso seja necessário regressar ao “maquis” (território da resistência).
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22 novembro 2010

A Cimeira da NATO
promove a competitividade de Portugal

Então já não é preciso falar da crise?
É sobre a crise que quero escrever, não aquela que anda por aí na espuma da maré, mas da crise que faz que apareça a espuma que se tem visto.
É estranho começar com a Cimeira? Não tanto. Vamos ver.
A Cimeira da NATO terminou com o maior sucesso, tanto em termos de resultados (apenas a China entendeu agitar o unanimismo), como em termos das condições reunidas para que pudesse ter êxito: segurança, logística, horários, circulações e até férias para alguns. Assim o relataram todos os média.
Parece que nada do que aconteceu tem a ver com a promoção da competitividade mas, na verdade, tem tudo. A explicação também pode parecer difícil, mas não é. Difícil é a compreensão das respostas que, por vezes, nos dão, embrulhadas em papel de nevoeiro, que dificultam a visão e até parecem preparadas para que tal aconteça.
Começo com uma palavra sobre o significado de competitividade. É um qualificativo que pode ser aplicado a pessoas, empresas, organizações e até países. Tem um conteúdo próximo do de eficiência. É-se competitivo quando se conseguem obter, com os menores custos, resultados reconhecidos como bons pelos seus destinatários.
Se pensarmos nas empresas, elas são competitivas se forem capazes de colocar os seus produtos no mercado em melhores condições que as suas concorrentes, porque o seu produto é mais barato, porque tem mais qualidade ou porque é diferente e é, por isso, mais apetecido. O mesmo se pode dizer das nações. São competitivas, quando a sua infra-estrutura económica e social permite aos seus cidadãos usufruírem dos melhores níveis de bem-estar.
Não basta, no entanto, dizê-lo, para que a competitividade aconteça. É preciso dispor da capacidade necessária para saber como é que isso se faz. Em primeiro lugar, têm que ser muito bem definidos os objectivos que se pretendem atingir. Depois, há que identificar os recursos necessários à produção do objectivo. A seguir, falta o mais difícil e o mais difícil é a “receita”, isto é, a tecnologia material e organizacional, mais eficiente para, com determinados recursos, atingir o objectivo escolhido.
Ora, se os objectivos e a identificação dos recursos podem ser copiados, a partir dos países ou instituições, que já são competitivos, a “receita”, como nos bolos das nossas avozinhas, ninguém no-la dá. Temos que ser capazes de a descobrir (de preferência uma receita melhor que a dos concorrentes) com o nosso engenho, porque, de outro modo, apenas faremos imitações toscas.
Tudo isto tem a ver com: recursos e a sua qualificação, produção de tecnologia endógena, capacidade de organização, agilidade nos relacionamentos internacionais, construção de networks, conhecimento de mercados dos produtos e factores, etc. Mas tem a ver com tudo, menos com baixos salários. Os países mais duravelmente competitivos, com maiores níveis de bem-estar, são os que distribuem salários mais elevados.
Por aqui se vê que a competitividade não é algo, apenas, para se mostrar no mercado externo. Se formos competitivos lá fora, mas não o conseguirmos ser cá dentro, criando condições de funcionamento de uma sociedade evoluída e distribuindo elevados níveis de bem-estar aos seus cidadãos, não seremos competitivos.

Voltemos à crise. As razões da crise, para além do fósforo que acendeu a fogueira, não estão no fósforo (embora se não existisse não teríamos, provavelmente, fogueira tão rapidamente), mas no lixo a que o fósforo pegou fogo. É a criação de lixo que tem que ser evitada. A crise entre nós, para além das suas raízes internacionais pegou-se, de forma mais persistente, precisamente devido à nossa falta de competitividade. E que tem isto a ver com a Cimeira? Muito.

Como se viu, para que a Cimeira tivesse êxito, foi necessário que a Cidade de Lisboa quase parasse ou reduzisse substancialmente a sua actividade. Conseguimos cobrir o corpo (o da Cimeira) e destapamos os pés (os dos cidadãos de Lisboa).
Num país competitivo isto não teria acontecido. Devemos, por isso, aspirar ser capazes de organizar Cimeiras com êxito, sem para isso precisarmos de apanhar frio nos pés.
Mas então, porque é que a Cimeira promove a competitividade? O evento, que acaba de terminar, promove a competitividade de Portugal, se compreendermos que temos de ser capazes de organizar cimeiras, sem destapar os pés e agir em consequência.
Mas como dizia um humorista português conhecido, para a promoção: “era mesmo necessário?”.
O que é mesmo necessário é que o maior número responda ao desafio da Manuela Silva sobre a urgência de construirmos “Uma Nova Economia”. Já basta de celebrar lançamentos de tragédias (Uma Tragédia Portuguesa). Mobilizemo-nos, antes, positivamente, para a construção da Esperança.

21 novembro 2010

Para uma Nova Economia

Está a chegar ao fim a saga da aprovação do OGE 2011. E, agora, mais do que nunca, tem cabimento a questão: ficar-se-á pelo “business as usual”, isto é, deixar que permaneçam inalterados os fundamentos do quadro institucional da economia a que se deve a génese da crise ou, pelo contrário, será que a crise que conhecemos e se agudizará por efeito do tratamento de choque adoptado vai, finalmente, abrir caminho a que se afirmem novos rumos para o pensamento económico, de modo a que estes se imponham aos decisores políticos e aos agentes económicos?

O primeiro passo consistirá em vencer a inércia do conformismo com o pensamento neo-liberal dominante e abrir espaço a correntes teóricas com propostas diferentes que precisam de ser debatidas.

É o que o Grupo Economia e Sociedade da Comissão Nacional Justiça e Paz, juntamente com um número significativo de professores e investigadores da área da economia e das ciências sociais, procurou fazer elaborando o texto para uma tomada de posição pública que agora pode ser assinada [ AQUI ]

Os comentários que ajudem a construir uma nova economia serão bem-vindos.

16 novembro 2010

Sempre vamos ao Fundo? E depois?

Não é fácil dizer se sim ou não mas, mesmo que lá não cheguemos, parece não haver dúvidas que ele está já debaixo do no nosso horizonte visual. Mas, terá muita importância, para o que poderá vir a ser o nosso futuro, saber qual é a resposta?

Tem alguma, mas não tanta quanto, por vezes, se tenta fazer crer. E é assim, pela simples razão de que o fundo já muitos o tocam e lhe sofrem as consequências. Esses, e são muitos, não ficarão muito piores com a chegada do Fundo (Fundo Monetário Internacional) Mas há o risco de muitos outros, que ainda não tocaram o fundo, para lá poderem ser atirados. Com efeito, não são, necessariamente, os que do Fundo mais falam e observam de longe, os que dele poderão vir a sofrer as mais gravosas consequências, mas antes os que na carteira, mas também no corpo, sofrem a dureza da falta de emprego, de sustento e de abrigo, para si e para as suas famílias.

Para estes pouco importa falar da necessidade de apertar o cinto, uns porque já não têm mais furos no cinto, outros porque já nem cinto possuem. São estes “sem voz” que mais nos devem interessar e preocupar. Há que lhes devolver a voz e com ela a dignidade, princípio fundador de toda e qualquer sociedade democrática. Os outros, os que mais falam da crise, e mais ameaçam com o fundo (e com o Fundo) são os que porventura apanham algumas beliscadas no seu património, mas não deixam, por isso, de continuar a acumular fontes de rendimento, a gozar férias, a ir aos restaurantes e, muito provavelmente, a jogar golfe.

De facto, a resposta tem uma importância relativa, porque os passos e as políticas que vão ter de ser seguidas serão sempre muito violentas. A diferença poderá (poderia) estar no facto de que sem Fundo poderíamos mais facilmente escapar à aplicação das suas “receitas” tradicionais optando por medidas de política que melhor soubessem escolher entre os que mais têm e os que menos têm. Há muitas dúvidas de que essa margem de opções de escolha seja salvaguardada, mas não é por isso que devemos deixar cair os braços.

Vai-se dizendo que chegamos ao fundo por causa do exagero da “dívida pública soberana” e do valor das taxas de juro que nos são exigidas, sempre que recorremos ao mercado, justificadas, precisamente, por causa desse exagero. Há várias passagens neste argumentário que apenas nos podem deixar perplexos. Convém, além disso, que não se esqueça que para esse valor tanto contribui a dívida pública, como a dívida privada.

Diz-se, habitualmente, que só tem problemas com a dívida, quem se endivida, para daí inferir que quem não quer ter problemas com a dívida não se deve endividar. É uma ilação abusiva, porque o recurso ao crédito pode ter virtualidades positivas. Basta que se possa adquirir o crédito a um preço (taxa de juro) que seja mais do que compensado pelos benefícios que podem vir a ser recolhidos com as utilizações que com ele são feitas. Se os custos são superiores aos benefícios, de forma previsivelmente permanente, o endividamento só se ultrapassa comprometendo o futuro do país aos credores.

Só que nesta matéria, de avaliação dos custos e dos benefícios, importa a que é feita por quem vai ao crédito mas, também, a de quem o concede. Teoricamente, as duas posições deveriam encontrar-se no mercado e aí tentar compatibilizar-se. Ora este mercado não está apenas povoado de anjos. Há nele quem tenha posições dominantes e quem a elas tenha que se submeter.

Que significam as posições dominantes e porque é que acontecem? Quando se invocam as virtualidades do mercado tem que se pressupor que os agentes de mercado (compradores e vendedores, neste caso de crédito) actuam de forma perfeitamente livre e sem condicionamentos que não sejam os do volume da oferta e da procura. Se uma parte dos agentes tem condições para assumir posições dominantes, isso significa que o mercado não é livre.

Ora, é isso que estamos vendo acontecer: a oferta criou condições para condicionar a procura, ou uma parte dela. Quem oferece dinheiro, procura para ele obter a maior remuneração e não hesita em bater à porta de quem possa condicionar a pagar-lhe a remuneração mais elevada possível.

Ora, no mercado, os agentes da procura não são igualmente poderosos. A dimensão, física e económica, dos países e as suas capacidades de desenvolvimento potencial condicionam esse poder. Temos vindo a verificar que quanto mais pequena é aquela dimensão e quanto mais frágeis são as suas bases de crescimento, mais facilmente esses países se tornam presas do capital financeiro internacional. Fala-se de contágio, como na gripe: os que são mais fracos deixam-se contagiar mais facilmente. Para os que emprestam quanto maior for o contágio, melhor.

Há poucos dias, por ocasião da colocação de mais uma tranche de dívida no mercado internacional, ouvimos os mais variados comentadores dizer, sem qualquer tremor de voz, que a taxa de juro subiu, mas que a oferta, mesmo assim, foi superior à procura colocada no mercado. Ninguém se lembrou de perguntar, porque é que, se há mercado e se a oferta é superior à procura, o preço (taxa de juro) não desceu?

Evidentemente que a taxa de juro deveria ter descido mas, para isso, seria necessário que os pequenos tivessem o poder dos grandes. Como os donos do dinheiro se fixam determinados objectivos de remuneração e não a podem obter junto dos mais poderosos, vão forçar os mais fracos a pagar-lha. É, por isso que quem está na berlinda são países como a Grécia, a Irlanda e Portugal, e não outros que possuem pesos da dívida equiparáveis e mesmo superiores.

E “o depois”? O depois exigiria delongas que já não são compatíveis com a dimensão deste post. Mesmo assim importa dizer que “o depois” tem que ser construído, substituindo, progressivamente, e cada vez mais, os recursos financeiros externos pelos internos, qualificando os nossos recursos materiais e organizativos (quer dizer, aumentado a produtividade) e adaptando os nossos modelos de consumo àquilo que são as nossas capacidades colectivas, nunca fazendo concessões em relação a objectivos de equidade e de desenvolvimento sustentável.

Tudo isto terá que ser feito com um grande esforço de mobilização colectiva, em que cada um se sinta parte e não incluído nos “outros”.