29 novembro 2020

Plano de Recuperação e Resiliência – Recuperar Portugal (2021- 2026) – Plano Preliminar

 

Com o impacto da pandemia COVID 19 sobre as economias europeias, já de longa data acusando problemas estruturais muito graves, lançou a UE uma série de medidas de emergência e de apoio aos estados - membros, em parte financiadas pelo Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência (MERR).

O Plano de Recuperação e Resiliência (que passamos a designar PRR), para vigorar entre 2021 e 2026, é uma dessas medidas. Como tal deveria respeitar as três dimensões estruturantes do MERR para a retoma do crescimento sustentável e inclusivo, ou seja, o reforço da resiliência económica, social e territorial e, simultaneamente, a preparação das oportunidades decorrentes da transição climática e da transição digital.

Perante este desafio e na falta de uma estrutura de planeamento, entendeu o governo encomendar ao Professor Costa Silva um exercício de reflexão sobre uma estratégia de desenvolvimento com o horizonte de 10 anos (2020-2030) que constituiria o suporte de um futuro plano de desenvolvimento económico e social.

Naturalmente que uma tal estratégia não poderá, sem mais, ser transposta para um horizonte encurtado a metade do tempo, como escreve Manuel Brandão Alves no post que aqui publicou no passado dia 25.

Certo é que o PRR assume ter sido inspirado pela referida Visão Estratégica, ao ambicionar ser o início do caminho para uma economia mais competitiva, mais coesa e mais inclusiva e, simultaneamente, atenta às mudanças impostas pela  transição climática e digital.

 

O financiamento e os seus condicionalismos

O apoio financeiro da União Europeia (até hoje ainda não aprovado pelo Conselho, dada a oposição de uma minoria de estados membros) será concedido através de subvenções não reembolsáveis num total de 12,9 mil milhões de euros ao longo do período de 2021 - 2026, devendo os projectos candidatos ser aprovados até final de 2023 e integralmente executados até meio de 2026.

 Os desembolsos só ocorrerão à medida que forem sendo cumpridas metas contratadas, para além da prova das despesas efectuadas. Todo o investimento é elegível, pelo que a componente de financiamento nacional é dispensada.

 O tempo de preparação do PRR era, à partida, de poucos meses, mas foi encurtado por decisão do Governo, que entregou à Comissão um primeiro esboço a 15 de outubro.

 

Um Plano ou uma simples listagem de projectos?

Não dispondo de um plano de desenvolvimento a longo prazo para dele destacar algumas medidas prioritárias  e perante a evidência de um muito forte impacto da pandemia que as medidas de emergência não chegariam para contrariar, recorreu o governo a uma selecção de projectos que tivessem maior probabilidade de concretização rápida, incluindo aqueles que normalmente a U.E. não apoiaria.

Como é evidente, este processo envolve riscos, por exemplo ao não contar com outras medidas de política que ficam à margem do PRR mas que podem ter  maior ou menor  influência sobre o seu desempenho.

Por outro lado, a antecipação da data de entrega pode ter contribuído para a insuficiente auscultação das instituições que vão ser chamadas à responsabilidade da execução.

De notar que  na sessão temática parlamentar de apresentação do  esboço de PRR não foi obtido o consenso pretendido, aparecendo aí  bem extremadas as posições partidárias no tocante ao papel que cabe ao estado ou ao mercado.

 

A estrutura do PRR

A proposta de esboço do PRR está  organizada em torno de três Dimensões - Resiliência, Transição Climática e Transição Digital -, por sua vez cada uma delas desdobradas em três Roteiros e envolvendo, no conjunto, 31 reformas estruturais.

A redução das vulnerabilidades sociais, o reforço do potencial produtivo e do emprego bem como a competitividade e coesão territorial são os roteiros para a primeira daquelas dimensões. A mobilidade sustentável, a descarbonização e a bio - economia a par da eficiência energética e renováveis incluem-se na 2ª dimensão e, em ligação com a 3ª, encontra-se a digitalização nas escolas, nas empresas e na administração pública.

Coincidindo o lançamento do PRR com um período de forte impacto pandémico sobre a saúde e a economia entende-se que o governo tenha proposto que mais de metade das verbas (55,8%) fosse aplicada no reforço da resiliência.

É até provável que as vulnerabilidades sociais e das empresas, se continuarem a agravar-se a ritmo acelerado, venham a requerer outras intervenções, muito para além das que hoje estão a ser concretizadas, de forma a salvaguardar a coesão social.

Quanto às duas outras dimensões são atribuídos 2,7 mil milhões de euros  para a transição climática e 3 mil milhões para a transição digital. São objectivos que só o tempo longo permite alcançar, mas desde já se nota a disparidade entre as intenções anunciadas e a limitada capacidade dos projectos  listados em número que ultrapassa várias dezenas.

Alguns exemplos têm sido apresentados neste sentido, sobretudo no domínio da competitividade e coesão territorial, sendo este um problema estrutural a que é necessário dar a maior das atenções para não se correr o risco do  aumento das desigualdades já hoje totalmente inaceitáveis.

 

 O potencial do PRR e o modelo de governação e reporte

Parece-nos difícil vir a concretizar uma avaliação global do impacto do PRR tantos são os factores exógenos que o  condicionam, incluindo o impacto de outros programas e políticas dirigidas aos mesmos domínios ou que, de alguma forma, potenciam ou prejudicam os seus  resultados.

O PRR apresenta uma estimativa de impacto sobre o PIB da ordem de 0,5% ao ano, partindo de cenários que merecem reservas, além de que este indicador é inadequado para aquela finalidade.

Atingir um elevado grau de realização dos projectos e consequente acesso ao financiamento europeu sendo, só por si, um indicador de boa gestão, não   esgota o papel atribuído às entidades que integram o modelo de governação em quatro níveis (páginas 48 e 49):  coordenação política; coordenação técnica e de gestão (que integra uma nova estrutura de missão); controlo e auditoria; acompanhamento.

Fica a expectativa de que, como previsto, ”a estrutura de missão manterá  uma carteira de indicadores nos termos a acordar com a Comissão Europeia e alinhada com metas e objectivos que caracterizam os investimentos” .

É referido que “a gestão será centralizada e a execução sempre que possível descentralizada, envolvendo os actores territoriais, municipais e comunidades interterritoriais”.

Parece-nos que não está bem esclarecido até que ponto, nem como, será posta em prática a descentralização: o envolvimento das populações e das organizações da sociedade civil, que é sempre um requisito de sucesso de qualquer plano, pode ser problemático quando se está perante uma proposta  que nasce a partir do topo. A não ser cuidado este aspecto, será difícil a coordenação dos intervenientes e uma justa apropriação dos impactos positivos do PRR.

Em qualquer caso, será possível obter melhores resultados, se for dada atenção à selecção criteriosa dos instrumentos de implementação e se o modelo de governação e controle for capaz de evitar um exagero burocrático, sem descurar a transparência do processo e a abertura à participação democrática no controle e execução.

Até que ponto o modelo de governação e a sua forma de actuação podem vir a maximizar o potencial impacto deste PRR, é uma questão a que ainda não sabemos responder.

 

  

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