14 abril 2014

As agências de "rating" também votam

A realidade é o que é e não vale a pena querer contrariá-la!
Esta é uma frase com que nos cruzamos, com frequência, e que é dita por quem é reputado possuir bom senso e sabedoria. Mas será mesmo, sempre, assim?
A este propósito, tenho, agora, presente um livro que li no fim do ano passado e que se intitulava “Não acredite em tudo o que pensa”. O título parece uma provocação vinda de alguém que se diria que não está “regulando bem da engrenagem”. Na verdade não é assim. A leitura dos textos que o integram mostra, com clara evidência que, em consequência, do conhecimento acumulado ao longo do tempo, dos valores culturais dominantes, do ouvi dizer, dos interesses materiais de cada um, etc., há muitas coisas que pensamos ser verdade mas que, efetivamente, o não são. Desmontadas as construções do “senso comum” verificamos que, de fato, aquilo em que andávamos a pensar como sendo inquestionável, nem dá para acreditar.
Vem isto a propósito da incontornável questão que, sempre, nos devemos colocar: se a realidade é o que é, como é que conhecemos a realidade?
A realidade, dirão a maioria, é aquilo que vemos com os nossos olhos.
Se ficássemos só por aqui, não teríamos resposta para a questão que se colocam dois observadores de, perante o mesmo fenómeno observado, não verem exatamente a mesma coisa, ou não o descreverem da mesma forma.
É que a realidade que vemos é o resultado do que vêm os olhos e do que é visto pelo que está atrás dos olhos, isto é, a inteligência, a capacidade de pensar, a cultura, o conhecimento, os interesses, os valores, etc.
E o que é que nos têm dito sobre o que é a realidade do país nos dias de hoje? O Governo e seus apoiantes têm vindo a afirmar, e cada vez com mais insistência que, a situação do país está melhor porque, o PIB tem vindo a crescer desde há vários trimestres sucessivos (embora a taxa de crescimento do PIB anual continue a ser negativa), as exportações não cessam de aumentar, a taxa de desemprego diminui, o saldo das contas do Estado desce-, a taxa de juro da dívida a longo prazo continua a decrescer, etc.
Mas há quem veja a realidade de outra forma, dizendo que a situação do país não pode ser avaliada, apenas, através daqueles indicadores; que há ter, igualmente em conta a evolução de outras variáveis, por ex.: a taxa de risco de pobreza, a diminuição de pensões e reformas, a persistente ausência de investimento, a descapitalização das instituições públicas, a destruição do Estado Social, a emigração dos recursos humanos mais qualificados, a falta de investimento e financiamento nas Universidades e Laboratórios de Estado, etc., etc.
Quem tem razão? Mais do que quem tem razão importa dizer, agora, que uma mesma realidade pode ter leituras diferentes e que, por isso, é uma grande falta de perspicácia continuar a dizer que “não há outro caminho”.
Entretanto estamos em época pré-eleitoral e surge uma Agência de rating, a Fitch, a declarar que considera existir uma tendência positiva para que se possa vir a ser considerada uma avaliação que considere a saída de Portugal da situação de “lixo”. Naturalmente que a ninguém surpreenderá que a “realidade” que a Agência considera é a que acima foi descrita em primeiro lugar.
Como poderá ser interpretada a necessidade de, neste momento, a Agência vir a fazer esta tomada de posição quando, desde há vários meses e contrariamente ao que aconteceu no passado, já não víamos as agências de rating vir a terreiro?
Recordemos, brevemente, qual era o comportamento das agências de rating, em relação à situação portuguesa, há acerca de 3 anos atrás. Com a intensidade de um bombardeamento em massa, as três agências de rating, em geral consideradas como as mais relevantes, declaravam, semana sim, semana não, a deterioração contínua do rating da República, sem que nada parecesse que o pudesse justificar. A esse propósito, recorde-se que um conjunto de professores universitários apresentou uma denúncia na Procuradoria-Geral da República, com vista a que esta pudesse averiguar a possibilidade da existência de indícios criminais (ver aqui e aqui).
Colocava-se a questão de saber como é que poderia ser interpretada aquela deterioração acelerada do rating sem que para isso houvesse justificação compreensível. Nessa altura, neste blogue, vieram a ser publicados vários textos que demonstravam qual era o significado da deterioração.
Como se sabe, em 2008, tinha-se desencadeado uma crise financeira de enormes proporções que deixaram em situação de enorme precariedade todo o mundo financeiro. Tendo-se considerado que este era, também, o principal responsável do rebentamento da bomba, logo se pensou que se tornava indispensável proceder à regulação do seu comportamento.
E se bem se pensou pior se fez. O ladrão, em lugar de ser preso, transformou-se em carcereiro, como já o justifiquei num outro post. É que quem poderia fazer a regulação (os países mais poderosos) era, também, quem tinha interesse em recapitalizar as suas instituições financeiras ou em robustecer quem detinha dívida tóxica”, isto é, em não regular. O que fizeram?
Mobilizaram toda a sua artilharia institucional (incluindo as agências de rating) com vista a transferir o ónus da desordem financeira para os países que menor capacidade possuíam para se defender dos ataques especulativos contra a sua dívida. E assim Portugal iniciou o percurso do deserto a que estamos assistindo, com uma violência, raramente antes conhecida, de destruição ou extorsão dos seus recursos e da sua infraestrutura institucional.
Esta estratégia encontrou em Portugal os “aliados” de que necessitava, que executaram e até ultrapassaram os objetivos que a finança internacional quis impor através do “Programa de Ajustamento”. E agora?
Agora encontrámo-nos em período pré eleitoral na sequência do qual se adivinha que os “aliados” poderão sair fragilizados. Para tentar diminuir esses riscos (porque querem manter os aliados) os agentes da finança internacional entendem vir dizer que estamos no bom caminho, encarregando as agências de rating, neste caso a Fitch, de comunicar que nos poderão vir a tirar do meio do lixo, mas sem com isso se comprometerem. No mesmo sentido o Primeiro-ministro vem dizer que poderão existir condições para aumentar o salário mínimo (mas sem assegurar a promessa), esquecendo-se de acrescentar que hoje o salário mínimo já corresponde a menos 50 € do valor que tinha em 1974 (atualizado através do índice de preços).
Como poderá haver portugueses que, face a estas declarações, admitam que está a ser feito bom trabalho e assim legitimem, pelo seu voto, a continuação da política atual tem toda a oportunidade dizer que:
As agências de rating também votam

2 comentários:

  1. Muito perspicaz e muito claro!

    Parabéns, Brandão Alves.

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    1. Muito obrigado. Por grande que seja o empenhamento continua a ser indispensável ver para além da cortina

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