Nas vésperas de mais uma reunião, em Bruxelas, em que
se vai decidir o que fazer ou não fazer em matéria de relançamento da economia
europeia na pós-pandemia, parece importante não nos cingirmos apenas às medidas
que vão ser tomadas a curto prazo, pese embora a sua urgência e relevância. De facto,
o que vai ser agora decidido terá forçosamente impacto mais à frente, o que nos
obriga a reflectir sobre os objectivos que se pretendem atingir a médio prazo.
Philippe Pochet, Director Geral do Instituto
Sindical Europeu, ajuda-nos a reflectir sobre o futuro depois da crise, para o
que apresenta quatro cenários distintos para a Europa (aqui).
O primeiro cenário é o regresso à ortodoxia
neoliberal, um pouco à semelhança da anterior crise de 2008-13, o que remete
para o que alguns investigadores apelidaram da “estranha não morte do
neoliberalismo”. Embora não seja de esperar que sejam aplicadas ao sector
público medidas austeritárias nos próximos um ou dois anos, não está posta de
lado que este cenário venha a acontecer, uma vez que não desapareceram propostas
neste sentido.
O segundo cenário é o denominado “padrão
chinês”, segundo o qual nos movemos para um estado de monitorização autoritária
da população, através de medidas novas, ligadas à inteligência artificial, com
restrições às liberdades fundamentais, em troca de um sentimento de protecção. Isto
será tanto mais verosímil quanto mais frequentes se tornarem as crises
sanitárias, o que abre perspectivas a mais governos autoritários, como já é o
caso da Hungria e da Polónia. Este cenário vai a par de uma fragmentação global e de uma maior ou menor “desglobalização“
radical.
O terceiro cenário é o do crescimento a qualquer
preço, sem consideração pelo ambiente. Embora seja de esperar um impacto
positivo sobre os indicadores económicos convencionais, como o PIB, e sobre as
bancarrotas e o desemprego a curto e médio prazo, os efeitos a longo prazo
serão negativos. As propostas de certos governos, entre os quais a República
Checa, para esquecer o Green Deal Europeu, dão força a este cenário. Logo que o
consumo não voltasse a crescer de forma significativa, regressariam os pedidos
para descurar o ambiente e para maior flexibilidade do trabalho, à custa dos trabalhadores.
A prazo, o terceiro cenário seria bastante semelhante ao primeiro.
O cenário final envolve uma aceleração da transição ecológica
e o repensar do modelo de crescimento, com o regresso aos serviços públicos, aos
bens comuns e à solidariedade. Apesar das dificuldades ligadas a este cenário, há
dois factores que vão ter uma influência decisiva. O primeiro, é a relocalização
das cadeias de produção e de um certo proteccionismo ambiental, o que poderá
apresentar certas semelhanças com o segundo cenário. A questão chave terá a ver
com a adopção de um proteccionismo cooperativo (voltado para o alcance do mesmo
objectivo) ou de um proteccionismo de antagonismo (ganhos contra os outros). O
segundo factor é a redução do tempo de trabalho, que constitui a linga
divisória com a restauração neoliberal e a recuperação a todo o custo.
Claro que estes cenários não se excluem mutuamente e
podem ser combinados e desenvolvidos em paralelo em diferentes regiões, o que
depende do equilíbrio de poderes em presença.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.