A pandemia tem-nos
levado a reflectir sobre aspectos do funcionamento das sociedades que, noutras circunstâncias,
teríamos menos apetência a realizar. É o caso do tema que, acima, deixo
enunciado.
A pandemia teve
sobre o dia a dia das empresas consequências que julgaríamos quase impossível poderem
acontecer: a necessidade de isolamento dos gestores, dos funcionários, dos colaboradores,
dos operários e outros, o encerramento dos mercados e a dificuldade de
abastecimentos, são factores que condicionam o funcionamento das empresas,
qualquer que seja a sua dimensão, mas em particular, as pequenas e médias
empresas. O encerramento efectivo de muitas delas ou os riscos de que, com
grande probabilidade, tal possa vir a acontecer em muitas outras, criou um clima
de depressão económica e social que, antes não se poderia ter imaginado.
Mais do que
nunca e na linha da Doutrina Social da Igreja, tomou-se consciência de que as
empresas constituem, não apenas entidades da iniciativa privada, mas também,
unidades orgânicas de imprescindível interesse público, pelo papel que têm na
criação de riqueza, na distribuição de rendimentos, no abastecimento dos
mercados, na criação de trabalho, no pagamento de salários, etc. Este interesse público é reclamado não apenas pelos poderes
públicos, mas também, como se compreende, pelos donos das empresas, pelos
trabalhadores, pelas organizações sindicais e por outras organizações.
O que pode
parecer como mais estranho é que esta característica de interesse público seja,
hoje, invocada pelos donos das empresas, quando noutras circunstâncias, têm é apetência para invocar a iniciativa privada, a liberdade necessária para garantir eficácia nos processos de decisão da unidade produtiva, componentes
centrais do funcionamento eficiente das empresas, devendo o Estado manter-se alheio ao seu comportamento.
Hoje, pelo
contrário, os empresários têm tendência para sublinhar o interesse público das empresas
para que com o seu reconhecimento se justifique o acesso a financiamentos
públicos que permitirão a ressurreição de empresas que, de outro modo, teriam
tendência a desaparecer.
Entendo que é pacífica
a invocação do interesse público, venha ela de onde vier. O que deve merecer
reflexão é o saber-se se, em tempo de pandemia, o interesse público da
viabilização das empresas só deve ser assegurado por financiamentos públicos ou
se deve envolver, também, financiamentos privados. Considero que devem ser
ambos considerados.
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Invoco o
conceito de “capital social” para o justificar. Quando se cria uma empresa um
dos primeiros passos a ser dado pelos empresários é dotar a empresa com um
certo volume de capital, dito capital social. No início, não dispondo a empresa
de qualquer liquidez ou fundo de maneio, o capital social vai permitir à
empresa dar os primeiros passos, indispensáveis ao início do seu funcionamento.
A sua vocação é, não apenas permitir os primeiros passos, mas também, poder ser
mobilizado para que seja garantida a viabilização da empresa, tanto em momentos
de expansão, como de retracção da actividade.
O capital
social tem, ainda, uma outra vocação que é a de permitir estabelecer os
critérios que presidirão, tanto à distribuição de resultados, como ao número de
votos que cada sócio ou subscritor do capital possui nas decisões das
assembleias.
Se é assim, deve
perguntar-se porque é que, em tempos de bons ventos os empresários tendem a
esquecer a característica de interesse público das empresas e em tempos de
tempestade invocam esse interesse para procurar ter acesso aos financiamentos
públicos. Se o capital social tem a vocação que antes referimos, não é razoável pensar que aqueles que em tempo de bonança beneficiam dos bons resultados da empresa não devam,
também, agora, chegar-se à frente para reforçar o capital social?
Há, no entanto,
uma dificuldade a que tal aconteça. É que foi criado um quadro de pensamento segundo
o qual o património da empresa não deve ser misturado com o património pessoal dos
donos das empresas. Em tempo de crise, com frequência, ouvimos, desabafos do
seguinte teor: se a empresa possui interesse público então que seja o Estado a
fazer a sua recuperação; "não sou eu que lá vou meter o meu dinheiro para correr
o risco de ficar sem ele".
Conclusão: em
tempo de crise, se isto é para meter dinheiro, o Estado que recupere as
empresas; em tempo de bonança os bons resultados devem ser distribuídos pelos
titulares das empresas, porque são eles que com o seu trabalho e iniciativa fazem o essencial e o suficiente para garantir o interesse público!
Não se corre o risco desta coclusão, afinal, parecer reforçar o tal "quadro de pensamento" caracterizado no parágrafo anterior? Pois quantos empresários e gestores, quando há "bons ventos", metem os ganhos no bolso e pouco se importam com o reinvestimento e a sustentabilidade do património da empresa e mantêm o capital social propositadamente inferior ao que devia ser?
ResponderEliminarA reflexão económico-social/empresarial do Prof. Brandão Alves, em poucas palavras, resume, nos seus três últimos parágrafos, um mundo de comportamentos que nos chegam e continuamos a ver, ouvir e ler, sempre com um ar muito compungido e apelativo.
ResponderEliminarDiga-se que a conclusão é um irónico retrato dos momentos de aflição. Pena é que nestas alturas não se consiga olhar/actuar de olhos nos olhos e provocar alterações e compromissos , para o dia seguinte, que modifiquem as rotinas e os procedimentos instituídos .
Muito de acordo. E impossível não pensar em grandes empresas como os bancos e outras em que até o estado já representa uma percentagem importante do capital social... Vícios privados e públicas virtudes; i.e., os dinheiros públicos a acorrerem em períodos de crise mas a decisão e a partilha de resultados privadas em tempos de vacas gordas...
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