A realidade é
o que é e não vale a pena querer contrariá-la!
Esta é uma
frase com que nos cruzamos, com frequência, e que é dita por quem é reputado
possuir bom senso e sabedoria. Mas será mesmo, sempre, assim?
A este
propósito, tenho, agora, presente um livro que li no fim do ano passado e que
se intitulava “Não acredite em tudo o que pensa”. O título parece uma provocação vinda de
alguém que se diria que não está “regulando bem da engrenagem”. Na verdade não
é assim. A leitura dos textos que o integram mostra, com clara evidência que,
em consequência, do conhecimento acumulado ao longo do tempo, dos valores
culturais dominantes, do ouvi dizer, dos interesses materiais de cada um, etc.,
há muitas coisas que pensamos ser verdade mas que, efetivamente, o não são. Desmontadas
as construções do “senso comum” verificamos que, de fato, aquilo em que
andávamos a pensar como sendo inquestionável, nem dá para acreditar.
Vem isto a
propósito da incontornável questão que, sempre, nos devemos colocar: se a
realidade é o que é, como é que conhecemos a realidade?
A realidade,
dirão a maioria, é aquilo que vemos com os nossos olhos.
Se ficássemos
só por aqui, não teríamos resposta para a questão que se colocam dois observadores
de, perante o mesmo fenómeno observado, não verem exatamente a mesma coisa, ou
não o descreverem da mesma forma.
É que a
realidade que vemos é o resultado do que vêm os olhos e do que é visto pelo que
está atrás dos olhos, isto é, a inteligência, a capacidade de pensar, a
cultura, o conhecimento, os interesses, os valores, etc.
E o que é que
nos têm dito sobre o que é a realidade do país nos dias de hoje? O Governo e
seus apoiantes têm vindo a afirmar, e cada vez com mais insistência que, a
situação do país está melhor porque, o PIB tem vindo a crescer desde há vários
trimestres sucessivos (embora a taxa de crescimento do PIB anual continue a ser
negativa), as exportações não cessam de aumentar, a taxa de desemprego diminui,
o saldo das contas do Estado desce-, a taxa de juro da dívida a longo prazo continua
a decrescer, etc.
Mas há quem
veja a realidade de outra forma, dizendo que a situação do país não pode ser
avaliada, apenas, através daqueles indicadores; que há ter, igualmente em conta
a evolução de outras variáveis, por ex.: a taxa de risco de pobreza, a
diminuição de pensões e reformas, a persistente ausência de investimento, a
descapitalização das instituições públicas, a destruição do Estado Social, a
emigração dos recursos humanos mais qualificados, a falta de investimento e
financiamento nas Universidades e Laboratórios de Estado, etc., etc.
Quem tem
razão? Mais do que quem tem razão importa dizer, agora, que uma mesma realidade
pode ter leituras diferentes e que, por isso, é uma grande falta de perspicácia
continuar a dizer que “não há outro caminho”.
Entretanto estamos
em época pré-eleitoral e surge uma Agência de rating, a Fitch, a declarar que considera existir uma tendência positiva
para que se possa vir a ser considerada uma avaliação que considere a saída de
Portugal da situação de “lixo”. Naturalmente que a ninguém surpreenderá que a “realidade”
que a Agência considera é a que acima foi descrita em primeiro lugar.
Como poderá
ser interpretada a necessidade de, neste momento, a Agência vir a fazer esta
tomada de posição quando, desde há vários meses e contrariamente ao que
aconteceu no passado, já não víamos as agências de rating vir a terreiro?
Recordemos,
brevemente, qual era o comportamento das agências de rating, em relação à situação portuguesa, há acerca de 3 anos atrás.
Com a intensidade de um bombardeamento em massa, as três agências de rating, em geral consideradas como as
mais relevantes, declaravam, semana sim, semana não, a deterioração contínua do
rating da República, sem que nada
parecesse que o pudesse justificar. A esse propósito, recorde-se que um
conjunto de professores universitários apresentou uma denúncia na
Procuradoria-Geral da República, com vista a que esta pudesse averiguar a
possibilidade da existência de indícios criminais (ver aqui
e aqui).
Colocava-se a
questão de saber como é que poderia ser interpretada aquela deterioração
acelerada do rating sem que para isso
houvesse justificação compreensível. Nessa altura, neste blogue, vieram a ser
publicados vários textos que demonstravam qual era o significado da
deterioração.
Como se sabe,
em 2008, tinha-se desencadeado uma crise financeira de enormes proporções que
deixaram em situação de enorme precariedade todo o mundo financeiro. Tendo-se
considerado que este era, também, o principal responsável do rebentamento da
bomba, logo se pensou que se tornava indispensável proceder à regulação do seu
comportamento.
E se bem se
pensou pior se fez. O ladrão, em lugar de ser preso, transformou-se em
carcereiro, como já o justifiquei num outro post. É que quem poderia fazer a
regulação (os países mais poderosos) era, também, quem tinha interesse em
recapitalizar as suas instituições financeiras ou em robustecer quem detinha
dívida tóxica”, isto é, em não regular. O que fizeram?
Mobilizaram
toda a sua artilharia institucional (incluindo as agências de rating) com vista a transferir o ónus da
desordem financeira para os países que menor capacidade possuíam para se
defender dos ataques especulativos contra a sua dívida. E assim Portugal
iniciou o percurso do deserto a que estamos assistindo, com uma violência,
raramente antes conhecida, de destruição ou extorsão dos seus recursos e da sua
infraestrutura institucional.
Esta
estratégia encontrou em Portugal os “aliados” de que necessitava, que
executaram e até ultrapassaram os objetivos que a finança internacional quis impor
através do “Programa de Ajustamento”. E agora?
Agora
encontrámo-nos em período pré eleitoral na sequência do qual se adivinha que os
“aliados” poderão sair fragilizados. Para tentar diminuir esses riscos (porque querem manter os aliados) os
agentes da finança internacional entendem vir dizer que estamos
no bom caminho, encarregando as agências de rating,
neste caso a Fitch, de comunicar que nos poderão vir a tirar do meio do lixo,
mas sem com isso se comprometerem. No mesmo sentido o Primeiro-ministro vem dizer que
poderão existir condições para aumentar o salário mínimo (mas sem assegurar a
promessa), esquecendo-se de acrescentar que hoje o salário mínimo já
corresponde a menos 50 € do valor que tinha em 1974 (atualizado através do
índice de preços).
Como poderá
haver portugueses que, face a estas declarações, admitam que está a ser feito
bom trabalho e assim legitimem, pelo seu voto, a continuação da política atual
tem toda a oportunidade dizer que:
As agências de rating também votam
Muito perspicaz e muito claro!
ResponderEliminarParabéns, Brandão Alves.
Muito obrigado. Por grande que seja o empenhamento continua a ser indispensável ver para além da cortina
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