Na primeira linha da primeira página do jornal Público de ontem escreve-se, a vermelho, “ cuidados paliativos só chegam a 10% dos doentes”.
A notícia que desenvolve o tema dá conta da muito baixa cobertura das necessidades de cuidados paliativos, que estima em cerca de 60 mil doentes, bem como da insuficiência das dotações de pessoas que compõem as equipas, quer do ponto de vista do número dos seus membros, quer da formação que lhes é dada.
Como é possível que, tendo sido aprovado em 2004 o Programa Nacional para os Cuidados Paliativos, se esteja ainda naquela situação?
É muito esclarecedora da menorização atribuída aos cuidados paliativos a seguinte afirmação do Relatório de 2011, promovido pelo Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, sobre o caso português: a organização de cuidados paliativos é ainda incipiente em Portugal, e por tal motivo, não há dados disponíveis que permitam estimar as necessidades não cobertas nesta área.
Convém ter presente que o que está em causa não é o prolongar artificialmente a vida na sua fase terminal, mas sim prestar aos doentes, atingidos por doenças que provocam grande sofrimento, os cuidados que permitem prevenir a dor, ou, pelo menos, reduzir a sua intensidade, bem como outros problemas físicos, psicológicos, sociais e espirituais.
Quem viveu de perto estas situações, sabe como elas são traumatizantes para os doentes e para quem deles cuida, tantas vezes impreparados e sem poder contar com os apoios materiais e humanos que lhes deveriam ser oferecidos.
Deve sublinhar-se que o acesso aos cuidados paliativos é uma obrigação legal, reconhecida pelas Convenções das Nações Unidas, e tem sido reclamado como um direito humano por associações internacionais, como se lê na Carta de Praga, documento este que apela aos governos para que actuem no sentido de aliviar o sofrimento e assegurar o direito a cuidados paliativos. Essa Carta afirma que a não disponibilização de cuidados paliativos por parte dos governos, pode qualificar-se como um tratamento cruel, desumano ou degradante e acrescenta que os cuidados paliativos podem aliviar eficazmente o sofrimento a um custo relativamente baixo.
Acresce que na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de que somos subscritores, estabelece-se, no seu nº 11, que cada indivíduo tem direito a evitar toda a dor e sofrimento possíveis, em cada fase da sua doença.
É certo que, em Portugal, as famílias e equipas de voluntários têm procurado assegurar, o melhor que podem e sabem e tantas vezes com sacrifícios que ninguém adivinha, o cuidado dos doentes terminais, quando, como é frequente, não conseguem resposta atempada dos serviços públicos nem têm meios económicos para aceder a instituições privadas de saúde.
Mas de uma sociedade coesa espera-se o impulso para que o direito àqueles cuidados passe a ser assegurado a todos os doentes que deles necessitem, competindo ao Estado dar-lhe resposta, como está estabelecido, desde 2006, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados.
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