08 dezembro 2013

Agiotas vizinhos

O jornal PÚBLICO de hoje, domingo 8 de Dezembro, traz como peça de destaque uma reportagem ou dossier que, com o título geral “Pobreza” se centra principalmente naquilo que subtitulou: Agiotagem: outro país endividado.

Não. Não é da agiotagem mais ou menos longínqua dos “mercados” que se trata. É da agiotagem próxima, de vizinhos sobre os seus vizinhos, dos menos pobres sobre os pobres, como dão logo a entender estas frases que a jornalista Ana Cristina Pereira coloca a seguir ao subtítulo referido: “Há quem tenha pedido 750 euros para pagar 1500 e vá pagar três mil. Os agiotas multiplicam-se nas zonas empobrecidas. Famílias sentem-se a sufocar nos bairros de renda social do Porto…”.

A reportagem faz um bom enquadramento referenciado às políticas públicas de apoio social e apresenta também de forma breve, mas sugestiva, um relatório “Sobreendividamento das famílias: o papel das dívidas informais” no qual a situação de Portugal é enquadrada comparativamente no contexto europeu.

Não tenho competência para analisar o grau de rigor com que são apresentados dados e situações. Há no Grupo Economia e Sociedade quem muito melhor o poderá fazer.

Apenas quero exprimir brevemente o que senti quando esta manhã li a excelente reportagem. Já na sua segunda página, lê-se: “Onde está o alegre convívio de adultos que extravasava dos blocos para as ruas ainda há uns três anos? Os agiotas multiplicaram-se. Acontece morarem no mesmo prédio dos devedores. A tensão tornou-se ininterrupta…”.

Como a vizinhança se transforma em perigo e vira oportunismo explorador- foi o que anotei logo no papel do jornal. Não conheço o bairro de Aldoar, mas de facto nos bairros populares não há o distanciamento que é mais frequente em tantos bairros citadinos (às vezes polido e até simpático, outras indiferente). E por isso me fez mais impressão essa degradação das relações de vizinhança. Mas, sobretudo, li isso como um sinal (mais um…) de como as relações sociais de proximidade se enfraquecem, pior, de como a convivência se infernaliza, de como o tecido social se vai rompendo, enfim de como a palavra “coesão social” - tantas vezes presente em discursos de responsáveis pela actual situação – se transforma em palavra vã.

A agiotagem de menos pobres (e provavelmente, longe de serem ricos) sobre pobres, e ainda por cima vizinhos, é mais um aspecto do processo de destruição, também social, de Portugal que estamos vivendo e em que o “ajustamento” pelo empobrecimento nos afunda.

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