02 maio 2017

Educação da População Adulta e Responsabilidade Social: um exclusivo dos países nórdicos?

Em matéria de Educação, como noutros domínios das Ciências Sociais, vingou durante muito tempo a alegoria do mosaico, através da qual se pretendiam representar os diferentes sub-grupos de países europeus. Distinguia-se, assim, o grupo dos países do sul e mediterrâneo, do qual fazíamos parte[1], o dos países nórdicos que, não só em geografia mas também em educação, se separava do primeiro por uma distância extrema e ainda o dos estados do centro europeu, subdividido por sua vez nos grupos ocidental e oriental por influência da Cortina de Ferro.

Sucessivamente criticada, esta alegoria dificilmente resistiu e hoje em dia percebemos melhor uma das principais razões daquela crítica: se não se verificava propriamente uma grande heterogeneidade dentro de cada grupo, subsistiam, no entanto, comportamentos extremos, ou outliers como a Estatística gosta de dizer. No caso dos países do Sul, Portugal representou por diversas vezes esse papel e continua, de resto, a fazê-lo no que respeita a alguns indicadores. No conjunto dos países nórdicos, destacava-se em termos semelhantes a Islândia. Note-se que estamos a referir estes dois países por confronto ao seu grupo de referência, sendo totalmente desajustada qualquer comparação directa entre os mesmos. No entanto, dois ou três traços fundamentais da evolução histórica e económica dos dois países poderão equivaler-se quanto ao contributo para um atraso relativo nos respectivos sistemas educativos: quarenta anos de ditadura e obscurantismo, em Portugal, tiveram efeitos em parte correspondentes aos resultantes de uma independência tardia na Islândia que teve de esperar pela Segunda Guerra Mundial para se tornar independente da Dinamarca, em 1944; os baixos níveis de vida de populações que, num e noutro caso, subsistiam a custo da agricultura e das pescas, tendo encetado muito tardiamente o processo de desenvolvimento industrial; o tempo insuficiente de maturação deste processo face ao eclodir e globalizar da economia tecnológica e digital, não permitindo quer o reforço subsequente das bases domésticas industriais quer a implementação das indispensáveis reformas estruturais.

Esta introdução serve fundamentalmente para ajudar a enquadrar a evolução de alguns processos educativos em Portugal e na Islândia face, repetimos, aos respectivos grupos de enquadramento, salientando o papel desempenhado, no segundo caso, pela institucionalização e efectivação de um amplo consenso social. Os domínios que tomamos como referência, naturalmente de forma muito breve, são os do abandono escolar e da educação da população adulta, sinteticamente descritos na Figura seguinte (PORDATA, 2017):




 Como facilmente se constata, tanto Portugal como a Islândia se comportam como casos extremos negativos, face ao respectivo grupo, quanto áqueles dois indicadores. Com uma taxa de emprego de 79,7% em 2015, face a 51,3% e 52,1% em Portugal e EU, respectivamente, a Islândia sofreu, ainda assim, os efeitos da crise económica sobretudo relativamente aos trabalhadores menos qualificados, efeitos associados também ao extremamente elevado custo de vida e a um sistema de ensino peculiar pela extensão do pré-universitário até aos 20 anos[1]. O principal reflexo daquele enquadramento traduz-se numa persistência elevada do abandono escolar que atinge significativamente os jovens islandeses antes da entrada no Ensino Superior; para este facto contribui também uma estrutura salarial bastante concentrada, sem sobre prémio remuneratório significativo para as qualificações superiores. Somando o facto de a Islândia continuar a ser o país nórdico com mais baixa percentagem de adultos com o Ensino Secundário, a educação da população adulta e o abandono precoce da escola encontram-se, neste país, extremamente interdependentes sendo objecto de medidas de política que em parte são comuns.

Do mesmo problema se queixa Portugal, embora por razões bem distintas: os níveis de emprego não são comparáveis, nem a estrutura de qualificações e remunerações no mercado de trabalho e também não o é a idade de referência para o términus da escolaridade obrigatória. Pela positiva, o nosso país destaca-se face à Islândia pela evolução extremamente positiva do indicador de abandono escolar, contrariamente ao que se verifica com a escolaridade da população adulta.

Será que neste último domínio podemos aprender algo com a experiência nórdica e, em particular, da Islândia?

Pois bem, aqui fica para reflexão a pedra de toque das metodologias implementadas naqueles países com vista à melhoria da educação e formação da população adulta: um amplo consenso social, servido por uma base institucional extremamente forte e constituída, em pé de igualdade, por representantes dos empregadores e suas associações, dos sindicatos e uniões sindicais, dos representantes escolares e alunos dos vários níveis de escolaridade. Modelo institucional para o qual contribui financeiramente o Estado em conjugação das diversas tutelas, mas também as autarquias, as empresas e os próprios beneficiários; com uma oferta educativa que assenta numa educação vocacional bastante desenvolvida, disponível para todos os níveis de ensino e oferecida tanto numa base regular de educação formal como através dos numerosos centros de formação ao longo da vida. Estes, constituem desde logo responsabilidade da oferta educativa a todos os níveis[2], encargo da Administração Central mas sobretudo das autoridades locais e cuja gestão reúne a mesma amplitude de parceiros institucionais que atrás vimos associar-se ao chamado ensino regular.

Será isto condição suficiente para a solução dos desafios colocados pela Educação da População Adulta? Não, não é; basta relermos o Capítulo 5 da obra Pensar a Educação[3] para vermos claramente todo um outro conjunto de dimensões fundamentais neste tipo de políticas. Também é certo que já aprendemos como é errado tentar importar os modelos, ou “milagres”, educativos de outras sociedades. Aliás, em matéria de compromisso e consenso social é bem conhecida a especificidade da evolução histórica e política dos países nórdicos.

Mas, em Portugal, é longo o caminho a percorrer, muitos têm sido os avanços e recuos e gritante a falta de uma concepção estratégica neste domínio. Não se justificará, então, reflectir sobre as potencialidades de um modelo assente numa visão de conjunto e de responsabilidade partilhada entre todas as instâncias interessadas, em vez de se continuar a tentar dirimir querelas estéreis entre tutelas que persistem na separação?




[1] Em grandes linhas, o Sistema de Ensino na Islândia decompõe-se da seguinte forma: educação de infância, até aos 6 anos; escolaridade obrigatória, compreendendo o ensino primário e o secundário inferior, integrados, entre os 6 e os 16 anos; o secundário propriamente dito, dos 16 aos 20; e o Ensino Superior, dos 20 anos em diante. Para uma análise mais completa ver o site do Ministério da Educação e Cultura Islândes, em https://eng.menntamalaraduneyti.is/education-in-iceland/Educational_system/, também em Inglês.
[2] Na Islândia é frequente assistir-se à frequência de aulas, em qualquer grau de ensino, por parte da população que de há muito excedeu a correspondente idade de referência.
[3] Capítulo coordenado por Natália Alves, “A Educação da População Adulta”, em Manuela Silva e outros/as (coord.), 2015, Pensar a Educação, Lisboa: EDUCA. 





[1] Certamente por influência da nossa participação, ainda nos anos 60, no Projecto Regional do Mediterrâneo, da OCDE.

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