27 outubro 2020

O pleno emprego – Uma utopia?

 Ao longo deste ano de 2020 temos assistido ao impacto da pandemia Covid-19 sobre a economia global e ao agravamento das condições sociais de grande parte da população mundial, sem que se vislumbre como e quando será posto termo a esta situação.

Um dos aspectos preocupantes é o recente agravamento do desemprego, com as organizações internacionais, em especial a OCDE e a OIT, a documentarem o declínio brusco do número de empregos e/ou do volume de trabalho na 2ª metade de 2020, ao mesmo tempo que também receiam venha a ser incerta e incompleta a recuperação dos empregos .

Por outro lado as mesmas Organizações chamam a atenção para a assimetria dos impactos negativos da pandemia e o agravamento das desigualdades, afectando mais alguns grupos populacionais, em consequência das debilidades pre-existentes  nas economias mundiais: os trabalhadores com salários mais baixos, as mulheres, os jovens, os trabalhadores informais ou de grupos vulneráveis.

Acrescem as perturbações do mercado de trabalho que decorrem das alterações tecnológicas e de outras megatendências, criando, em paralelo, deficits e excedentes de qualificação, sem que a transição esteja devidamente preparada.

No caso de Portugal, os ganhos obtidos no passado recente, com significativa redução da taxa de desemprego (16,2% em 2013 e 6,5% em 2019), estão sob ameaça e é de temer que sejam os trabalhadores mais precários as principais vítimas. De facto, temos que ter presente o seu elevado número, pois as taxas de sub-utilização da força de trabalho, apesar da sua redução, sobretudo em 2018 e 2019, era quase dupla da taxa de desemprego (12,7 % em 2019).

A um problema estrutural económico e social veio somar-se o impacto da pandemia, sendo as atenções tendencialmente monopolizadas para as acções de emergência no tocante ao mercado de trabalho, esquecendo o necessário enquadramento de médio e longo prazo, onde as necessidades sentidas no passado vão perdurar.

É tempo de promover uma reflexão profunda na Europa, pois não basta assegurar que os meios financeiros sejam reforçados e aplicados com transparência, antes é necessário exigir uma visão mais rigorosa dos problemas e repensar o objectivo das reformas a planear num mundo em transformação.

Neste capítulo, muitas ideias feitas haverá que questionar, entre elas a de que as economias tendem naturalmente para o pleno emprego  pelo que o papel do estado deve limitar-se ao mínimo : um mito que se revelou falso, mas que a ortodoxia do pensamento económico tem procurado manter  como válido .

Um artigo que dois conceituados economistas – Mariana Mazzucato e Robert Skidelsky - publicaram em Project Syndicate com data de 10 de Julho[1] com o título ”Toward a New Fiscal Constitution” conta-se entre os que ajudam a equacionar esta questão de forma bem clara: “With the COVID-19 pandemic forcing governments to spend on na unprecedent scale to sustain businesses and households, there has never been a better time to restore the state to its proper role as a rudder for the broader economy. The market alone is simply no match for the challenges of the twenty-first century”

Os autores consideram que os estados actuaram  pouco e demasiado tarde na resposta à pandemia por terem negligenciado o seu papel na provisão de bens públicos em todos os domínios, desde a I&D na medicina e na tecnologia, nos transportes , na saúde e na educação. É assim fundamental que não se limitem agora à gestão da crise e assumam a sua capacidade única e profunda para a orientação da vida económica em ordem ao bem-comum.

Tal implica um investimento demorado e paciente para reconstruir suficientemente a capacidade do estado e não apenas para injectar dinheiro na economia (Helicopter Money) em resposta a uma emergência.

O caso do Reino Unido (onde também a taxa de subemprego é dupla da taxa de desemprego) é tomado como exemplo para defender que “uma transição económica que se processe em termos suaves exigirá um programa visando a criação de empregos no sector público com o objectivo de gerar uma base de impostos sustentável ao chamar a si actividade económica que  a crise, de outra forma, teria tornado estéril. No fundo dever-se-ia considerar que  um pleno emprego genuíno deveria ser tido como um bem público. De facto uma pessoa em pleno emprego aumenta não só o seu próprio rendimento, como também o da comunidade onde se insere, através do incremento da procura”.

Um tal Programa seria financiado a nível nacional mas administrado localmente por agentes como os governos locais, as ONG, e empresas sociais, cabendo a cada um deles criar oportunidades de emprego onde são mais necessários, desde os serviços cívicos, ambiente ou prestação de cuidados às pessoas.

Cabe, pois, a cada país reflectir sobre se aceita o desemprego como uma inevitabilidade ou se decide criar as condições para o combater com um verdadeiro Programa Nacional para o Pleno Emprego, valorizando o seu impacto sobre a economia, a qualificação dos recursos humanos e, mais geralmente, o bem-estar e a coesão social.



[1] https://www.project-syndicate.org/onpoint/new-fiscal-constitution-job-guarantee-by-mariana-mazzucato-and-robert-skidelsky-2020-07?barrier=accesspaylog

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