Por mais que se recorra à cosmética dos indicadores, já
ninguém acredita no êxito do receituário que tem vindo a ser desenhado pela
troika e cegamente aplicado pelas autoridades nacionais, nomeadamente quando os
respectivos critérios de avaliação não atendem, devidamente, ao elevado número
das pessoas desempregadas, designadamente nas faixas etárias mais jovens ou
entre as pessoas maiores de 50 anos em situação de desemprego de longa duração.
Também ninguém ignora que o empobrecimento alastra por todo
o País, nas cidades como nos meios rurais, e adquire, agora, maior severidade,
com múltiplas expressões gritantes de penúria, como sejam o aumento do número
de sem abrigo ou das longas e sempre crescentes filas dos que recorrem à sopa
dos pobres, sem perspectivas de um futuro digno; ou o cortejo dos dramas
associados à devolução de muitos milhares de casas aos bancos de que estes se
apropriam a preço aviltado pelo mercado, mantendo, total ou parcialmente, a
respectiva dívida.
Entretanto, governantes e negociadores fecham os olhos sobre
a visível degradação de alguns serviços essenciais no domínio, da educação, da
saúde ou da segurança e protecção social, acrescentando sucessivos cortes de
despesa aos orçamentos exíguos dos últimos anos, preconizando políticas míopes
que não querem ir às raízes dos problemas, antes se preparam, paulatinamente,
para os transferir para o sector privado, em condições nem sempre democraticamente
escrutinadas e ao arrepio da Lei Fundamental do País.
Estas são algumas das situações que não podem ser
silenciadas nesta avaliação e para as quais se exigem não respostas para o
final do próximo ano mas de aplicação imediata.
Atrevo-me a fazer quatro propostas concretas que, além da
renegociação da dívida e, sobretudo dos encargos com a mesma, de modo a conter
uma injusta asfixia financeira, contribuiriam para mudar o rumo dos
acontecimentos em ordem à saída da crise:
- Redução do horário de trabalho, tanto do sector privado como público, para 32 horas semanais, quatro dias por semana sem redução de remuneração nem aumento de custos salariais das empresas, como incentivo ao recrutamento de novos trabalhadores (com consequências positivas sobre a redução do desemprego através de uma repartição mais equitativa do trabalho;
- Fixação de norma salarial por empresa (ou sector de actividade) na base da proporcionalidade entre as remunerações do topo e as da base), sem implicar, por conseguinte, acréscimo nos custos salariais totais;
- Política fiscal activa com vista à repartição mais equitativa dos ganhos de produtividade geral, impedindo que estes se acumulem abusivamente no 1% dos mais ricos dos países, empresas e indivíduos, como vem sucedendo nas últimas décadas, de modo grotesco e escandaloso;
- Modelação de políticas públicas guiadas não por meros critérios contabilísticos, mas em linha com a manutenção e o indispensável aperfeiçoamento do papel social do Estado ao serviço do bem comum e da coesão social.
De um simples escrito como este
não se espere justificação minuciosa sobre cada uma das propostas feitas. Tal
fundamentação existe e estou disponível para a apresentar e derimir, no espaço
deste blogue, com o leitor ou a leitora que empenhadamente o deseje fazer.
A extrema dificuldade no acesso ao emprego, que está a provocar o empobrecimento e o desânimo de largas camadas da população, a emigração em escala nunca vista e que, para além disso,tem um impacto decisivo sobre a nossa estrutura demográfica, comprometendo até o desenvolvimento futuro são razões mais do que suficientes para rever profundamente as políticas que têm sido seguidas.
ResponderEliminarA ultrapassagem daqueles problemas exige respostas corajosas, pois não será um hipotético crescimento económico que as vai resolver.
As propostas de Manuela Silva, para a partilha do tempo de trabalho e para uma repartição mais igualitária dos rendimentos,através da redução das grelhas salariais ou pela via fiscal, potencialmente podem ter maior impacto se dirigidas a grandes empresas, sobretudo aquelas que operam em situação dominante de mercado.
Importa, acima de tudo, não nos iludirmos com pequenos remédios.Ou teremos, no futuro,uma sociedade com elevadíssimo desemprego estrutural, em que é perigoso viver, composta por empregados e por “vadios”.
As propostas são chocantes, em dois sentidos: chocantes (sobretudo a primeira) no sentido de "politicamente incorrectas"; chocantes no sentido de chamarem a atenção ("frappantes" como dizem os franceses). De facto, é contra a corrente propor uma partilha tão radical do tempo de trabalho: redução em 20% do horário semanal, sem redução de remunerações, mas talvez não seja tão radical assim em sectores onde o custo do trabalho no total dos de exploração fosse, por exemplo, de 15%...Norma geral, norma sectorial, que tipo de incentivos à aplicação, nomeadamente para repercussão em criação de emprego,etc. - questão portanto complexa e politicamente difícil de fazer passar. Mas, contra isto, o seu carácter "chocante" até talvez ajude...
ResponderEliminarAs outras três propostas também têm a vantagem de ir contra a corrente. Mas destaco a última: "...políticas públicas guiadas não por meros critérios contabilísticos...", mas antes pondo o Estado "ao serviço do bem comum e da coesão social". E como é que tal será possível se o governo português (e aqui em certa medida com a conivência do Partido Socialista) e a UE insistirem no malfadado "pacto orçamental"?!
Não podemos nem devemos ficar apáticos à vinda da Troika é sempre uma oportunidade útil e certa de intervir e de propor. Precisamos de humanizar as relações de trabalho proporcionar empregos a todos os cidadãos que deles necessitam fazem parte da sua sobrevivência e das suas respectivas famílias.
ResponderEliminarAs quatro propostas apresentadas proporcionam a justiça que falta e na humanização das relações do Estado com os cidadãos que desempregados, mas também muitos que labutam e presentemente vivem as angústias e os sacrifícios que lhes são impostos, por que causas e porque critérios que os atingem especialmente aos mais fracos. Também porque ainda não se vislumbra qualquer saída nem alternativa credível e justa.
As propostas feitas ao governo visam procurar formas alternativas de melhorar com mais justiça a repartição dos custos da crise, chamando á sua responsabilidade o resolver de vez os casos através de actos concretos como o reduzir do tempo de trabalho. Vai no bom sentido o reduzir o tempo de trabalho, praticando salários mais justos, contribuindo para a diminuição das desigualdades e para a criação de mais e melhores empregos.
É preciso contrariar o empobrecimento em curso do país e isso faz-se sobretudo com empregos e salários dignos
Concordo com a plena pertinência de (quase) todas as propostas! Revejo-me também, no entanto, nos comentários anteriores. É certo que temos mesmo de ir contra a corrente mas a possibilidade de impor a implementação de tais propostas, neste momento, parece-me longínqua.
ResponderEliminarHavendo vontade - e outra governança - política, as propostas da reforma fiscal e de alinhamento da política económica pela defesa do Estado Social, seriam, talvez as mais exequíveis no contexto europeu. A relativa à redução do leque salarial seria, talvez, mais facilmente implementável a nível sectorial; penso que, em tempos, teria sido mais provável a sua adopção em sede de Concertação Social...Quanto à primeira proposta, a da redução com eventual repartição do tempo de trabalho (2RT), levanta-me algumas dúvidas, na linha de algumas críticas que se fizeram ouvir sobretudo no caso francês: o facto de ter levado, em muitos casos, à intensificação dos ritmos de trabalho, por um lado; a questão dos limites técnicos à divisibilidade e repartição de muitos dos processos de trabalho (indústria siderúrgica, por exemplo...), por outro. Ainda, a difícil compatibilização de qualificações e competências entre trabalhadores/as a afectar sucessivamente em modelos de trabalho contínuo e não fraccionável... Mas o essencial, parece-me, é mesmo saber e ousar "ir contra a corrente" e lutar contra o "estabelecido" por todas as formas ao nosso alcance. E, claro, esta é uma delas.
On December 4, 2013, President Obama made a speech in Washington DC on Economic Mobility. What Obama said responds in many ways to the post by Manuela Silva on rising impoverishment, despite the fact that he spoke of circumstances in the US and not Portugal nor Europe. Nonetheless, he was painting the spreading malaise around the globe. His speech can be accessed via the link:
ResponderEliminarhttp://www.whitehouse.gov/the-press-office/2013/12/04/remarks-president-economic-mobility
Some points Obama highlighted that are worth noting:
• During the post WWII years, the top 10% of the US took one-third of the country’s national income, but that occurred in a period of economic dynamism where prosperity also benefitted the less wealthy and incomes were growing for all.
• But starting in the 1970s the social pact began to unravel, with technology permitting layoffs and globalization led to fewer jobs and reduced bargaining power for workers, and hence declining incomes.
• In the midst of community breakdown and increasing power for the wealthy, the entrance of women into the work-force and rising housing prices camouflaged the reality of rising inequality for some years.
• Since 1979, while productivity rose 90% and the US economy doubled in size, the income of the typical family has increased less than 8%.
• The top 10% now takes half of the national income.
• Whereas in the past, the average CEO made 20 to 30 times the income of the average worker, today the ratio is 273.
• A family in the top 1% has a net worth 288 times higher than that of the typical family, a record for the US.
Much of this sounds familiar and can be applied to many countries. While our economic model saw its birth in the Old World, many of the current flaws in the economic and financial model are due to economic abstraction and financial innovation in the New World. However, we all eagerly adopted them in the heady days of “prosperity” beginning in the 1980s.
Following the financial crisis, the flaws have been exposed, and the call to right them has increased on many fronts. In his speech, Obama quoted Pope Francis from his Apostolic Exhortation: “How can it be that it is not a news item when an elderly homeless person dies of exposure, but it is news when the stock market loses two points?” This quotation represents a lot that is wrong today.
Regarding income disparity, the evolution in rent extraction is the result of three decades of shifting norms in financial markets. It will take a long time to correct this and the process no doubt requires improved legislation. However, an indispensable component is a reformulation of our whole business and financial model to serve the common good via a civil economy, one of reciprocity. Manuela wrote of dignity, which should be a major motivating force. She also highlighted the importance of education, a vital component of any desired transformation.