05 outubro 2010

Crise, Desigualdade e Orçamento do Estado

Dispomos, hoje, de suficiente informação estatística e outra que nos permitem tirar três conclusões relevantes para o futuro do modelo económico e o desenho da sociedade em que queremos viver, nomeadamente no que se refere à repartição do rendimento e à coesão social aquela associada:

• Desde a década de oitenta que se vem agravando a desigualdade de repartição do rendimento, e que esta ainda mais se acentuou nos últimos 5 anos, com o eclodir da crise financeira e a recessão económica;

• Para uma maior desigualdade, têm contribuído: a forte pressão sobre a redução de salários; o desemprego e a precariedade do emprego; a diminuição do alcance das políticas públicas redistributivas (política fiscal e política social) por efeito de restrições orçamentais e outras opções políticas;

• Certamente que a globalização, a inovação tecnológica, o tipo de enquadramento institucional dos mercados constituem factores exógenos que influenciam a repartição do rendimento a nível interno de cada país; contudo, estudos comparativos demonstram e a teoria comprova que, com similares constrangimentos externos, pode ser muito distinto o grau de desigualdade encontrado nos vários países.

Significa isto que a correcção da desigualdade na repartição do rendimento é uma variável que tem de ser explicitada na formulação da política macroeconómica e, consequentemente, deve constar do orçamento do estado, um dos instrumentos básicos dessa política.

A omissão ou desconsideração de um objectivo de menor desigualdade e de erradicação da pobreza (esta um caso extremo de desigualdade e uma violação de direitos humanos, em países de rendimento nacional per capita acima do patamar de subsistência) constitui erro grosseiro que ofende não só princípios elementares de ética social como compromete a própria coesão social e a qualidade da democracia e pode mesmo estar na origem de uma prolongada sucessão de crises sistémicas, tema este a que voltaremos em próxima oportunidade

1 comentário:

  1. No dia em que se celebra o 1º centenário da implantação da República todos os discursos teceram loas à Carta de Intenções que moveu os dirigentes daquela revolução e todos lembraram o entusiasmo com que o povo aderiu à mudança que prometia melhorar a sua vida de miséria e de impasse.

    Em 1910 a Pobreza era uma fatalidade para muitos e, por parte dos republicanos, tornou-se um imperativo combate-la, uma vez que o regime monárquico se tinha tornado insensível e incapaz de resolver a grave questão da miséria que alastrava.

    Hélas!
    Passaram 100 anos!

    Hoje a Manuela Silva vem lembrar que a Pobreza é uma violação dos Direitos Humanos e que é um "erro grosseiro" não considerar a sua erradicação uma prioridade.

    Agradeço esta chamada de atenção tão assertiva e tão actual. Se bem que andar a mexer nisso em dia de festa...

    Atrevo-me a lembrar que as classes mais desfavorecidas, que apoiaram a revolução republicana, cedo viram gorada a sua esperança perante a incapacidade dos sucessivos governos republicanos para fazer face à crise. Muitos começaram a descrer no regime e a desejar que "algum Sebastião" aparecesse.

    Perante a desconsideração de que a classe média se sentiu alvo, também neste grupo social muitos se deixaram seduzir pelos ventos que sopravam de Itália...

    Vivemos tempos difíceis em que algumas destas situações se reacendem. Uma vez mais a História regista que os que mais esperavam melhorias voltam a ser alvo de muita insensibilidade, voltam a desencantar-se a desacreditar e a desejar... O quê?

    Conseguiremos ir além dos discursos e passaremos finalmente a inscrever a erradicação da Pobreza como uma prioridade?

    Teremos aprendido alguma coisa com a realidade histórica nos últimos 100 anos? Teremos de esperar mais 100 anos?

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