1. Ao iniciar-se o estudo de uma qualquer disciplina académica, é quase obrigatório e generalizado o recurso a uma definição da mesma. O que é natural pois, pese embora as limitações que são geralmente apontadas às definições (descrição incompleta do objecto da disciplina, maior ou menor subjectividade da definição, …), elas permitem-nos apreender minimamente, numa frase que se pretende concisa, o âmbito, e por vezes também sob que perspectiva, do que se vai estudar.
2. De entre as muitas definições de Economia, a de Lionel Robbins, que numa tradução livre define esta disciplina como a que estuda o comportamento do ser humano na sua relação entre fins e meios(recursos) escassos, embora com usos alternativos, atingiu desde a sua publicação em 1932 uma notória projecção. Prova-o a sua citação em muitos dos manuais de referência, ainda hoje recomendados nas faculdades dos mais diversos países no mundo. A sua influência sobre gerações e gerações de economistas é também patente na definição adoptada por Stonier e Hague no seu Manual de Teoria Económica (1953) : a economia é fundamentalmente o estudo da escassez e dos problemas dela decorrentes.
3. Ora, o adjectivo escassos tal como o seu antónimo abundantes é qualificativo, isto é, tem por detrás um juízo de valor. Ao qualificar os recursos de escassos, Robbins socorre-se de uma ideia previamente formada: a de que os recursos disponibilizados pelo planeta nunca serão suficientes. E formularia de igual modo uma opinião se os tivesse classificado de abundantes. A expressão “neutra” ou que menor subjectividade apresentaria seria, quanto a nós, limitados. Os recursos disponíveis num dado momento numa economia são limitados (ainda que variando ao longo do tempo pois a Natureza tem a faculdade de (re)criar muitos deles, embora a ritmos muito diferentes consoante o tipo de recursos) e escassos ou abundantes consoante o ponto de vista do observador.
4. Estas observações podem parecer despiciendas, mas não : a psicologia e mais modernamente a programação neurolinguística provam a forte influência dos termos escolhidos na formação da imagem mental que cada um de nós acaba por ter da realidade. Ora, vemos frequentemente os defensores do pensamento económico neoliberal alegarem que as posições e medidas defendidas por críticos do sistema vigente se fundamentam apenas numa posição ideológica. Como o fazem, naturalmente, esses mesmos defensores! Não há uma economia positiva e uma economia normativa, porque as “apreciações de carácter factual” (para usar uma expressão de Samuelson e Nordhaus) são isso mesmo : apreciações. Ou melhor, a descrição que cada um faz da realidade baseia-se sempre na sua percepção (subjectiva) da realidade.
5. Por último, uma reflexão igualmente subjectiva. A ideia de escassez, fulcral em Robbins como vimos, parece predispor, ainda que subtil e inconscientemente, a uma luta pela sobrevivência e daí a uma atitude de competição que no mundo civilizado em que vivemos se designa eufemísticamente por competitividade. Se por acaso Robbins tivesse empregue o adjectivo limitados quem sabe se não se teria chegado há bastante tempo à tão sensata conclusão expressa por Gandhi : o mundo é suficientemente grande para suprir as necessidades de todos, mas será sempre demasiado pequeno para suprir a ganância de todos. Conclusão que, olhando para os dias de hoje, bem poderia terminar com : … a ganância de uns poucos!
Ivo Gomes Francisco
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