15 dezembro 2013

A "retoma" e o pós Troika (*)

A partir dos inúmeros contributos críticos que vêm surgindo a propósito da tão propalada retoma, salientamos alguns aspectos que consideramos fundamentais.

Antes de mais, de que retoma se trata, afinal? No Rubini Monitor (http://roubinimonitor.com/), várias opiniões críticas, como a de John Weeks, desmontam o significado de números como os relativos às taxas de crescimento do PIB nos dois/três últimos trimestres, números esses que têm sido usados para "confirmar" a retoma e, ao mesmo tempo, "demonstrar" a bondade das medidas de austeridade. Com efeito, se em vez de se usarem as taxas de crescimento trimestrais simples se usarem as correspondentes taxas anualizadas,  apenas se constatam recuperações moderadas e sem garantias de sustentabilidade -  na Alemanha e em França - ou uma mera desaceleração ligeira nas taxas de queda - em Portugal, Grécia, Espanha, Itália e mesmo...Irlanda. As expectativas daqueles analistas quanto à recuperação  são igualmente modestas: as dúvidas quanto ao crescimento efectivo das economias europeias mais ricas condicionam grandemente a possibilidade de crescimento - pelas exportações - das mais pobres, a inexistência de uma política europeia de emprego vai continuando a permitir que na Alemanha a taxa de desemprego dos/as jovens dos 25 aos 34 anos não ultrapasse os 10%, contra os quase 60% da Grécia, mais de 50% da Espanha e oscilando entre 30% a 35% em Portugal, entre o 2º trimestre de 2011 e o 3º de 2013 (EUROSTAT, Database).

Entretanto, os níveis da riqueza privada são mais elevados do que nunca: nas quatro maiores economias europeias eles correspondem a valores que vão dos 400% aos 700% do PIB ! Fosse outra a natureza do poder político que não o engajamento acrítico aos pressupostos neoliberais e não faltariam os meios para a satisfação das necessidades sociais e dos direitos fundamentais agora postos em causa.

Um outro importante factor crítico tem a ver com a queda sustentada do investimento. Em Portugal, entre o último trimestre de 2010 e o 3º de 2013 essa queda foi de cerca de 30,8% (INE, Contas Nacionais Provisórias) e tem vindo a traduzir-se, entre outros aspectos, no bloqueio à ampliação e modernização da capacidade produtiva, à conservação e recuperação de equipamentos, com as inevitáveis e conhecidas consequências sobre o emprego.  No entanto, estes efeitos não se esgotam a curto prazo; muito pelo contrário. Há indícios de que o PIB potencial estará a recuar, a já de si estreita base produtiva doméstica tenderá assim a estreitar-se ainda mais a médio (e, porventura, longo) prazo e a recuperação do desemprego tornar-se-á particularmente difícil, uma vez começada a recuperação efectiva.

Com efeito, tão modestas perspectivas de crescimento da produção dificilmente permitirão que se atinja a médio prazo uma taxa de crescimento do Produto suficiente para conduzir à retoma nos mercados de trabalho. O elevado nível do desemprego estrutural, reforçado entretanto pelos muitos milhares de indivíduos desempregados/as de longo prazo e sem perspectivas de reinserção, para tal muito contribuirá. A isso se soma o total irrealismo de alguns programas europeus - como o Youth Guarantee Scheme, de Abril de 2013, que põe em letra de forma o objectivo de oferecer um emprego ou formação adequados a todos/as os/as licenciados/as num espaço de 4 meses ... -, programas esses que acabam por não ser aplicados em virtude da impossibilidade de comparticipação pelos governos nacionais. De relembrar, ainda, que o efeito inércia (histerese) conduz a que, após a retoma, o nível de emprego só se ajuste após o tempo necessário para que os negócios recuperem a confiança e, mesmo assim, sempre a um nível muito inferior ao anterior aos impactos das medidas de austeridade. Finalmente, deparar-nos-emos ainda com uma estrutura de qualificações e competências totalmente distorcida: as sucessivas más afectações dos/as mais qualificados/as - que não emigraram ou conseguiram sair do desemprego...-  a actividades muito menos exigentes em competências, funciona como um êmbolo que compele à sucessiva desqualificação e... a mais desemprego dos/as menos qualificados/as.

No momento em que, sem quaisquer consequências prácticas previsíveis, as cúpulas do FMI vêm reconhecer os erros das políticas de austeridade impostas, será bom ter presente a medida do prejuízo e, sobretudo, a perda irreversível de recursos nacionais - especialmente de recursos humanos qualificados - a que nos sujeitaram a Troika e os seus mais do que fiéis servidores. 

Margarida Chagas Lopes

(*) Texto adaptado da intervenção "Consequências a Médio e Longo Prazos das actuais medidas de Política Económica" feita no CESIS a 12 de Dezembro último

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