25 maio 2020

O “Novo Banco”: perguntas e respostas para um grande pesadelo


A gestão e o cuidado a ter com a Pandemia Covid 19 não nos têm permitido prestar a devida atenção a uma outra perigosa pandemia decorrente do contágio do vírus que o antigo BES lançou sobre a economia e a sociedade portuguesas. É um vírus que tem consequências sistémicas sobre o conjunto do sistema financeiro português, dada a dimensão atingida pelo BES.

O que fizemos e podemos, ainda, fazer para nos protegermos deste vírus?

O pagamento de 1 149 milhões de euros pelo Fundo de Resolução ao Banco (850 milhões pelo Estado e o restante com recursos do próprio Fundo de Resolução), precedido pelas notícias sobre a distribuição de prémios e aumentos de vencimentos aos administradores, veio como que acordar-nos de uma letargia profunda em que temos que reconhecer estávamos mergulhados. Para quem esteja interessado em compreender como funciona o Fundo de Resolução pode consultar os post que aqui, aqui e aqui,  escrevi em março de 2019.

Um artigo do Dr. João Costa Pinto, publicado na semana passada sobre esta problemática, é de uma clareza meridiana e vale a pena ser tido em consideração.

Olhemos para os pagamentos do Fundo de Resolução. Não se conhecem quais são os mecanismos contratuais que eles obrigam (diz-se que o contracto é secreto!), mas eles são constantemente invocados. Por isso, no Parlamento têm sido tomadas iniciativas exigindo a sua publicitação, com vista a que se possa ajuizar da razoabilidade dos pagamentos feitos.
Do que se tem dito os pagamentos são justificados pela necessidade de cobrir imparidades (créditos incobráveis) geradas pelos créditos com que o Novo Banco ficou em carteira aquando da sua criação. É surpreendente, porque esses créditos não deveriam estar sujeitos a esses riscos, uma vez que ao Novo Banco só foram transferidos os créditos “bons”, isto é, que não estavam sujeitos a esses riscos!

Se os créditos eram “bons” e se se aceitou a possibilidade de que se pudessem transformar“maus” (e por isso a necessidade do reembolso a que já me referi acima), então seria elementar prever que o Fundo de Resolução pudesse realizar um acompanhamento autónomo à gestão do Banco, com vista a saber se este estaria a fazer tudo o que seria desejável para evitar que os créditos “bons” não se transformassem em “maus”. Mas não, a única coisa que parece que o contrato prevê é que uma Comissão de Acompanhamento se possa sobre isso pronunciar à posteriori.

De alguma maneira o Sr. Primeiro Ministro, depois da polémica parlamentar em torno das auditorias, acabou por dizer que se se viessem a verificar situações de má gestão o Estado poderia vir a exercer o seu direito de retorno. Isto é paga-se e depois protesta-se! Certamente, que também por isso o Ministro das Finanças, numa entrevista sobre esta matéria se referiu às condições de assinatura do contrato como tendo sido assinado na praia, isto é, em local em que as preocupações eram outras. Há, no entanto, que colocar as maiores reservas sobre os mecanismos que levariam ao reembolso acima referido. Seria iniciativa que daria muito dinheiro a advogados e trabalho a tribunais, num horizonte temporal indefinido e com resultados incertos.

Agora, ainda que brevemente algumas palavras sobre os prémios e os aumentos de vencimentos. A distribuição dos primeiros, em mais de um milhão de euros, depois de alguma contestação pública, foi diferida. Já quanto aos aumentos de vencimentos de 75% nenhum passo atrás foi conhecido.

É perfeitamente justificável toda a contestação que em várias instâncias tem sido feita aos pagamentos feitos via Fundo de Resolução e aos gestores. Em tempo de détresse nacional, pode dizer-se que a mobilização da cidadania e das instituições nacionais é, quando muito insuficiente.

Mas, antes de terminar, vale a pena interrogarmo-nos sobre se os gestores fizeram, efectivamente, mal ou bem o seu trabalho. Depende do ponto de vista. Da perspectiva dos portugueses, naturalmente, que o trabalho é péssimo. Só que nos estamos a esquecer de que os gestores têm como missão principal servir os interesses do fundo abutre que é o Lone Star e que é o seu patrão. Do ponto de vista deste, os gestores têm feito um excelente trabalho. Sem grande esforço (apenas a apresentação da conta ao Fundo de Resolução) a Lone Star é reembolsada de todos os activos do Banco. Os prémios e os aumentos de vencimentos são, assim, muito bem merecidos!

Tenho mesmo a convicção de que aquando da venda do banco pelo governo português à Lone Star este não terá deixado de olhar para o primeiro como um anjinho imberbe e louro. Razão tiveram as denúncias de muitos que na altura da venda caracterizaram a Lone Star como um fundo abutre.

A imagem que abaixo se reproduz é muito esclarecedora quanto ao clima vivido na "praia"! Completa ausência de máscaras e de confinamento.

 O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, cumprimenta o director para a Europa da Lone Star, Donald Quintin, com o ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro à direita, durante a assinatura da entrega do Novo Banco ao fundo abutre. 18 de Outubro de 2017CréditosTiago Petinga / Agência LUSA

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