10 fevereiro 2018

“Se não receio o erro…


… é porque estou sempre pronto a corrigi-lo”.

Eis a frase lapidar de Bento de Jesus Caraça que, em boa hora, o Instituto Superior de Economia e Gestão entendeu escolher como seu lema. Só alguém verdadeiramente notável conseguiria resumir assim um programa inteiro de ensino e investigação, de forma tão clara e concisa.

Não concorda, Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior?

Aquela frase acabaria por inspirar e motivar sucessivas gerações de economistas e de outros cientistas sociais, em minha opinião com muito mais força e autenticidade do que as mais modernas definições de missão, valores e objectivos que aquelas paredes vieram entretanto a acolher.

Vem esta reflexão a propósito da visita que a equipa da OCDE acaba de fazer a Portugal com vista a apreciar a evolução do cumprimento das metas 2020. Nos domínios da Educação, Ciência e Ensino Superior, o director do Departamento de Educação daquela organização, Andreas Schleicher, fez comentários e deixou importantes sugestões que estarão contidas em relatório cuja divulgação aguardamos. Sabemos, entretanto, pelas notícias do Público, que apesar de algumas críticas e insuficiências que não deixou de sublinhar, o Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas manifestou informalmente a sua concordância com muitos dos aspectos críticos apontados por A. Schleicher: a insuficiente autonomia e flexibilidade do sistema português de Ensino Superior (ES) e, muito especialmente, a grande carência em financiamento, salientando a importância que teria um plano de financiamento plurianual como contributo para a estabilização orçamental.

Sucede que a constituição de um tal plano foi de há muito anunciada como objectivo do actual gabinete, não é verdade Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?

Já em conferência realizada em Julho de 2017 nos interrogávamos sobre a demora de um tal plano [1]. Assim como também em posts anteriores nos referíamos a retrocessos verificados no actual Governo em matéria de ES e política científica, o que nos levava a perguntar se parte das excelentes intenções anunciadas logo no princípio do mandato, e nas quais tanto quisemos acreditar, ultrapassariam, de facto, o estatuto de exercício de retórica?[2].

Mas voltemos aos objectivos da Agenda 2020 e à vinda da missão da OCDE. Segundo a edição de hoje do Expresso, um dos objectivos daquela Agenda – o aumento das despesas com Investigação & Desenvolvimento (I&D) - já estaria adiado, visto que seria necessário duplicar os valores actuais do peso que aquela rubrica detém no PIB para o conseguir.
Ainda segundo o Expresso, o Sr. Ministro para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior terá referido a tal respeito:

“A meta é económica e fisicamente impossível. (…) A queda das despesas com I&D entre 2009 e 2015 foi brutal e inédita desde o início da democracia. Isto afastou-nos da meta”.
Nada mais verdade. Mas talvez não nos possamos ficar só por aquela constatação, Sr. Ministro. Com efeito, como se têm vindo a comportar as despesas em I&D em percentagem do PIB durante o presente mandato? Como referíamos, com Flamínia Ramos, em trabalho anterior, o montante da dotação orçamental para I&D caíu, de novo, cerca de 4%, entre 2015 e 2016 (ver aqui). E o mesmo sucedeu com as dotações orçamentais públicas naquele período.

Enquanto aguardamos os dados, ou a sua confirmação, relativamente a 2017, vem-nos então à ideia, com a força da inevitabilidade, a frase de Bento de Jesus Caraça com que abrimos este post. E a insistência com que nos surge a questão:

Estarão, de facto, os nossos governantes “prontos a corrigir o erro” em matéria de política de I&D?


[1] Chagas Lopes, M. (2017). R&D Policies and Citizen Participation: a Note on the Portuguese Case. Democracy and Participation in the 21st. century. Conferência da Associação Internacional de Sociologia, Julho de 2017, ISEG.

[2] Ver, designadamente, aqui e aqui.

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