A condição de se ser sem-abrigo envolve, como sabemos, múltiplas causas e determinantes. De tal modo que, como nos explica quem mais sabe sobre o assunto, cada caso envolve a sua especificidade e, como tal, tem de ser tratado personalizadamente. Há, por detrás daquela condição, situações de desemprego, de ruptura familiar, de falta de auto-estima, de insuficiente formação e, até, de excesso de escolaridade...
A educação foi durante muito tempo considerada como uma vacina contra o desemprego, a miséria e a exclusão social, assim o defendiam as teorias mainstream de investimento em capital humano. Aquelas mesmas teorias que postulavam que o mercado de trabalho tenderia a regular-se por si mesmo, e automaticamente; e, do mesmo modo, que cada "investimento" individual em mais educação encontraria sempre um posto de trabalho adequado, em remuneração e exigências, áquele investimento.
Ora, bastou que o mainstream fosse levado às últimas consequências, de entre as quais a exacerbação da competitividade e a total desregulação dos mercados, também do de trabalho, para que aquela garantia se esfumasse progressivamente. Não é raro ouvirmos dizer, hoje em dia, que x foi rejeitado/a por um possível emprego por ter excesso de qualificações, ou que y "desvalorizou" o seu currículo, aí omitindo a referência a um nível de escolaridade mais alto, a fim de conseguir empregar-se. É o "nivelar por baixo" das qualificações e competências no mundo do trabalho...
A discussão central do dia de hoje foca-se no estudo levado a cabo pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa sobre os/as sem-abrigo da cidade (*) e a descoberta de que cerca de 5% dos/as mesmos/as são licenciados/as, para grande surpresa da opinião pública. É a consequência do desmoronar da crença de que o modelo económico e social dominante não serve as necessidades sociais, como tantos se têm feito eco desde há tanto tempo.
E, no entanto, conviria reforçar ainda mais a tónica de que por detrás da condição de sem-abrigo subsiste um conjunto de múltiplos determinantes,sendo dificil descortinar "a causa" daquela situação. E, mais ainda, que haverá que sublinhar sobretudo que o Estado se tem demitido de uma política deliberada e sistemática de combate a esta chaga social, infelizmente em crescendo.
É que há os 5% e... os restantes 95%, para os quais, aparentemente, não há a desculpa de a vacina do ano passado ter deixado de fazer efeito...
Margarida Chagas Lopes
(*) Ler, por exemplo, http://www.ionline.pt/artigos/portugal/estudo-santa-casa-5-dos-sem-abrigo-lisboa-sao-licenciados/pag/-1
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