05 maio 2020

Que Europa depois da Crise?


Nas vésperas de mais uma reunião, em Bruxelas, em que se vai decidir o que fazer ou não fazer em matéria de relançamento da economia europeia na pós-pandemia, parece importante não nos cingirmos apenas às medidas que vão ser tomadas a curto prazo, pese embora a sua urgência e relevância. De facto, o que vai ser agora decidido terá forçosamente impacto mais à frente, o que nos obriga a reflectir sobre os objectivos que se pretendem atingir a médio prazo. 

Philippe Pochet, Director Geral do Instituto Sindical Europeu, ajuda-nos a reflectir sobre o futuro depois da crise, para o que apresenta quatro cenários distintos para a Europa (aqui).

O primeiro cenário é o regresso à ortodoxia neoliberal, um pouco à semelhança da anterior crise de 2008-13, o que remete para o que alguns investigadores apelidaram da “estranha não morte do neoliberalismo”. Embora não seja de esperar que sejam aplicadas ao sector público medidas austeritárias nos próximos um ou dois anos, não está posta de lado que este cenário venha a acontecer, uma vez que não desapareceram propostas neste sentido. 

O segundo cenário é o denominado “padrão chinês”, segundo o qual nos movemos para um estado de monitorização autoritária da população, através de medidas novas, ligadas à inteligência artificial, com restrições às liberdades fundamentais, em troca de um sentimento de protecção. Isto será tanto mais verosímil quanto mais frequentes se tornarem as crises sanitárias, o que abre perspectivas a mais governos autoritários, como já é o caso da Hungria e da Polónia. Este cenário vai a par de uma fragmentação global e de uma maior ou menor “desglobalização“ radical. 

O terceiro cenário é o do crescimento a qualquer preço, sem consideração pelo ambiente. Embora seja de esperar um impacto positivo sobre os indicadores económicos convencionais, como o PIB, e sobre as bancarrotas e o desemprego a curto e médio prazo, os efeitos a longo prazo serão negativos. As propostas de certos governos, entre os quais a República Checa, para esquecer o Green Deal Europeu, dão força a este cenário. Logo que o consumo não voltasse a crescer de forma significativa, regressariam os pedidos para descurar o ambiente e para maior flexibilidade do trabalho, à custa dos trabalhadores. A prazo, o terceiro cenário seria bastante semelhante ao primeiro.

O cenário final envolve uma aceleração da transição ecológica e o repensar do modelo de crescimento, com o regresso aos serviços públicos, aos bens comuns e à solidariedade. Apesar das dificuldades ligadas a este cenário, há dois factores que vão ter uma influência decisiva. O primeiro, é a relocalização das cadeias de produção e de um certo proteccionismo ambiental, o que poderá apresentar certas semelhanças com o segundo cenário. A questão chave terá a ver com a adopção de um proteccionismo cooperativo (voltado para o alcance do mesmo objectivo) ou de um proteccionismo de antagonismo (ganhos contra os outros). O segundo factor é a redução do tempo de trabalho, que constitui a linga divisória com a restauração neoliberal e a recuperação a todo o custo.  

Claro que estes cenários não se excluem mutuamente e podem ser combinados e desenvolvidos em paralelo em diferentes regiões, o que depende do equilíbrio de poderes em presença.

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