05 julho 2017

Escolas, militares e “passagens administrativas”

Falemos de inovação escolar. Estamos em términus de ano lectivo, com os alunos a braços com avaliações e os professores sobrecarregados com as mesmas, para além de toda a carga burocrática que neste período ainda mais se intensifica. O cansaço e a frustração acumulados, a par do trabalho investido durante o ano, pedem férias e não disponibilizam os espíritos de uns e outros, bem como dos pais e restantes interessados, para discussões aprofundadas sobre cargas lectivas, redefinição de critérios de avaliação ou acolhimento de alunos em tempos entre aulas.

É, pois, a altura ideal para introduzir mudanças. De resto, os períodos de férias escolares têm vindo a mostrar-se particularmente frutuosos neste domínio. Como “quem cala consente”, mesmo que por insuficiência de informação ou debate, nada como legislar à porta das férias de Verão para se garantirem amplos consensos sociais… Vem isto a propósito de várias iniciativas tomadas pelo Ministério da Educação nas últimas semanas, algumas delas já com chancela legislativa e, em geral, surgidas à revelia da opinião de há muito expressa pelos vários interessados.

Comecemos pela iniciativa de redução em 2,5 horas semanais dos tempos escolares do 1º ciclo, noticiada hoje pelo Jornal de Notícias. Com efeito, durante bastante tempo Portugal caracterizava-se por deter cargas horárias globais bastante elevadas no contexto da OCDE – e especialmente em Português e em Matemática, em detrimento das Artes e da Educação física – situando-se em 2016 sobre a média daquela organização internacional, como pode ler-se em OCDE (2016), Education at a Glance.[1] 

Nada nos é dito, entretanto, sobre uma eventual correcção daquele desequilíbrio entre disciplinas e o portal do Ministério da Educação é totalmente omisso a este respeito: que eventual (?) estratégia pedagógica estará por detrás desta decisão? Terá a mesma sido inspirada por estudos como, por exemplo, CNE (2017), Organização Escolar – o Tempo[2]? Ignoramo-lo de todo.

O que já se sabe de fonte segura é que o Conselho de Ministros aprovou há poucos dias uma alteração legislativa ao abrigo da qual passa a ser possível o recrutamento de elementos das Forças Armadas na reserva para assegurar o enquadramento das crianças neste aumento de tempos não lectivos. Sabemo-lo por declarações públicas à agência Lusa de um dos dirigentes da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas; e com elas partilhamos o grande receio de que, uma vez mais, tenham prevalecido critérios de poupança orçamental sobre os inerentes à melhoria da formação e adequação das competências dos auxiliares das escolas relativamente ao apoio e enquadramento das crianças em tempos de recreio… Solicitações de há muito apresentadas pelos responsáveis escolares, pais e alunos. Para muitos de nós, já com netos em idade escolar, esta figura dos militares nas escolas não deixa de fazer lembrar também – por razões naturalmente muito diferentes -  tempos que quereríamos de todo ver votados a um total esquecimento.

Outra situação “inovadora” consiste na pressão que tem estado a ser exercida por alguns responsáveis de agrupamentos e de escolas, alegadamente por influência “vinda de cima”, junto dos professores com vista à transição de ano de alunos com baixo rendimento escolar e número significativo de notas negativas. A informação publicada nos últimos dias, a par de depoimentos de professores directamente envolvidos, é elucidativa a este respeito. Bem sabemos quais as metas que nos comprometemos a cumprir em termos de desempenho escolar: a Agenda 2020 estabelece os objectivos de redução do abandono escolar e de aumento da percentagem da conclusão dos ensinos básico e secundário como sendo dos mais importantes a atingir. E se é certo que as raparigas portuguesas já ultrapassaram, ou se situam próximo, de tais metas, a verdade é que a população jovem masculina portuguesa se encontra ainda em défice acentuado.

Mas que se entende por cumprimento das metas? “Trabalhar para a estatística”? Ou seja, apor um rótulo de prestação suficiente a quem não alcançou de facto as competências inerentes? Qual o ganho real, para a educação e para o País, de uma tal mistificação? Compreende-se que esta démarche produza resultados mais imediatos do que um debate profundo e responsável sobre o sistema de avaliação e exames, em bom tempo anunciado mas de há muito adormecido. Se não estamos de novo perante a modalidade das passagens administrativas, de tristíssima memória, a situação actual parece ir, de facto, nesse mesmo sentido.

E assim vamos de inovação escolar. Pode ser que o fim do Verão traga com ele o bom senso e o indispensável sentido de responsabilidade pela causa pública.





[1] Para conclusão idêntica, no contexto da União Europeia, ver também EURYDICE, Key Data on Education in Europe (http://eacea.ec.europa.eu/education/eurydice/documents/key_data_series/134EN.pdf), com indicadores menos actualizados. Também o estudo Organização Escolar – o tempo, realizado pelo Conselho Nacional de Educação em 2016 conclui que “o elevado número de horas de ensino não obrigatório em Portugal [(… no 1º ciclo (CITE 1)] posiciona o País ( juntamente com o Chile, Dinamarca e Grécia ), no grupo de países com carga horária anual superior a 1000 horas” (op. cit p. 42).

1 comentário:

  1. Ainda bem que há uma voz que se levanta para chamar a atenção para os riscos de mudanças introduzidas às parcelas em sistemas complexos - o sistema educativo é um deles - mormente quando estão em causa impactos na formação das gerações futuras.
    Às justíssimas preocupações assinaladas pela Professora Margarida Chagas Lopes acrescento uma outra: a determinação do Governo de municipalização da educação a partir do próximo ano escolar. É caso para perguntar se está a ser respeitada a Constituição da República. E, ainda, se é legítimo fazê-lo à margem de uma Lei de Bases em vigor.
    Mal se compreende que perante estas opções de fundo a AR e s partidos políticos que nela têm assento bem como a comunicação social dediquem ao assunto tão pouca atenção. E as Universidades por que não reagem? Não é a educação um dos pilares do desenvolvimento, da coesão social, do conhecimento, da democracia e da paz?

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