Passado as festividades do Natal a agenda mediática volta-se agora com
maior profundidade para o balanço do ano que agora termina e para a antecipação
do que 2018 nos trará. Infelizmente é, no entanto, expectável que as questões
da pobreza e da exclusão social, que de forma severa atingem milhares de
portugueses e de portuguesas, fiquem de fora da observação dos principais meios
de comunicação social e do debate público. Neste ‘post’ pretendemos colmatar
essa lacuna, analisar a evolução recente dos principais indicadores de pobreza,
a forma como as políticas publicas têm tratado desta questão e antecipar o que
é possível neste campo antecipar para o ano de 2018.
No que concerne ao balanço de 2017 gostaria de destacar dois
acontecimentos relevantes: a publicação pelo INE dos dados mais recentes sobre
a evolução dos principais indicadores estatísticos sobre a evolução da pobreza,
da privação material e exclusão social que nos permitem uma avaliação mais
aprofundada e actualizada da situação social do país e o anuncio pelo Governo
Regional dos Açores da Estratégia Regional de Combate à Pobreza e à Exclusão
Social.
A
evolução Recente dos Indicadores de pobreza
Os dados publicados pelo INE no final de Novembro confirmam o ciclo
descendente da generalidade dos indicadores de pobreza e desigualdade iniciada
em 2014, que inverteu o seu forte incremento no período mais severo da crise
económica e das políticas de austeridade. No entanto, muitos dos indicadores de
pobreza ainda se encontram aquém dos seus valores pré-crise. Por exemplo, em
2016, a taxa de pobreza do conjunto da população teve uma diminuição
significativa de 0,7 pontos percentuais face a 2015, fixando-se em 18,3%, mas
ficou ainda acima do seu valor de 17,9% em 2008/09.
Estes novos
dados apresentam, porém, alguns indicadores muito positivos que, a manterem-se
nos próximos anos, permitirão uma alteração significativa nos principais
indicadores sociais e nas condições de vida das famílias. São de destacar:
§
A redução, em 2016, da taxa de pobreza das
crianças e dos jovens em 1,7 pontos percentuais, atingindo o seu valor mais
baixo, 20,7%, desde 2003, o ano inicial da presente série do INE;
§
O índice de Gini, apesar de uma redução menos
expressiva, atingiu em 2016, 33,5%, que é igualmente o seu valor mais baixo
desde 2003;
§
A diminuição de 1,5 pontos percentuais na taxa
de privação material severa, que teve também em 2017 o seu valor mais baixo
(6,9%) desde que é publicada;
§
A taxa de pobreza dos idosos, que tinha
aumentado em 2014 e 2015, retomou o seu ciclo descendente fixando-se em 17,0%
em 2016.
Estes dados reflectem certamente os efeitos conjugados da recuperação
económica e a diminuição do desemprego, as políticas de reposição dos
rendimentos familiares e, em particular, dos das famílias de menores
rendimentos, e o reforço das políticas sociais de combate à pobreza, as quais
tinham sido muito enfraquecidas durante o período de crise e das políticas de
austeridade
Mesmo sendo muito encorajadores quanto à tendência e às dinâmicas
ocorridas nas condições de vida da população, os resultados anteriores não
devem fazer esquecer alguns factores de preocupação que são visíveis. Em
primeiro lugar, persistem grupos da população com elevados níveis de incidência
da pobreza, como as famílias monoparentais (com uma taxa de pobreza de 33,1%) e
as famílias alargadas com crianças (com 41,4%). A população em situação de
desemprego constitui igualmente um grupo social extremamente vulnerável às
situações de pobreza e de exclusão social. A sua taxa de pobreza de 44,8% em
2016 foi 2,8 pontos percentuais superior à de 2015, mostrando como, apesar da
sua redução, o desemprego permanece um dos principais factores de pobreza.
Por último, a taxa de pobreza da população empregue permanece
praticamente inalterada nos últimos anos (10,8% em 2016), reflectindo as
fragilidades do nosso mercado de trabalho e as profundas insuficiências que
persistem nas políticas laborais e salariais vigentes.
Estes resultados globalmente positivos sobre a evolução recente dos
indicadores de pobreza, de exclusão social e de desigualdade económica não nos
podem fazer esquecer que Portugal continua a ser um país com elevados níveis de
pobreza, de precariedade social e de assimetrias sociais. Neste contexto,
continua a ser necessário um papel mais actuante das políticas públicas no
combate às situações de maior vulnerabilidade social.
Região
Autónoma dos Açores lança estratégia de combate à pobreza para dez anos
O Governo Regional dos Açores apresentou este mês a Estratégia
Regional de Combate à Pobreza e Exclusão Social, a ser implementada no
horizonte temporal 2018-2028. Este documento, que se encontra em discussão
pública na região até 31 de Janeiro de 2018, assume como objectivo a melhoria
substancial dos indicadores relativos à taxa de pobreza, no sentido de aproximar
a região da média nacional e promovendo, simultaneamente, a coesão entre os diferentes
territórios que constituem a Região Autónoma dos Açores.
Como refere o documento agora divulgado “pretende-se potenciar um conjunto de mecanismos que melhorem a
articulação e a coerência das políticas públicas, desde logo, em áreas como a
Educação e Formação, a Saúde, o Emprego e a Solidariedade Social, mas que se
estenda, de forma abrangente, também a áreas da governação tradicionalmente
mais afastadas desta problemática. A aferição do impacto das medidas
desenvolvidas nas várias áreas governativas na redução da pobreza será o fio
condutor para esta ação concertada, determinante para a melhoria da qualidade
de vida de todos os açorianos, em particular, daqueles que ainda vivenciam
situações de pobreza e de exclusão social, como fundamento de uma sociedade
desenvolvida, inclusiva e coesa”.
Na apresentação pública da Estratégia o Presidente do Governo Regional
dos Açores sintetizou o seu principal objectivo: “Esta é uma oportunidade histórica para abordarmos esta problemática [da
pobreza] com uma motivação simples: Não deixar ninguém para trás”.
A luta pela redução sustentada
da pobreza e pela sua erradicação deveria ser um desígnio nacional, e também
regional, que colocasse as diferentes políticas públicas como um efectivo
instrumento para se alcançar uma sociedade mais eficiente e mais justa,
constituir um mecanismo fundamental para assegurar a coesão social e o respeito
fundamental pelos direitos e a dignidade de todas as pessoas.
As razões da pobreza e da exclusão social são múltiplas abrangendo
factores económicos, sociais, culturais e a própria história recente da forma
como as nossas sociedades têm evoluído.
Mas uma das razões da sua persistência na nossa sociedade prende-se
certamente com a falta de coragem política para lhe fazer frente.
Por essas razões não podemos deixar de reconhecer a importância desta
medida. Sabemos que não será uma tarefa fácil, que encontrará obstáculos e
dificuldades vindas de vários lados, que muitos dos resultados somente serão
reconhecidos no longo prazo, que não será uma política com resultados políticos
imediatos.
Mas é uma política necessária para melhorar as condições de vida de
uma parte significativa da população dos Açores, até ao presente excluída do
usufruto das condições materiais e dos direitos que a dignidade da pessoa
humana exige, para promover uma efectiva coesão social e assegurar um
desenvolvimento sustentado e justo da região.
A Estratégia Regional de Combate à Pobreza constitui nesse sentido um
compromisso político do Governo Regional em afirmar a responsabilidade da
sociedade em proteger os seus membros mais vulneráveis face às exigências e às
dificuldades das sociedades contemporâneas.
O seu sucesso será importante
para o desenvolvimento dos Açores, mas será também um exemplo do caminho a
seguir no conjunto do país. É verdade que a pobreza e a exclusão social têm
hoje uma incidência mais forte nos Açores que noutras regiões do país. Mas
Portugal no seu todo continua a ser um país com elevados níveis de pobreza. A
necessidade de uma estratégia nacional de combate à pobreza continua a ser um
imperativo para termos uma economia mais justa, mais eficiente e com maior
coesão social.
A decisão do Governo Regional dos Açores de colocar o combate à
pobreza como um dos eixos principais da sua agenda política suscita-nos alguns
comentários sobre as políticas de combate à pobreza no nosso país e, em
particular, na Região Autónoma dos Açores.
A lógica da condução da luta contra a pobreza tem sido feita
predominantemente a olhar para o retrovisor. Os principais indicadores
disponíveis sobre o nível de pobreza e a exclusão social nos Açores referem-se
ao ano de 2014 e assentam na publicação do Inquérito aos Orçamentos Familiares
realizado pelo INE de cinco em cinco anos.
Através dele, ficamos a saber que os Açores era a região do país com
menor nível médio do rendimento familiar e com a mais elevada taxa de pobreza
monetária (28.3%), cerca de nove pontos percentuais acima da média nacional que
era de 19.1%.
Os dados anuais mais recentes publicados pelo INE não abarcam a
dimensão regional pelo que conhecemos a evolução da pobreza a nível nacional
até 2016, mas ignoramos o que aconteceu a nível regional.
Esta situação será alterada a partir de 2019 quando o INE iniciar a
publicação anual dos dados regionais sobre a pobreza e a exclusão social.
Para a Estratégia Regional de Combate à Pobreza isso será um
instrumento precioso, mas igualmente um novo desafio. O poder monitorizar
anualmente os dados sobre a pobreza permitirá uma intervenção mais informada e
actualizada sobre as condições de vida da população na R.A.A., mas colocará
igualmente uma exigência adicional sobre as políticas implementadas, a sua
monitorização e avaliação.
A lógica da condução da luta contra a pobreza tem que ser feita
olhando para o futuro, tendo em conta o horizonte temporal da estratégia e
tendo sempre como objectivo a redução e eliminação dos factores estruturais que
geram a pobreza e exclusão social.
Uma segunda observação prende-se com a abrangência que deve presidir à
Estratégia Regional de Combate à Pobreza. Ainda
que a população pobre seja o destinatário último da estratégia o combate à
pobreza e à exclusão não pode ser feita exclusivamente com medidas destinadas
aos pobres.
Uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social requer medidas
de carácter transversal e a avaliação dos efeitos (positivos e/ou negativos)
que cada política poderá ter sobre a pobreza e a exclusão.
Uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social exige
alterações profundas nas prioridades que presidem à noção de desenvolvimento e
consequentemente do investimento e da despesa pública.
Consequentemente, uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão
social exige coordenação política ao mais alto nível e a co-responsabilização
dos diferentes sectores da administração pública na concretização dos vários
objectivos da estratégia.
Um terceiro elemento corresponde à necessidade de a Estratégia de
Combate à Pobreza ser capaz de identificar de forma clara os seus principais
eixos e de adoptar políticas económica e sociais que articulem medidas de tipo
“corrector” com medidas “preventivas” da geração de novas formas de pobreza;
A necessidade de conjugar políticas universais com políticas
selectivas dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis; medidas que privilegiem
colmatar o “défice de recursos” com medidas visando o reconhecimento e a
efectivação dos direitos.
A capacidade de redução da pobreza depende não somente da quantidade
das transferências sociais, mas também da sua qualidade.
Num contexto de contenção da despesa pública, que persistirá
certamente ao longo dos próximos tempos, é importante que se dê atenção urgente
ao reforço da qualidade da acção contra a pobreza, aperfeiçoando o que se
conhece e abrindo novos domínios de acção.
A diferenciação positiva dos apoios do Estado, o direccionar dos
recursos para os indivíduos em situação de pobreza extrema constitui, neste
contexto, um elemento fulcral de uma política pública que efectivamente vise a
redução das várias dimensões do fenómeno da pobreza.
As políticas sociais são necessárias, em alguns casos são urgentes, mas
não são suficientes.
É necessário conjugar políticas de apoio financeiro às famílias pobres
com acções ao nível do sistema educativo e de saúde, com medidas efectivas de
inserção social e quando possível de integração no mercado de trabalho.
O aumento da escolaridade efectiva, o combate ao abandono escolar, a
promoção da formação de adultos é, neste contexto, fundamental.
A Estratégia Regional de Combate à Pobreza proposta pelo Governo Regional
dos Açores expressa, e bem na minha opinião, uma preocupação fundamental as
crianças e os jovens em situação de pobreza. A sua concretização implica
definir medidas de apoio às crianças e às famílias em que estas estão inseridas
de forma a atenuar ou mesmo eliminar os mecanismos que sustentam a transmissão
intergeracional da pobreza.
Um quarto aspecto que me parece fundamental é a consideração de que
uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social obriga a uma política
concertada de combate às desigualdades sociais.
A pobreza e a desigualdade são duas faces da mesma moeda e devem ser
combatidas conjuntamente. Não é certamente por acaso que a R.A.A. conjuga a
mais elevada taxa de pobreza regional com o maior nível de desigualdade das
diferentes regiões.
Um quinto e último aspecto prende-se com os principais actores da
Estratégia.
Uma estratégia nacional de combate à pobreza e à exclusão social
implica a participação das pessoas pobres na busca de respostas adequadas, com
respeito pela sua dignidade, interesses e aspirações.
Mas implica igualmente uma profunda capacidade de articulação entre os
organismos públicos e a sociedade civil reconhecendo a complexidade crescente
que envolve o combate à pobreza e que incentive a efectiva consolidação de
novas formas de governança (parcerias, redes, etc.) que efectivamente
contribuam para uma melhor capacidade de agir (inovação institucional,
capacitação organizacional, competências específicas, técnicas e genéricas,
etc.).
A procura de consensos tão alargados quanto possíveis e a partilha de
responsabilidades entre os decisores políticos e as diversas organizações envolvidas
no combate à pobreza e à exclusão social (autarquias, Instituições Particulares
de Solidariedade Social, etc.) constituirá certamente um factor adicional de
sucesso da própria estratégia.
Os
meus votos para 2018
Os dois eventos aqui retratados permitem-nos olhar para 2018 com uma
esperança renovada. A esperança que o caminho de redução dos principais
indicadores de pobreza continue e se intensifique e a de que a corajosa
iniciativa do Governo Regional dos Açores de colocar o combate à pobreza no
centro das políticas públicas seja um exemplo e um incentivo na definição de
novas e inovadoras formas de combate à pobreza a nível nacional. Um dos
principais obstáculos à redução e à erradicação da pobreza é a falta de coragem
política para lhe fazer frente. Permitam-me que recorde aqui uma frase
proferida muitas vezes pelo saudoso Alfredo Bruto da Costa e que partilho
integralmente: o combate à pobreza é, antes de tudo o mais, um problema
político.
Os meus votos para 2018 são, assim, que o combate à pobreza entre
resolutamente para a agenda política e que se possam implementar passos
significativos para a sua erradicação!
Lisboa, 28 de Dezembro de 2017
Carlos Farinha
Rodrigues
Na linha destes votos para 2018: oxalá ao nível da política nacional se siga o exemplo do Governo Regional dos Açores, isto é, que sejam tidos em conta, na formulação de políticas sectoriais, os impactos nas situações de pobreza. A luta contra a pobreza não é apenas uma política social, de fazer parte de uma política de desenvolvimento humano integral.
ResponderEliminar29.Dez.2017 Cláudio Teixeira