24 janeiro 2015

E não será dinheiro a mais?

NIM! . . .
Depende da capacidade que quisermos mobilizar para o aplicarmos em utilizações favoráveis ao bem-estar de todos.
Apesar do tudo e muito que já foi dito, estou a trazer, aqui, à ponderação as circunstâncias que poderão rodear o acesso e a utilização do dinheiro disponível, na sequência das medidas anunciadas pelo Presidente do Banco Central Europeu (BCE), no passado dia 22. Conforme os cenários, tanto pode ser dinheiro a mais, como dinheiro a menos. Tudo depende das circunstâncias que vierem a rodear, quer a sua mobilização, quer a sua afetação. Procuremos ver o que poderão ser essas circunstâncias.
Com a criação do Sistema Monetário Europeu e da Moeda Única foi instituído como seu guardião, o BCE, com a missão maior de regular a emissão de moeda, de modo a que a taxa de inflação, na União Monetária, não ultrapassasse os 2%, tendo como justificação pavores antigos, gerados na sequência da crise de hiper inflação verificada na Alemanha, nos anos 30 do século passado.
Com a criação da União Monetária, os Estados membros foram destituídos da utilização de instrumento “política monetária”, ficando-lhes apenas acessível a política orçamental. No entanto, como se receou que através da política orçamental os Estados pudessem desfazer, a nível nacional, o que o BCE configurava a nível da União, foi instituído o designado Pacto Orçamental, limitando, entre outras, a capacidade de endividamento público dos Estados Membros.
Ou dito de outro modo, se os Estados com maior influência política não cumprissem as suas obrigações, os Estados com estruturas económicas mais frágeis ficariam atados de pés e mãos. Foi o que aconteceu. E só poderão sair desta, desatando os pés e as mãos, já que os Estados em que verificam excedentes entendem não abrir os cordões à bolsa, como era sua recíproca obrigação.
O fundamentalismo alemão e o condicionamento que, pelo menos até há pouco, tinha conseguido impor à direção do BCE, conduziu a que, ao evitar os riscos de inflação, se provocou uma profunda deflação, primeiro nos países do sul da Europa, mas cujo vírus começa a expandir-se em direção aos Estados que parecia dele estar imunes. Que fazer?
Não tendo os países que têm as mãos e os pés atados conseguido quebrar as grilhetas, resta ao BCE utilizar o único instrumento de que dispõe, a política monetária. Contrariamente ao que era habitual, em vez de restringir a massa monetária em circulação, vai agora ampliá-la, através de compras, no mercado secundário,  de dívida dos países aderentes, na percentagem da participação de cada país no capital social do banco, o que no caso português poderá corresponder a compras de dívida no valor de cerca de 27 mil milhões de euros.
A questão que tem que se colocar é a de saber se o doente já não estará de tal maneira debilitado que este remédio em vez de lhe permitir recuperar a saúde vai, pelo contrário, atacar o fígado, bloqueando o seu funcionamento, com todas as consequências que são conhecidas.
Vejamos como é que as coisas funcionam. Em primeiro lugar, o BCE não vai só comprar dívida dos países em deflação mais profunda, mas de todos os países membros. Pode até não ser mau, porque isso pode permitir aos países mais ricos aumentar a procura de produtos dos países mais débeis. E nos países, como Portugal o que vai acontecer?
O BCE dispõe-se a comprar dívida que os Bancos e outras instituições disponham nos seus balanços. Mas, é evidente, que os Bancos e outras instituições só venderão a dívida se, com a liquidez adicional obtida, puderem realizar aplicações com rentabilidade superior à dos títulos que já possuem. De outro modo, guardam os títulos, não os vendendo ao BCE. Daí que o teto de 27 mil milhões de euros seja meramente potencial.
Ao venderem os títulos, os Bancos aumentam a sua liquidez e o BCE pressupõe que, através de operações de crédito ao investimento produtivo se vai reanimar a economia. Só que há aqui dois pressupostos que podem falhar. O primeiro, é o de que ninguém garante que os Bancos ao obter maior liquidez não vão utilizá-la para reforçar, o seu capital social e outras estruturas financeiras que se encontram debilitadas. O segundo, é o de que, mesmo que queiram realizar operações de financiamento ao investimento produtivo, não está garantido que exista procura que possa ser considerada solvável. Já depois do anúncio feito pelo BCE foi possível ver banqueiros portugueses vir a terreiro dizer que o problema não é a falta de dinheiro para financiar o investimento, mas a da não existência de projetos de investimento suficientemente credíveis.
Então que concluir? Pelo menos, concluir que o dinheiro do BCE é, parcialmente ineficaz nos seus propósitos. E haveria algum caminho alternativo? Haveria e há, mas na ortodoxia do BCE e da União Monetária ele é contra natura. A medida que o BCE anuncia pretende condicionar o comportamento da oferta produtiva, mas só por si esta não consegue fazer a festa. É necessário animar a procura, isto é, o poder de compra de quem vai comprar o que a oferta rejuvenescida trás ao mercado. Só isso permitirá que a grande maioria dos projetos de investimento possam ser considerados solváveis.
Ora tal só é possível mediante uma intervenção musculada do Estado, garantindo a viabilidade de um programa de investimento e de emprego. Só que para que o Estado assim intervenha será necessário que obtenha capacidade de financiamento e flexibilização das regras comunitárias que lhe permitam intervir nos mercados produtivos e do emprego.
No que concerne à capacidade de financiamento ela poderia ser obtida caso se admitisse a possibilidade de reestruturação da dívida. Mas não é a única via.
Há poucos dias ouvimos a Sr.ª Ministra das Finanças anunciar que, existindo almofada financeira suficiente, iria iniciar os procedimentos necessários ao reembolso da dívida ao FMI (26 mil milhões de euros; comparem-se com os 27 mil milhões que poderão vir do BCE). A outra justificação é a de que o Estado português já se está a financiar no “mercado livre” a taxas inferiores às que paga ao FMI.
Se isto for verdade, fica a pergunta: então não se poderia pegar nestes 26 mil milhões e em vez de fazer o reembolso antecipado ao FMI, utilizá-los para financiar uma política de investimento e de emprego?
Claro que sim, mas não faltaria quem viesse logo dizer que com isso iríamos ter um custo adicional resultante do antes referido diferencial das taxas de juro. É verdade, mas opção é entre ter esse custo adicional e desbloquear o crescimento e o desenvolvimento, ou não o ter e continuar a criar condições para que cresça o subdesenvolvimento.
Já se ouve ao longe quem cante que “o Estado não deve intervir na Economia, porque como se sabe é, sempre, um mau gastador”! Isto é outra conversa que já não posso, agora, continuar.

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