O escândalo da fuga aos impostos por parte
das multinacionais tem vindo a ser denunciado desde há muito mas, apesar da dimensão dos prejuízos causados aos
orçamentos dos estados por tais práticas (segundo o FMI, pelo menos 500 mil
milhões de dólares por ano), ainda não foi possível colocar-lhe travão eficaz.
O argumento da alta tecnicidade envolvida nas
soluções estudadas não é convincente, pois o que está em causa é, acima de
tudo, um problema político, uma questão de desequilíbrio de poder, dada a
dimensão das empresas em causa e a sua influência sobre os governos e algumas
entidades internacionais.
Segundo Antonio Ocampo, presidente da ICRICT (Comissão
Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional), poderá ser que a raiva das vítimas da austeridade desde a crise
financeira de 2018 tenha contribuído para
activar a reacção de governos com maior peso negocial, como por exemplo a Índia.
Certo é que a OCDE tem dado alguns passos no
sentido de maior transparência e justiça tributária, mas de ambição limitada,
ao mesmo tempo que a realidade vai
mudando com o aumento do peso das transacções de serviços e o avanço da
economia digital.
No dia 9 de Outubro do ano corrente a OCDE apresentou uma nova proposta para
limitar a fuga aos impostos pelas
multinacionais, a qual, após
passagem no G20, deverá ser objecto de acordo político em 2020.
Um aspecto positivo que os analistas anotam
na proposta da OCDE é o tratamento dos grupos multinacionais como uma entidade
única e o princípio da distribuição dos lucros pelos diferentes países em que
actuam.
À primeira vista pareceria então que tudo
estaria resolvido…se não fosse a forma tímida como a OCDE propõe atingir os
objectivos de equidade.
Segundo um estudo de Alex Cobham, da Tax
Justice International, que comparou a sua proposta com a da OCDE, esta última
apenas capta 5% dos lucros que estão nos
paraísos fiscais e favorece sobretudo os países ricos, contra 60% na sua
proposta, mais favorável aos países pobres, que são os mais prejudicados com a
evasão fiscal. Os factores explicativos de tão grande disparidade de resultados
residem na determinação do lucro a distribuir e na fórmula de repartição dos lucros
pelas diferentes jurisdições: apenas de acordo com as vendas ou,como a ICRICT
defende, conforme o emprego e os recursos naturais utilizados.
Tendo presente que 40% dos lucros das
multinacionais são transferidos para os paraísos fiscais, podemos apreciar como
são divergentes as duas propostas referidas, no meio das quais estará uma
outra, vinda do FMI.
Não menor é a crítica apresentada por
Stiglitz em Project Syndicate, de 7 de Outubro de 2019 no seu artigo No More Half- Measures on Corporate Taxes[1],
onde são apontados os principais pontos fracos do sistema vigente, com relevo
para os preços de transferência, manipulados mas aceites como equivalentes a preços de mercado,
situação que a proposta da OCDE ( pouco
clara, no seu entender), ao canonizar o gradualismo não resolve de
forma satisfatória.
Stiglitz advoga ( como a ICRICT) a necessidade de uma tributação mínima, da ordem
de 25%, a taxa efectiva média que, nos países desenvolvidos, recai sobre os
lucros, sendo estes correctamente determinados e não apenas os “ lucros
residuais” como na proposta da OCDE. A não ser estabelecida esta regra, haverá uma convergência em direcção a um valor menor,
com efeito contrário ao pretendido, que é o aumento de contribuição fiscal
das multinacionais.
Sabemos como os governos, incluindo na UE,
continuam a competir por atrair as multinacionais através de baixas de impostos, minimizando os
custos de tais práticas, sobretudo a menor capacidade de levarem a cabo as políticas de desenvolvimento e bem-estar pelas quais são responsáveis e que
deveriam ser a principal medida do seu
bom desempenho.
Assim, esperamos que até à aprovação da
reforma da fiscalidade internacional, prevista acontecer em Junho de 2020,
possa ser reformulada a proposta em análise para que não continue a situação de
iniquidade que tem prevalecido.
[1] https://www.project-syndicate.org/commentary/oecd-proposal-multinational-tax-avoidance-by-joseph-e-stiglitz-2019-10
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