Quem hoje teve oportunidade de
participar na Conferência Caminhos do Conhecimento, organizada pela Agência
Ciência Viva e pelo Ministério para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
(MCTES), ficou decerto a sentir-se mais próximo dos meandros da investigação
científica e das políticas para o desenvolvimento do conhecimento em Portugal.
Era esse, de resto, um dos
objectivos do encontro, claramente expresso no discurso de abertura proferido
pelo actual Ministro. Comemorando-se o aniversário do nascimento de José
Mariano Gago, a organização tomou o facto como inspirador da homenagem que
entendeu prestar àquele nome de relevo na ciência portuguesa e internacional.
Cientista e ex-ministro para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, responsável
por um progresso sem precedentes na dinâmica do conhecimento em Portugal, Mariano
Gago escrevia nos anos 90 que
a luta da cultura científica só poderia ser especificada e percebida
através do combate ao isolamento social da ciência, juntamente com a denúncia
(…) das barreiras estruturais entre a ciência e a população em geral,
palavras que o Ministro Manuel
Heitor entretanto recordou.
Pois o que aconteceu
efectivamente esta tarde, no belíssimo teatro Thalia recuperado pelo MCTES, foi
um acto genuíno de cultura científica. Os intervenientes e comentadores
convidados, investigadores de renome internacional, partilharam com a
assistência resultados da investigação e do conhecimento a que entretanto
chegaram de forma perfeitamente clara, acessível e descomprometida.
Salientamos a
intervenção de Svein Sjoberg, da Universidade de Oslo, que desenvolveu uma
crítica científicamente fundamentada ao Programa PISA da OCDE, ferramenta
fundamental do pensamento dominante: servindo de base a medidas de política
educativa e do conhecimento em diversos países, o PISA estabelece uma métrica “universal”
ao arrepio das condições, valores e cultura dos contextos concretos; procura
medir o que não é de todo mensurável nem comparável como, por exemplo, o
desempenho de estudantes com níveis de motivação, recursos e enquadramento
familiar totalmente distintos; retira as suas conclusões com base em testes
escritos individuais de duas horas e meia… Também Martin Bauer, da London
School of Economics, salientou a importância de aspectos habitualmente não
considerados pelas políticas científicas como as motivações das populações para
a ciência e a importância que atribuem ao desenvolvimento do conhecimento na
comunidade.
Para além destas intervenções,
várias outras comunicações se caracterizaram pela vivacidade e abertura de
espírito, mostrando como se faz o caminho para a apreensão social da ciência.
Alexandre Qintanilha referiu-se à liberdade de espírito como condição do
conhecimento, defendendo que ela deveria ser estimulada a partir da mais tenra
idade. Partindo da sua experiência concreta de cientista empenhado na
divulgação e acessibilidade do conhecimento científico, Carlos Fiolhais
sublinhava igualmente ser da maior importância o contacto com a ciência e com o
método experimental logo na educação pré primária. De forma extremamente
cativante, Rui Vieira Nery deu a conhecer a história do Teatro Thalia,
indissolúvel da evolução da cultura musical no Portugal de oitocentos. O
Ministro da Educação, também convidado, mostrou-se grato à memória de Mariano
Gago a quem disse ter ficado a dever fazer parte da primeira geração de
cientistas por ele impulsionadas.
A concluir, entendemos ser de
sublinhar duas ideias chave que o Ministro para a Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior tinha incluido no seu discurso de abertura:
- a necessidade de reduzir a burocratização crescente dos ambientes
escolares, académicos e científicos em Portugal e no Mundo (…); o combate ao
uso irresponsável de métricas para fins de avaliação deve assumir um papel
central na defesa do papel da cultura científica no desenvolvimento das nossas
instituições de ensino e investigação;
- o acordo recente de Paris para o Desenvolvimento Sustentável (…) e os
objectivos das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável reconhecem
explicitamente o papel da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação no
cumprimento das aspirações universais de não deixar ninguém para trás (…).
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