03 maio 2016

De novo o Tratado Transatlântico e o secretismo das negociações



O movimento Greenpeace holandês publicou ontem um extenso documento (248 páginas), até ao momento mantido secreto, produzido no âmbito das negociações em curso entre a U.E. e os E.U.A. para um novo Tratado, designado como TTIP – Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, tendo justificado esta sua iniciativa pela necessidade de transparência do processo negocial e como forma de suscitar um debate informado sobre o mesmo.

As manifestações a que, em todo o mundo, se tem assistido, a propósito deste Tratado, desde há muito tornaram claro serem fundados os receios de que ele possa vir a ter um impacto negativo em muitos aspectos da vida de milhões de cidadãos americanos e europeus.

De facto, como é conhecido, as negociações têm tido lugar entre a U.E. e representantes de grandes empresas, pelo que, na realidade, a questão de fundo não será tanto a de opor interesses dos E.U.A. aos da U.E., como por vezes se refere, mas sobretudo a de colocar os interesses de grandes empresas transnacionais acima dos que importam ao cidadão comum.

Sob o pretexto de ganhos eventuais por maior impulso ao comércio internacional, tanto mais discutíveis quanto é certo que são já reduzidas as barreiras aduaneiras, o que se pretende com o TTIP é uma uniformização e menor exigência das regulamentações em diferentes domínios e uma protecção maior dos direitos de propriedade industrial favorecendo situações monopolistas, com impacto negativo, por exemplo, sobre o ambiente, a saúde e a segurança.

Acresce que o Tratado prevê um sistema de regulação de diferendos à margem dos sistemas judiciais, que permite a aplicação de multas aos Estados se uma empresa considera as suas perspectivas de lucro prejudicadas por uma dada medida regulamentar.

É pois de saudar esta iniciativa da Greenpeace e formular votos para que, finalmente, se tenha posto um ponto final ao secretismo do processo negocial e que o conteúdo do documento agora divulgado seja objecto de análise aprofundada por todas as entidades com responsabilidades na defesa de um processo negocial transparente, digno de sociedades democráticas.

2 comentários:

  1. Com toda a oportunidade Isabel Roque de Oliveira contribui com este post para não deixar arrefecer o empenho cívico no acompanhamento das negociações acerca do TTIP que têm decorrido envolvidas em grande secretismo, mas que, a partir de agora, com a divulgação do documento de base, vai ser possível escrutinar com maior rigor. Uma vez mais, estamos perante uma relação complexa entre economia e política, mercados e governos, imposição da lei do mais forte e salvaguarda da democracia e do bem comum.

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  2. Há pouco, o TTIP foi considerado como um "fait accompli," apesar dos protestos. Hoje as vozes ganham força e em Alemanha estão a influenciar a posição de Angela Merkel, conforme este artigo de 28/4/16 no FT, "Anti-Americanism fuels German fears over TTIP trade pact."
    https://next.ft.com/content/7c8100e8-0b99-11e6-9456-444ab5211a2f
    A Bertelsmann Foundation publicou o resultado da sua pesquisa, demonstrando que apoio pelo TTIP desceu a 17% comparado a 55% em 2014. Depois da Austria, apoio pelo TTIP em Alemanha é o mais baixo dentro da UE.
    Confirme que o movimento cívico pode influenciar a história. Um tratado que dá a possibilidade às empresas multinacionais de sobrepor-se aos governos nacionais é mesmo a recusar.

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