27 junho 2017

A tributação das multinacionais e o Desenvolvimento Sustentável

O escândalo desencadeado pela divulgação dos Panamá Papers (P.P.) e a consciência de que não se estava perante um caso isolado, fez despertar a opinião pública para o seu direito à informação e por medidas eficazes de combate a práticas fiscais abusivas que as multinacionais vêm adoptando ao longo do tempo, aproveitando as condições oferecidas pelos paraísos fiscais ou acordos especiais celebrados em certos países ou regiões.

Certo é que, no plano internacional, algumas iniciativas foram lançadas para procurar responder ao direito à informação reclamado pelos cidadãos, legitimamente preocupados com o impacto social negativo daquelas práticas fiscais.

A questão que nos deve ocupar hoje é a de avaliar até que ponto se tem vindo a alcançar uma maior transparência e se nos estamos (ou não) a aproximar de soluções mais justas.

Centrando a atenção no que se tem estado a passar ao nível da União Europeia, lembramos que, após o caso dos P.P. foi criada, há cerca de um ano, no âmbito do Parlamento Europeu (P.E.), uma Comissão de Investigação ao Branqueamento de Capitais, Elisão e Evasão Fiscais (PANA), para investigar se teria ocorrido o não cumprimento cabal da Lei europeia, especialmente a Directiva Contra a Lavagem de Dinheiro, a Directiva Sobre Cooperação Administrativa, e o Princípio da Cooperação Sincera e Leal.

O Comunicado de Imprensa do PANA difundido no passado 21 de Junho é muito claro na demonstração de que não existe vontade política para colaborar com o P.E. a nível do Conselho da U.E., “refém de um pequeno grupo de Estados Membros que não tem qualquer interesse em se tornar transparente”.

De facto, aí se pode ler: “O Conselho recusou submeter quaisquer documentos ao P.E. apesar de repetidos pedidos. Também impede a Comissão europeia de facultar documentos aos nossos Membros e se a Comissão os entrega só podem ser lidos numa sala com segurança, não podem ter reflexo no nosso relatório e a maior parte dos textos mostra-se censurada (marcada a negro)”. Refere-se ainda que o Presidente do Código de Conduta Sobre Tributação Empresarial do Conselho rejeitou o convite da Comissão de Investigação para uma audição, com o argumento de que” o trabalho do grupo informal do Conselho não tem cabimento no mandato do PANA”.

A questão que julgamos terá sido mais contrariada seria a obrigação, que o PANA propunha, de as multinacionais de maiores dimensões publicarem o montante dos impostos por elas pagos país a país, incluindo impostos pagos fora da U.E..

Está em causa a perda anual de receita fiscal dos Estados Membros estimada pela C.E. na ordem de 50 a 70 mil milhões de euros, valor este que sobrecarrega a fiscalidade das empresas cumpridoras, promove a concorrência desleal e contribui para reduzir a capacidade de protecção social que os estados devem aos seus cidadãos.

As instituições da U.E. se, na verdade, quiserem acautelar futuros divórcios que levarão ao fim do projecto europeu, têm uma nova oportunidade para tentarem convencer as pessoas de que é possível a libertação de imposições de interesses minoritários e a adopção de medidas de combate à iniquidade fiscal.

Mas não é só o nível europeu que nos deve preocupar.

O impacto das práticas fiscais consentidas por alguns governos a grandes empresas multinacionais é preocupante a nível global.

Como consta da Declaração que aprovou os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), estes não podem ser alcançados sem paz e sem segurança, e a paz e a segurança estarão em risco sem desenvolvimento sustentável. Entre os factores causadores da violência, insegurança e injustiça, está a crescente desigualdade, a corrupção, o mau governo e fluxos ilícitos, financeiros e de armas.

Retomando esta ideia, na Sessão Especial sobre Cooperação para a Paz, realizada em Davos em Janeiro de 2017, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, apoiou sem reservas a implementação dos ODS, reconhecendo que a melhor forma de evitar crises e conflitos no mundo actual é através da criação de condições para o desenvolvimento inclusivo e sustentável.

É de salientar que, pela primeira vez, se inclui explicitamente nos Objectivos para o Desenvolvimento (Objectivo 16.4), um conjunto de metas sobre as matérias em análise, entre as quais a seguinte:

“Até 2030, reduzir significativamente os fluxos ilícitos, financeiros e de armas, e reforçar a cooperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado”.

Assinalamos, porque nos parece curioso e importante, que neste texto se usa a palavra “ilícitos” e não “ilegais”, como erradamente se lê na versão portuguesa, não sendo estas palavras, obviamente, sinónimas.

Ao prejuízo causado pela fuga fiscal aos países em desenvolvimento, soma-se o dos fluxos financeiros ilícitos, onde também se inclui a lavagem de dinheiro de actividades criminosas, abusos fiscais e corrupção.

Certo é que tais práticas aproveitam do secretismo consentido por muitos responsáveis, pelo que promover a transparência é vital para que sejam eficazmente combatidas.

Plenamente conscientes do fortíssimo lóbi que está a ser exercido para que não venha a ser obrigatória a publicação, pelas multinacionais, de relatórios por país, apelaram à intervenção do Secretário-Geral da ONU um conjunto de organizações não-governamentais[i] com competência em matéria de fiscalidade.

Na carta que lhe dirigiram a 22 de Junho de 2017, denunciaram as tentativas de um esforço de concertação para reduzir o alcance do citado Objectivo 16.4, por parte de alguns estados membros da ONU, no âmbito do sistema desta organização, redefinindo o termo “fluxos financeiros ilícitos” por forma a deles excluir a componente relativa à evasão fiscal por parte das empresas multinacionais.

Queremos esperar, como José António Ocampo, Presidente ICRICT, que “a liderança de Guterres assumirá a defesa dos países mais pobres contra o lóbi de interesses especiais, no que consideramos um elemento crítico do compromisso global em ordem à erradicação da pobreza e à transformação das economias através do desenvolvimento sustentável”.

[i] Tax Justice Network, Global Alliance for Tax Justice e Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation (ICRICT)

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