Foi necessária uma tomada de
posição frontal por parte do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas
para que o Ministro da Educação e Ciência e o Primeiro Ministro se dignassem
sentar-se à mesa com os representantes das universidades.
Em causa, uma vez mais, os cortes
cegos no Ensino Superior. Desencadeado o processo a meio de um exercício
orçamental, mais exactamente em Agosto último quando poucos/as o podiam
contestar, conhece agora uma fortíssima reincidência sob a forma do corte
adicional de 30 milhões em transferências, constante do Orçamento acabado de
aprovar.
Embora formalmente dotadas de
autonomia pedagógica e científica, as instituições da rede pública do Ensino
Superior dependem, de facto, do Orçamento de Estado para o seu funcionamento.
Certo é que, em muitas delas, as receitas próprias têm vindo a crescer
sistematicamente, chegando por vezes para cobrir as despesas com pessoal. No
entanto, não só esta tendência não é generalizável, como também o montante das
receitas próprias não se mostra suficiente, mesmo nos melhores casos.
Por outro lado, e este é o
aspecto que aqui se pretende salientar, aquele aumento das receitas próprias
tem vindo a significar, em grande parte, um aumento dos sacrifícios que os/as
alunos/as e famílias têm vindo a ser chamados/as a fazer, em situação de tão
grande aperto financeiro. Com efeito, a formatação do ensino superior induzida
pelo processo de Bolonha, por ter levado à desvalorização social das licenciaturas
agora compactadas, fez subir o nível de exigência dos/as recrutadores/as e
empresas, tornando o mestrado e, frequentemente, também a pós graduação, o
limiar mínimo de qualificação exigida. Entre 2000 e 2009, o aumento percentual
do financiamento privado (famílias e indivíduos) do ensino superior foi
superior a 20 p.p., enquanto o correspondente peso do financiamento público no
total da despesa pública diminuíu consideravelmente no mesmo período (OECD,
2013, Education at a Glance).
De salientar, ainda, que com os
efeitos da crise sobre os rendimentos familiares e individuais seria de esperar
que a política social relativamente ao ensino superior se tivesse visto
reforçada, designadamente no que respeita à atribuição de bolsas. O certo é que
sucedeu precisamente o contrário: a percentagem de estudantes portugueses/as do ensino superior público com acesso a bolsas ou subsídios do Estado diminuíu de cerca de 22% em 2009 para menos de 19% em 2011 (PORDATA).
Assistimos, assim, também neste domínio, à progressiva
desresponsabilização do Estado para com a provisão e regulação do bem semi
público que é a Educação, ao contrário do que lhe é cometido pela Constituição.
Por outro lado, a não renovação do corpo docente universitário
e as condições de trabalho e remuneração cada vez mais degradadas tornam
impossível a inovação pedagógica. Os cortes sucessivos têm vindo a conduzir,
também, ao retorno ao sobre dimensionamento das turmas e à escassez de
recursos pedagógicos fundamentais. Tratando-se, embora, de uma tendência comum a vários países da U.E., as consequências para sociedades, como a
nossa, em que as taxas de conclusão líquidas do ensino superior pouco estão a
ultrapassar os 40%, só poderão vir a agravar-se. De resto, o abandono e a desistência
a meio da frequência do ensino superior têm vindo a aumentar de tal maneira que
instituições internacionais de referência – como a EERA, European Education
Research Association – decidiram dedicar a este tema uma das próximas
conferências internacionais (ECER, Porto 2014).
Paradoxalmente, ou talvez não, os frutos do neoliberalismo
voltam-se contra o próprio: a tentativa de normalização por parte das agências
de acreditação internacionais, processo viral a que as universidades
portuguesas, privadas e públicas, não têm escapado, impõe limites ultra rígidos
aos indicadores de retenção e insucesso, limites esses que algumas daquelas
instituições se vêem em dificuldades para cumprir…
E o pior é que tudo isto não é mais do que puro economicismo,
em nome da austeridade. Com efeito, não se
vislumbram quaisquer indícios, no País, de uma estratégia de formação avançada.
Pelo contrário, tanto em educação como em investigação e desenvolvimento, os
indicadores recentes só nos mostram a perda de posições anteriormente
adquiridas, assim se contribuindo para estreitar irreversivelmente a base de
partida para futuras políticas de desenvolvimento de recursos humanos.
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