28 maio 2020

Ensino à distância, economia e “pedagogia chapa 1”


Com a pandemia do COVID 19 não houve alternativa senão recorrer ao ensino à distância. Através das tecnologias da informação e da comunicação, escolas e professores desenvolveram metodologias de ensino e aprendizagem e puseram-nas em prática em tempo por vezes record, como aconteceu em Portugal.

Inicialmente, o ensino à distância desenvolveu-se exclusivamente através de plataformas electrónicas e de outros meios suportados pela internet. Em breve se percebeu que um número muito significativo de alunos e suas famílias não dispunham dos recursos necessários e, então, recorreu-se de novo à telescola como ferramenta complementar. Um conjunto de questões deve, então, colocar-se.

Será que deste modo se garante a igualdade de oportunidades dos alunos perante o ensino?

Não, não garante. A igualdade de oportunidades em educação é o santo graal sempre perseguido e nunca encontrado, pode dizer-se… É certo que daquela forma se visou esbater a desigualdade que a crise epidémica veio agravar ainda mais. Mas o que sucede é que um sem número de factores de elitização se reforçaram: os filhos das famílias com mais equipamentos electrónicos, com casas maiores e espaços mais bem diferenciados, para já não falar naquelas cujos pais, sendo detentores de maiores níveis de educação, podem não só acompanhar mais o processo de aprendizagem dos filhos como, em muitos casos, apreciá-lo criticamente, todo esse conjunto de factores reforça o favorecimento dos alunos socialmente mais bem colocados. Por muito bem que a telescola funcione.

Por outro lado, sabemos que as crianças com maiores necessidades educativas e/ou sociais precisam bastante mais do que as outras do contacto pessoal com os professores e com os pares para um bom desenvolvimento das aprendizagens, em parte pelas razões já referidas. Ora isto não se consegue sem a escola presencial.

Pode a escola virtual constituir uma boa oportunidade de negócio?

Pode, a tentação é grande e vários artigos e depoimentos nos chamam agora a atenção para isso[1]. Aqui, a economia tende a impor-se uma vez mais aos objectivos da educação e do desenvolvimento social: as escolas, dos diferentes graus de ensino, podem economizar em gastos com o pessoal – professores e outros funcionários – externalizando para as famílias, tendencialmente também em trabalho online, as funções de enquadramento das crianças em aprendizagem; as empresas tecnológicas aproveitarão – estão a aproveitar – a oportunidade para vender os serviços de utilização das plataformas  que concebem, multiplicam e não cuidam de garantir que sejam compatíveis entre si, nem esse é de resto o seu interesse; os produtores de conteúdos educativos e de software deparam-se com uma oportunidade idêntica à que anteriormente detinham as editoras escolares de livro único, vendendo uma oferta padronizada e de modelo único para tirar partido dos efeitos de escala. Este último aspecto está já a ser posto em prática em diversas escolas americanas, como nos referem alguns dos artigos consultados.

Constituirá o ensino à distância uma boa alternativa pedagógica às aprendizagens presenciais?

De modo algum. Estas permitem, ou só são possíveis, através da interacção pessoal, da expressão e partilha de sentimentos e emoções e da troca de experiências que a rede de pixéis anula, dificulta ou até distorce. Por outro lado, artigos científicos diversos vêm mostrando que a aprendizagem por meios electrónicos exige muito maior concentração e é muito mais desgastante das funções cognitivas, especialmente da atenção. Basta que experimentemos seguir uma conferência online e bem nos apercebemos desse facto. Seria possível inovar pedagogicamente mesmo no ensino virtual? Seria, sim, se tivesse havido mais tempo para preparação, se professores e responsáveis escolares tivessem podido ser mais audaciosos e ousado aproveitar esta oportunidade para desenvolver soluções de aprendizagem mais criativas, de que o desenvolvimento dos trabalhos de projecto e interacção disciplinar não constituem senão um exemplo. Na maioria das situações procede-se como se as aulas pudessem decorrer normalmente, só que “através do computador ou da televisão”. A grande preocupação em debitar conteúdos pré-definidos tende a manter-se e, suma ironia, até as formas de avaliação tradicional conquistam maior apetência! Dizem-nos isto professores de escolas portuguesas, o mesmo ou ainda pior lemos nós nos artigos sobre o ensino neste momento em processo em outras sociedades europeias e nos EUA.

Perdeu-se uma grande oportunidade de inovação no processo educativo… Desaproveitou-se o ensejo para reflectir e ajudar a reflectir sobre o impacto da pandemia nas nossas vidas, a indispensável adaptação de competências e saberes, a necessidade de aprender a fazer coisas novas e de forma diferente.

Esperemos que a possível retoma nos faça ainda reflectir sobre tudo isto. Torne possível a troca directa de expressões e emoções nos espaços e tempos de contacto presencial, mesmo que reduzidos. E mostre como faz falta “ir à escola”[2], mesmo que a solução possível tenha de assumir o compromisso de aprendizagem mista, ou blended learning na expressão inglesa, no futuro previsível.



[1] Ver, por exemplo, World Economic Forum (WEF), The COVID 19 – Pandemics has changed education for ever,  https://www.weforum.org/agenda/2020/04/coronavirus-education-global-covid19-online-digital-learning/  e artigos vários em Real World Education Review (online).
[2] E não se estão aqui a referir as outras funções sociais da escola, de que a provisão de refeições a alunos economicamente carenciados e a ocupação de crianças filhas de profissionais de risco constituem os exemplos mais evidentes durante a crise pandémica.

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