Com
a pandemia do COVID 19 não houve alternativa senão recorrer ao ensino à
distância. Através das tecnologias da informação e da comunicação, escolas e
professores desenvolveram metodologias de ensino e aprendizagem e puseram-nas
em prática em tempo por vezes record,
como aconteceu em Portugal.
Inicialmente,
o ensino à distância desenvolveu-se exclusivamente através de plataformas electrónicas
e de outros meios suportados pela internet. Em breve se percebeu que um número
muito significativo de alunos e suas famílias não dispunham dos recursos necessários
e, então, recorreu-se de novo à telescola como ferramenta complementar. Um
conjunto de questões deve, então, colocar-se.
Será
que deste modo se garante a igualdade de oportunidades dos alunos perante o
ensino?
Não,
não garante. A igualdade de oportunidades em educação é o santo graal sempre
perseguido e nunca encontrado, pode dizer-se… É certo que daquela forma se
visou esbater a desigualdade que a crise epidémica veio agravar ainda mais. Mas
o que sucede é que um sem número de factores de elitização se reforçaram: os
filhos das famílias com mais equipamentos electrónicos, com casas maiores e espaços
mais bem diferenciados, para já não falar naquelas cujos pais, sendo detentores
de maiores níveis de educação, podem não só acompanhar mais o processo de
aprendizagem dos filhos como, em muitos casos, apreciá-lo criticamente, todo
esse conjunto de factores reforça o favorecimento dos alunos socialmente mais
bem colocados. Por muito bem que a telescola funcione.
Por
outro lado, sabemos que as crianças com maiores necessidades educativas e/ou
sociais precisam bastante mais do que as outras do contacto pessoal com os
professores e com os pares para um bom desenvolvimento das aprendizagens, em parte
pelas razões já referidas. Ora isto não se consegue sem a escola presencial.
Pode
a escola virtual constituir uma boa oportunidade de negócio?
Pode,
a tentação é grande e vários artigos e depoimentos nos chamam agora a atenção
para isso[1]. Aqui, a economia tende a
impor-se uma vez mais aos objectivos da educação e do desenvolvimento social:
as escolas, dos diferentes graus de ensino, podem economizar em gastos com o
pessoal – professores e outros funcionários – externalizando para as famílias,
tendencialmente também em trabalho online, as funções de enquadramento das
crianças em aprendizagem; as empresas tecnológicas aproveitarão – estão a
aproveitar – a oportunidade para vender os serviços de utilização das plataformas
que concebem, multiplicam e não cuidam
de garantir que sejam compatíveis entre si, nem esse é de resto o seu
interesse; os produtores de conteúdos educativos e de software deparam-se com uma oportunidade idêntica à que
anteriormente detinham as editoras escolares de livro único, vendendo uma
oferta padronizada e de modelo único para tirar partido dos efeitos de escala.
Este último aspecto está já a ser posto em prática em diversas escolas
americanas, como nos referem alguns dos artigos consultados.
Constituirá
o ensino à distância uma boa alternativa pedagógica às aprendizagens
presenciais?
De
modo algum. Estas permitem, ou só são possíveis, através da interacção pessoal,
da expressão e partilha de sentimentos e emoções e da troca de experiências que
a rede de pixéis anula, dificulta ou até distorce. Por outro lado, artigos
científicos diversos vêm mostrando que a aprendizagem por meios electrónicos
exige muito maior concentração e é muito mais desgastante das funções
cognitivas, especialmente da atenção. Basta que experimentemos seguir uma
conferência online e bem nos apercebemos desse facto. Seria possível inovar
pedagogicamente mesmo no ensino virtual? Seria, sim, se tivesse havido mais
tempo para preparação, se professores e responsáveis escolares tivessem podido
ser mais audaciosos e ousado aproveitar esta oportunidade para desenvolver
soluções de aprendizagem mais criativas, de que o desenvolvimento dos trabalhos
de projecto e interacção disciplinar não constituem senão um exemplo. Na
maioria das situações procede-se como se as aulas pudessem decorrer normalmente,
só que “através do computador ou da televisão”. A grande preocupação em debitar
conteúdos pré-definidos tende a manter-se e, suma ironia, até as formas de
avaliação tradicional conquistam maior apetência! Dizem-nos isto professores de
escolas portuguesas, o mesmo ou ainda pior lemos nós nos artigos sobre o ensino
neste momento em processo em outras sociedades europeias e nos EUA.
Perdeu-se
uma grande oportunidade de inovação no processo educativo… Desaproveitou-se o
ensejo para reflectir e ajudar a reflectir sobre o impacto da pandemia nas
nossas vidas, a indispensável adaptação de competências e saberes, a
necessidade de aprender a fazer coisas novas e de forma diferente.
Esperemos
que a possível retoma nos faça ainda reflectir sobre tudo isto. Torne possível
a troca directa de expressões e emoções nos espaços e tempos de contacto
presencial, mesmo que reduzidos. E mostre como faz falta “ir à escola”[2], mesmo que a solução possível
tenha de assumir o compromisso de aprendizagem mista, ou blended learning na expressão inglesa, no futuro previsível.
[1] Ver, por exemplo, World
Economic Forum (WEF), The COVID 19 – Pandemics has changed education for ever, https://www.weforum.org/agenda/2020/04/coronavirus-education-global-covid19-online-digital-learning/
e artigos vários em Real World Education Review (online).
[2] E não se
estão aqui a referir as outras funções sociais da escola, de que a provisão de
refeições a alunos economicamente carenciados e a ocupação de crianças filhas
de profissionais de risco constituem os exemplos mais evidentes durante a crise
pandémica.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.