Ao longo deste ano de 2020 temos assistido ao
impacto da pandemia Covid-19 sobre a economia global e ao agravamento das
condições sociais de grande parte da população mundial, sem que se vislumbre
como e quando será posto termo a esta situação.
Um dos aspectos preocupantes é o recente
agravamento do desemprego, com as organizações internacionais, em especial a
OCDE e a OIT, a documentarem o declínio brusco do número de empregos e/ou do
volume de trabalho na 2ª metade de 2020, ao mesmo tempo que também receiam
venha a ser incerta e incompleta a recuperação dos empregos .
Por outro lado as mesmas Organizações chamam
a atenção para a assimetria dos impactos negativos da pandemia e o agravamento
das desigualdades, afectando mais alguns grupos populacionais, em consequência
das debilidades pre-existentes nas
economias mundiais: os trabalhadores com salários mais baixos, as mulheres, os
jovens, os trabalhadores informais ou de grupos vulneráveis.
Acrescem as perturbações do mercado de
trabalho que decorrem das alterações tecnológicas e de outras megatendências,
criando, em paralelo, deficits e excedentes de qualificação, sem que a
transição esteja devidamente preparada.
No caso de Portugal, os ganhos obtidos no
passado recente, com significativa redução da taxa de desemprego (16,2% em 2013
e 6,5% em 2019), estão sob ameaça e é de temer que sejam os trabalhadores mais
precários as principais vítimas. De facto, temos que ter presente o seu elevado
número, pois as taxas de sub-utilização da força de trabalho, apesar da sua
redução, sobretudo em 2018 e 2019, era quase dupla da taxa de desemprego (12,7 %
em 2019).
A um problema estrutural económico e social
veio somar-se o impacto da pandemia, sendo as atenções tendencialmente
monopolizadas para as acções de emergência no tocante ao mercado de trabalho,
esquecendo o necessário enquadramento de médio e longo prazo, onde as
necessidades sentidas no passado vão perdurar.
É tempo de promover uma reflexão profunda na Europa,
pois não basta assegurar que os meios financeiros sejam reforçados e aplicados
com transparência, antes é necessário exigir uma visão mais rigorosa dos
problemas e repensar o objectivo das reformas a planear num mundo em
transformação.
Neste capítulo, muitas ideias feitas haverá
que questionar, entre elas a de que as economias tendem naturalmente para o
pleno emprego pelo que o papel do estado
deve limitar-se ao mínimo : um mito que se revelou falso, mas que a ortodoxia
do pensamento económico tem procurado manter como válido .
Um artigo que dois conceituados economistas –
Mariana Mazzucato e Robert Skidelsky - publicaram em Project Syndicate com data
de 10 de Julho[1]
com o título ”Toward a New Fiscal Constitution” conta-se entre os que ajudam a
equacionar esta questão de forma bem clara: “With
the COVID-19 pandemic forcing governments to spend on na unprecedent scale to
sustain businesses and households, there has never been a better time to
restore the state to its proper role as a rudder for the broader economy. The
market alone is simply no match for the challenges of the twenty-first century”
Os autores consideram que os estados actuaram
pouco e demasiado tarde na resposta à
pandemia por terem negligenciado o seu papel na provisão de bens públicos em
todos os domínios, desde a I&D na medicina e na tecnologia, nos transportes
, na saúde e na educação. É assim fundamental que não se limitem agora à gestão
da crise e assumam a sua capacidade única e profunda para a orientação da vida
económica em ordem ao bem-comum.
Tal implica um investimento demorado e
paciente para reconstruir suficientemente a capacidade do estado e não apenas
para injectar dinheiro na economia (Helicopter Money) em resposta a uma
emergência.
O caso do Reino Unido (onde também a taxa de
subemprego é dupla da taxa de desemprego) é tomado como exemplo para defender
que “uma transição económica que se
processe em termos suaves exigirá um programa visando a criação de empregos no
sector público com o objectivo de gerar uma base de impostos sustentável ao chamar
a si actividade económica que a crise,
de outra forma, teria tornado estéril. No fundo dever-se-ia considerar que um pleno emprego genuíno deveria ser tido como
um bem público. De facto uma pessoa em pleno emprego aumenta não só o seu
próprio rendimento, como também o da comunidade onde se insere, através do
incremento da procura”.
Um tal Programa seria financiado a nível
nacional mas administrado localmente por agentes como os governos locais, as
ONG, e empresas sociais, cabendo a cada um deles criar oportunidades de emprego
onde são mais necessários, desde os serviços cívicos, ambiente ou prestação de cuidados
às pessoas.
Cabe, pois, a cada país reflectir sobre se
aceita o desemprego como uma inevitabilidade ou se decide criar as condições
para o combater com um verdadeiro Programa Nacional para o Pleno Emprego,
valorizando o seu impacto sobre a economia, a qualificação dos recursos humanos
e, mais geralmente, o bem-estar e a coesão social.
[1] https://www.project-syndicate.org/onpoint/new-fiscal-constitution-job-guarantee-by-mariana-mazzucato-and-robert-skidelsky-2020-07?barrier=accesspaylog
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