09 junho 2016

Tanta barulheira, porquê e para quê?


Chiu . . . silêncio para ver se se consegue perceber alguma coisa.
O barulho causa ruído e o ruído é inimigo da lucidez, da boa compreensão do que está em discussão e de decisões assertivas.
E porquê vir, agora, ao barulho? Tenhamos como pano de fundo a forma como, nos últimos tempos, se tem vindo a discutir o passado, o presente e o futuro da economia e da sociedade portuguesas. Mais imediatamente tenho presente o ruído, provocado pelas apreciações que os media e outras manifestações públicas, nos têm trazido, acerca das previsões da evolução da economia e sociedades portuguesa: vai haver sanções, ou não vai haver sanções? O crescimento da economia será maior ou menor do que 1,5%? O deficit público situar-se-á nos 2,2, 2,3 ou 2,8%? O deficit privado vai ser de (isto não interessa, esqueçam!); será que aumentar o consumo faz crescer ou decrescer a economia? As exportações vão aumentar ou diminuir? E as importações? O afluxo de capital estrangeiro vai ter aplicações produtivas ou servir para aquisições de ativos já existentes? E muitas outras questões se poderiam colocar.
Porque é que venho afirmar que o fundo para as respostas é quase exclusivamente de barulheira? São várias as características das discussões a que temos assistido que justificam o ruído que ouvimos e que têm impossibilitado que nos ouçamos uns aos outros. Vejamos algumas.

A discussão de resultados
 A maioria das discussões a que sobre as matérias enunciadas temos assistido têm vindo a centrar-se quase exclusivamente nas expectativas (opiniões, impressões) que cada um possui acerca dos resultados que serão alcançados e raramente sobre as metodologias e os pressupostos que justificam que se atinjam os resultados que se pretende defender.
Por vezes, alguns encartados, para justificar uma ou outra posição, á socapa,  retiram do bolso uma folha de A4 e dizem: eu tenho aqui um gráfico que prova isto mesmo; outras vezes em vez de um gráfico puxam de um quadro e dizem: de acordo com os meus números . . . Como se um gráfico ou um quadro (agora também há quem lhes chame “tabela”), só por si, justificasse o que quer que fosse.
Para que o exercício tivesse algum grau de razoabilidade seria indispensável que se referissem as fontes, para que pudessemos ajuizar da seriedade do ponto de partida, e se explicitassem as metodologias de análise que permitiriam, ou não, credibilizar o rigor da análise que tiver sido realizada. No entanto, o conhecimento de uma e outras não constituem, só por si, condição suficiente para que se consiga aquele objetivo.
É que entre a informação de base e os resultados que se defendem estão formas de relacionar as variáveis, umas que possuem caráter objetivo (identidades, por ex.) e outras que dependem do ponto de vista do analista que é condicionado por esta ou aquela teoria interpretativa (relações funcionais) e pelos pontos de vista que ele próprio defende, de acordo com a sua forma de ver e se situar no mundo.
Por isso, dizer que o meu resultado é melhor do que o teu, sem o suportar numa metodologia de análise, é simples barulho ensurdecedor que nada esclarece.

O suporte institucional das avaliações
Do que se disse atrás compreende-se, com facilidade, que a análise económica não é exercício fácil para quem para tal não obteve a formação adequada. Contudo, possuir as competências técnicas necessárias não quer dizer que tendo-se partido do mesmo conjunto de informação de base, dois técnicos ou duas instituições, perante o mesmo objetivo, venham a obter os mesmos resultados. É que nas suas formulações também os técnicos são obrigados a admitir hipóteses, a socorrer-se das interpretações que lhe são sugeridas por um determinado suporte teórico, a adotar uma certa forma de olhar a economia e a sociedade.
O que se diz dos técnicos deve, igualmente, ser afirmado a propósito das instituições, por ex., o Banco de Portugal, o Ministério das Finanças, o Conselho de Finanças Públicas, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional, as agências de rating, os gabinetes universitários, etc. Isto é, qualquer análise ou avaliação possui, por traz de si, pressupostos que alguns têm dificuldade em chamar ideologia, já que entendem que a haver ideologia ela só existe na análise dos outros, quando afinal, não há avaliação sem ideologia, quer se queira ou não seja explicitá-la.
É por isso que, tanto ou mais importante do que discutir os resultados, é abrir a “caixa negra” e analisar como funcionam e se articulam os mecanismos que lá estão dentro. Ficaremos, todos, tanto mais esclarecidos quanto mais abertas (transparentes) forem as caixas negras e quanto maior for o número de caixas negras radiografadas.
Em Portugal, contrariamente ao que acontece em outros países europeus e não só, para além das instituições oficiais, são quase inexistentes a instituições independentes a fazer projeções macroeconómicas. Nesta matéria, o número reduzido de instituições não oficiais a realizar projeções macroeconómicas, em lugar de oportunidade de poupança de recursos é razão para o seu desperdício.
O Parlamento só ganharia e ganhariam os portugueses se, em lugar de criar instituições com exclusividade de análise, contratualizasse com instituições independentes, universitárias, por ex., a realização de projeções, a discutir em confronto com as que já têm vindo a ser realizadas. Talvez deixássemos, desse modo, de discutir variações de décimas no comportamento dos principais agregados macroeconómicos, sabido que é que essas diferenças podem ser mais explicadas por erros de medição, diferente avaliação do comportamento das variáveis associadas à informação de base e, muito menos pelo comportamento real da economia.
Estou seguro que, desse modo, teríamos oportunidade para obter esclarecimento, mais sobre questões substanciais e menos sobre guerras de décimas e de alecrim e manjerona.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários estão sujeitos a moderação.