Com e depois dos incêndios fica a
cortina de fumo, que tolda o pensamento e impede de ver claro. Para além da
cortina de fumo adensa-se uma a cortina que é a que muitos atores e
responsáveis, cada um à sua maneira, espalham, propositadamente ou não, para
que o pensamento cidadão não se desenvolva em direção à ação responsável.
Não é a primeira vez que aqui abordo o
tema da floresta e dos incêndios (ver
aqui), mas a gravidade assumida pela perda de vidas
humanas e de bens materiais, nos últimos meses, justifica que volte ao assunto.
Parece que, hoje, já ninguém tem dúvidas de que o fogo tem a origem imediata em
causas naturais ou nos incendiários (apoucados mentais, ou não). Contudo, a sua
origem mais profunda está na floresta que temos e na forma como se encontra
estruturada.
Reestruturar
a floresta
Se assim é, então, para minimizar os
efeitos daquelas origens há que começar a reestruturar a floresta. Tem-se falado
muito da reforma da floresta, mas o conteúdo do reestruturar, de que hoje já
não se poder prescindir, exige um compromisso durável, no tempo e no espaço, do
Estado, dos proprietários e dos cidadãos, sejam ou não proprietários, que o
termo “reforma” não abarca.
Não são poucos os que argumentam que a
tarefa de ter uma outra floresta é de uma extrema complexidade. E têm razão,
mas é indispensável ver com clareza no que consiste essa complexidade. Só pode
haver solução para um problema complexo se se for capaz de o decompor e
hierarquizar as suas diferentes componentes. O Relatório
da Comissão Técnica Independente constitui para isso um excelente
contributo.
Feita a decomposição e hierarquizadas as
suas diferentes componentes, tem que se ser capaz de começar por colocar
questões simples e que todos possam compreender, com vista a que na sua
resolução também sejam parte. Sabemos que quem procura excluir tem como boa
estratégia espalhar a não compreensão.
Um
exercício simples: o dos vigias
Faça-se um exercício simples. Todos
estamos estarrecidos com a perda de vidas humanas, com a extensão das áreas
ardidas e com a velocidade da sua propagação do fogo. Qualquer que tenha sido a sua
causa, vale a pena perguntarmo-nos, porque é que, uma vez feita a ignição, a
propagação do fogo não se extingue ao fim de 300 metros.
Se existem vigias estrategicamente
colocados, de modo a poderem observar todo o território, então deveriam ter
visto as ignições, ter dado os alertas e deveria ter-se verificado uma
intervenção atempada. Dir-se-á, tudo isso é verdade, mas era preciso que lá
estivessem os vigias, mas o Estado e proprietários não têm capacidade
financeira para tal, suportando a correspondente despesa. Será verdade?
As faixas de contenção
Se a ação de vigilância não cumpriu o
seu papel, certamente que, uma vez o fogo começou a fazer o seu caminho, as
faixas de contenção, deveriam ter parado o fogo, porque é para isso que elas lá
estão. A verdade é que não estão lá e quando estão, encontram-se de tal modo
distanciadas que o fogo já ganhou tal força que nada o pode deter. Para além
disso era preciso que estivessem limpas!
E porque é que não estão lá as faixas de
contenção? Dizer faixas de contenção, quer dizer terreno que não está
arborizado. Ora, isso significa que o dono do terreno onde está a faixa não vai
daí tirar qualquer rendimento. Além disso, convém ter presente que em área de
minifúndio florestal uma faixa de 50 metros de largura pode, só por si, comer
mais do que a área de terreno possuída por um certo proprietário. Então
pergunta-se: se a existência de uma faixa de contenção é um benefício para
todos os proprietários, porque é que há-de ser apenas um a suportar os custos
dos benefícios que são de todos?
Então, quer dizer que o problema não tem
solução? Tem, mas é preciso que sejam criados mecanismos que tenham como
consequência que todos aqueles que recebem os benefícios também possam suporta
os custos. Isto exige mobilização de proprietários que é difícil em área de
minifúndio e não existindo, terá que ser o Estado a provocar essa mobilização,
avançando os correspondentes financiamentos, fazendo-se, depois, ressarcir em
tempo adequado. Será que o Estado não tem capacidade para tal? Tem.
.
.
As
vias de acesso
Se as faixas de contenção não
funcionaram talvez pudessem ter dado uma boa resposta as vias de acesso e as
forças de combate pudessem chegar ao fogo com rapidez e fazer-lhe frente de
forma eficaz. Comentar-se-á: Isso é bonito de dizer, mas para que funcionasse era
preciso que existissem as vias de acesso adequadas, o que só aconteceria se todos
os proprietários disso tomassem iniciativa, por que não basta que a tomem
apenas uma parte, porque nesse caso a via chega a um certo ponto e fica
interrompida. E o Estado, perante esta descoordenação não pode e deve fazer
nada? Pode.
Os
reservatórios de água
Vamos admitir que existem as vias, mas que,
quando chega ao local quem vai combater o incêndio, não encontra reservatórios
de água indispensáveis para que se faça o combate? Dir-se-á, porque é que não
existem? Simplesmente, porque o local onde deveriam existir pertence a um certo
proprietários e vai beneficiar todos os outros e o primeiro não quer tomar os
custos do que é benefício dos outros. Por isso os reservatórios não foram
construídos. E o Estado não poderia ter algum papel na construção desses
reservatórios? Pode e deve. Não tem dinheiro? Tem.
As
árvores bombeiro
Mas há mais. O papel das faixas de
contenção deve ser complementado pela existência de manchas das designadas
árvores bombeiro e estas também não estavam no local em que deveriam estar. E
porquê? Porque as árvores bombeiro são árvores de crescimento lento de que se
não pode retirar rendimento imediato e o proprietário do terreno em que devem
ser plantadas dirá: porque é que hei-de ser eu a ter um rendimento menor quando
isto é para benefício de todos. Uma vez mais há razão para a intervenção do
Estado.
(ler a continuação no post abaixo)
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