19 novembro 2020

As boas ideias e o planeamento
Tomada de Posição



As boas ideias e o planeamento 

Tomada de Posição 


A experiência de Planeamento macro, em Portugal, é longa e foi-se construindo e desconstruindo ao longo do tempo. Em termos formais, o primeiro plano surgiu nos princípios dos anos 50 do século passado (I Plano de Fomento). Não era ainda um verdadeiro plano, mas antes uma listagem e programação de investimentos públicos, o que talvez se explique por ainda não existir uma verdadeira estrutura técnica de planeamento capaz de preparar um plano. 

Seguiu-se-lhe, durante mais de 30 anos, uma experiência que se pode caracterizar, por revelar uma progressiva e sustentada, preparação, a nível central, de equipes de planeamento sectorial e regional e por o planeamento se tornar um instrumento cada vez mais robusto e racional para a sustentação da tomada de decisões, tanto pelas várias administrações públicas, como pelas instituições privadas. 

Assim se chegou ao IV Plano de Fomento, que se encontrava praticamente finalizado com a chegada da aurora do 25 de abril. O documento, que ficou conhecido como Plano Melo Antunes (1975), foi essencialmente um programa de opções de política económica e social, mas que, dadas as opções do 11 de março, foi abandonado. 

Depois disso apenas foi elaborado, sob a direção da Secretária de Estado, Prof.ª Manuela Silva, um plano com cabeça tronco e membros (1976/77). Infelizmente, como se costuma dizer, foi metido na gaveta. Mais recentemente, outras figuras como o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT), embora de muita relevância e por vezes conhecido como Plano, não o é verdadeiramente. 

Com a aprovação da Constituição foi criada a figura das “Grande Opções do Plano” que tinham e têm uma ambição limitada em matéria de planeamento. Apesar da ambição limitada, nem mesmo essa tem sido levada muito a sério. 

Os planos preparados seguidamente têm tido, quase exclusivamente, como propósito a formulação de planos de investimento com o objectivo de poderem maximizar a mobilização dos financiamentos europeus, para projectos, regionais ou nacionais, de infraestruturas, projectos sectoriais, de ambiente e outros. Falta-lhes uma visão sistémica que tenha como preocupação valorizar as interdependências de decisões, no tempo, no espaço e nas fontes de financiamento, nacionais e exteriores. Essa visão ficou diminuída, face ao desejo de maximização do ritmo de absorção dos fundos europeus. Ora acontece que as duas preocupações poderiam ter convivido de forma profícua, o que não se quis que acontecesse, em prejuízo do progresso do país e do bem-estar das populações. 

Assim, paulatinamente, foi desaparecendo o compromisso com o planeamento, que continua, hoje, a ser um instrumento de racionalidade, eficiência e eficácia na condução das decisões da economia e sociedade. Simultaneamente, de forma propositada ou não, foi destruída toda a estrutura organizativa e capacidade técnica em matéria de planeamento global, sectorial e territorial. 

Importa que nos interroguemos sobre as razões que podem justificar este afrouxar de empenhamento em matéria de elaboração de planos. Podemos e devemos perguntar-nos porque é que tal aconteceu. 

São múltiplas as razões, mas certamente, que uma das principais tem a ver com a circunstância de, pelos governos de direita os planos passarem a ser interpretados, erradamente, como tendo um sabor demasiado marxista e pelos governos de esquerda os considerarem uma nefasta herança do passado autoritário. Para além disso, tanto os de direita, como os de esquerda, interpretaram e mal, os planos como freios que os impediam de poder, livremente, tomar decisões que os tempos da Revolução exigiam. 

Aqui chegados, convém sublinhar que os que participaram deste processo de destruição pouco ou nada entenderam sobre a essência do planeamento. O planeamento não é, contrariamente ao que muitos possam pensar, um sistema de amarras que impede os diferentes actores de ajustarem os seus comportamentos aos imprevistos que durante a sua execução vão acontecendo. O planeamento, num mundo de incerteza crescente e de economias e sociedades cada vez mais interdependentes é, precisamente o contrário. Com ele gerem-se, com muito maior eficácia, as interdependências entre as decisões dos actores, num mundo em que a previsibilidade se torna mais reduzida. Não temos que gerir certezas, mas sim, o que já é muito, reduzir a dominância das incertezas. 

O planeamento, sendo um instrumento de programação de objectivos é, sobretudo, um instrumento de compromissos permanentes face aos aléas que a execução daqueles objectivos possa apresentar. Na ausência da cultura do compromisso o maior bem-estar que poderia ser obtido fica seriamente comprometido. 

Vimos ser, recentemente, divulgados dois documentos intitulados: “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, 2020-2030”, dito Plano Costa e Silva e o “PPR - Plano de Recuperação e Resiliência, 2021-2026”. São dois instrumentos de grande relevância e que, de algum modo desencadearam esta tomada de posição. Não há plano sem perspectiva de longo prazo e, por isso, o primeiro se poderia considerar como suporte do segundo. Só que os seus horizontes temporais são diferentes e não é feito qualquer esforço de compatibilização. Mesmo que isso fosse cumprido faltar-lhe ia tudo o resto: programação global, sectorial e territorial de objectivos; horizontes temporais; compromissos das várias administrações públicas e instituições privadas, etc, etc. 

O segundo, de plano tem apenas o nome. Parece surgir só para dar resposta às exigências programáticas da Comissão Europeia, condição da mobilização dos fundos financeiros tornados disponíveis em tempo de pandemia. 

Os objectivos nele enunciados são de extrema relevância e vão ao encontro das grandes ambições que se colocam, hoje, aos portugueses e à humanidade. Dar-lhe continuidade implicará o desenvolvimento de um verdadeiro trabalho de planeamento, que sabemos ter que possuir como suporte um novo paradigma de mobilização de actores, de recursos e de gestão da incerteza. 

Ignorar o planeamento, com as novas configurações que terá que assumir, é tornar o país mais pobre, menos justo, mais desigual ou, pelo menos, coartar as possibilidades de progresso que os portugueses merecem. 

O Grupo Economia e Sociedade 

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