12 janeiro 2014

Depois do bombardeamento e da destruição dos mercados, o que é que vem a seguir?

Por várias vezes, e em outros posts, tenho glosado esta questão dos mercados e da sua desorganização. Apesar disso, a grande euforia que, no fim da semana passada, invadiu os meios de comunicação social e até os comentadores de política económica mais improváveis, obrigam-me a voltar ao assunto. O mote é o anunciado “grande sucesso do regresso aos mercados e a consequente abertura das portas de esperança, para o crescimento, para o emprego, para a situação social, etc., que tal significa”.
 
A demonstração de que, afinal, os sacrifícios valeram a pena parece evidente. Mais, dizem-nos que os sacrifícios poderão ter que continuar para não perdermos a credibilidade e a confiança entretanto adquiridas junto dos mercados financeiros internacionais. Os últimos sinais dados pelo comportamento do crescimento, do emprego, das exportações, do consumo, etc., só o podem comprovar.
 
E nós, que para aqui andámos a procurar demonstrar que a austeridade só trazia malefícios, com que cara é que ficamos? Dirão alguns, mais simpáticos, “metam o rabinho entre as pernas e não digam mais asneiras, porque afinal eles sempre tinham razão!”.
 
É para dizer que eles continuam a não ter razão que aqui estou a escrever.
 
Começo pelo, apresentado como  “arrasador”, regresso aos mercados. Não se trata senão de um embuste. Não se verificou qualquer regresso aos mercados e ainda por cima dito no plural. Concedo que se poderá falar não de uma ida aos mercados, mas de uma ida ao mercado de capitais. No entanto, para que os seguranças nos deixassem passar pela porta de entrada do mercado, quantas portagens não foi necessário pagar pelo caminho! E bem nos foram dizendo que as portagens são para manter em futuros regressos, embora se possa vir a fazer algum descontosinho! Fomos meninos bem comportados capazes, até, de conquistar a confiança e a simpatia do monstro.
 
Contudo, não deixa de permanecer a questão: era mesmo preciso comportarmo-nos como betinhos face aos donos do dinheiro, ou um outro caminho teria sido possível?
 
Claro que não era preciso e outros caminhos, menos gravosos, teriam sido possíveis.
 
Em economia não há normativos únicos, porque cada um decorre dos pressupostos ideológicos que lhe estão subjacentes e estes são muitos. Para mostrar que outros caminhos eram possíveis socorro-me de um enquadramento que os economistas bem conhecem e que é o do “equilíbrio geral de mercados”. Reconheço que algum suporte de natureza liberal lhe está subjacente, porque admite que o funcionamento dos mercados se tende a ajustar de modo a gerar um equilíbrio geral dos mercados. Pode e deve colocar-se a questão de saber se é possível obter um equilíbrio geral sem a intervenção de agentes (Estado), que lhe são exteriores.
 
Todos sabemos que não. Mas isso não impede a teoria de nos dizer que não poderemos ter um equilíbrio para o conjunto da economia se algum dos mercados (de capitais, mas também do emprego, da inovação, da saúde, da educação, do consumo, das exportações, etc.) estiver em desequilíbrio. Mais, como os mercados são interdependentes, o equilíbrio de um mercado tem de se fazer com o equilíbrio dos restantes, e não à sua custa.
 
Quer dizer, evidentemente que temos um problema financeiro, mas também temos um problema com o emprego, com o consumo, com a educação, etc. De pouco ou nada valerá resolver o problema de um dos mercados se os outros continuarem por resolver. Se assim acontecer o que se vai passar é que o equilíbrio de um dos mercados se faz à custa dos outros. E foi o que se passou entre nós. Criámos condições para ir ao mercado financeiro, mas o que não tivemos de pagar para lá chegar! Foram inúmeras as portagens que desembolsámos e a última, de não pouca importância, foi a do pagamento, ou promessa de pagamento, de uma taxa de juro de 4,6%, para uma colocação de dívida a 5 anos. É a mais baixa desde há muito tempo mas, mesmo assim, incomportável.
 
Olhamos à volta e o que vemos? Uma paisagem de destruição. Todos os mercados foram destruídos. Todos não, houve um que sobreviveu, dir-se-ia, por milagre; foi o mercado financeiro. Agora há que passar à fase da reconstrução de todos os outros; pouco a pouco, mais uns que outros, eles vão começar a levantar-se. Pois, se até depois do lançamento da bomba de Hiroshima foi possível ver aparecer pequenas flores nos terrenos bombardeados! Só que isso não se deveu às virtualidades da bomba, mas à riqueza e capacidade imensa da mãe terra e bem teria sido possível evitar as destruições da bomba.
 
Não nos surpreendamos, por isso, que depois de bombardeados, também os outros mercados comecem a renascer, mas quanto sofrimento, quanta morte, não foi necessária para que tal acontecesse? O renascimento vai continuar a fazer-se, mas com dor, porque os que gizam o funcionamento do mercado financeiro (e com isso continuam a sua imparável dinâmica de extorsão dos nossos recursos) assim o determinam.
 
Não teria sido possível fazer um outro caminho? Claro que sim mas, mais uma vez, para que tal acontecesse seria necessário que o mercado financeiro não vivesse à custa dos outros, mas com os outros. Ele não apenas gerou a crise como, também, fez dos malfeitores os heróis da fita.
 
E a história vai ter que continuar assim? Evidentemente que não, mas para isso será preciso fazer-lhes a barragem, por ex., denunciando e impedindo que aqueles que ajudaram a vender o país (privatizações) não sejam recebidos com palmas no palácio dos malfeitores (Goldman Sachs).
 
Um comentário final para reinterpretar o que para aí se tem andado a dizer sobre a possibilidade de um programa cautelar. E se em vez da ideia de um seguro, de uma almofada de conforto, olhássemos para ele antes, como, um instrumento de que os donos do dinheiro (neste caso a UE) se socorrem para, agora, ainda por cima sem arriscarem financiamentos, continuarem a limitar a nossa soberania, dando instruções, fazendo visitas inspetivas (que pagamos), etc.?
 
E se aprendêssemos alguma coisa com o Asterix?

3 comentários:

  1. Parabens Manuel por este oportuníssimo e bem fundamentado texto. Espero que ele contribua para trazer alguma lucidez e contenção aos comentadores, mesmo aos mais entusiastas do main streaming. Espero também que dele aproveite a Oposição para ganhar novo fôlego e dirigir a sua atenção para os rumos portadores de futuro para este País.

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  2. Que excelente contributo, nesta fase em que cresce a tendência para "embandeirar em arco"! E em que a "governance" se afadiga a branquear tudo o que regredimos em termos de Estado Social em nome de uma pseudo "boa receita". Sem que, mais uma vez, se reflita sobre o médio e longo prazos.

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