11 novembro 2010

Aspirinas ou Bisturi?

Sucedem-se anúncios acerca dos elevados juros que Portugal está a pagar nos mercados internacionais para financiar a dívida pública, que chegaram a atingir 6,798 % em 4 de Novembro e cresceram em 9 de Novembro para além de 7% no mercado secundário, tendo, no entanto, as duas últimas emissões, feitas no dia seguinte, ficado um pouco abaixo deste último marco.

Uma contínua pressão sobre o país por parte daqueles mercados tem resultado em sucessivos anúncios de medidas de crescente austeridade cujo impacto sobre o nível de vida de muitas famílias é dramático, com crescente pobreza e desigualdade. O risco de uma recessão económica é cada vez maior.

Não está em causa duvidar da necessidade de medidas de austeridade. Além do mais, criamos ao longo destes últimos anos, expectativas irrealistas de consumo, alimentadas por crédito abundante e fácil.

Mas é fundamental que seja salvaguardada a prestação dos serviços de interesse geral, que compete ao Estado, e que os sacrifícios sejam equitativamente distribuídos, o que não está a acontecer. Se queremos salvaguardar a coesão social, esta é uma prioridade a atender com urgência.

Outra questão prende-se com a eficácia das medidas de austeridade sobre as finanças públicas: será que estamos a combater a doença ou apenas a aliviar os sintomas com umas aspirinas?

Que impacto terá sobre o nível das taxas de juro cobradas à dívida soberana uma eventual redução do deficit para os níveis acordados? Será que tal acalmará os mercados? Continuaremos a sofrer o efeito de contágio de outras economias?

E que confiança merecem as agências de notação quando a qualidade do seu trabalho é posta em dúvida por entidades como um antigo director – geral do FMI e, agora, por um dos mais importantes Bancos portugueses?

Dizem-nos que é assim mesmo que as coisas funcionam, que temos que nos conformar e fazer o nosso trabalho de casa. Será que não existe forma de quebrar este círculo infernal?

Como podemos nós, sociedade civil, contribuir para sair desta crise, indo para além da denúncia dos erros e da falta de equidade de algumas das medidas de austeridade?

Por muito que nos tenhamos de curvar, no imediato, às exigências dos mercados financeiros, é chegada a altura de pôr um travão à lógica especulativa que os rege, não nos contentando com a adopção de medidas de gestão macro prudencial dos seus agentes. Numa imagem sugestiva de David Bourghelle (Le Monde de 03-11-2010) “não basta reduzir, ainda que pouco, a alimentação de um motor para que este deixe de funcionar em pleno, é preciso ir além disso, e limitar-lhe a potência…”. E o motor da especulação financeira é a sofisticação extrema dos apoios às aplicações de curto prazo no mercado global, que, neste momento, se caracteriza por uma elevada liquidez.

Só esta ambição – com suporte em boas análises económicas e financeiras que vão sendo progressivamente divulgadas – pode ditar políticas que resistam ao teste do longo prazo.

Vencer a barreira dos interesses instalados é que parece ser o verdadeiro problema.

É claro que este caminho é para ser defendido a nível internacional, nas instâncias de que somos parte.

Neste aspecto tem sido particularmente decepcionante a incapacidade da UE encarar de frente os problemas numa lógica de solidariedade, não obstante boas intenções, como parecem ser as da Estratégia Europa 2020.

Continua a ser ignorada, nomeadamente, a necessidade de rever profundamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o papel do BCE, a necessidade de um Orçamento Comunitário capaz de apoiar os objectivos de desenvolvimento e a penalização eficaz das transacções financeiras especulativas.

Que posições defendem aí os nossos representantes? Que alianças estabelecem?

Cabe à sociedade civil pressionar as instâncias nacionais e comunitárias para que sejam adoptadas políticas coerentes com o espírito da União – ou restar-nos – á apenas um Mercado Comum de futuro incerto.

1 comentário:

  1. quanto aos "mercados" e aos "credores" acho que vale a pena pensar sobre uma sugestão apresentada por João Rodrigues e Nuno Teles no artigo intitulado "O FMI já aterrou na Portela" (Público, 11/11/10). Tal sugestão é:"Uma auditoria à nossa dívida pública seria um primeiro passo para sabermos quem detém os nossos títulos e em que condições. So assim saberemos quem está a ganhar com a nossa desgraça".

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