No passado
dia 6 de Maio escrevi aqui um post em que chamava a atenção para as
fragilidades do que vinha sendo anunciado como uma “saída limpa do programa de
ajustamento”. Sem qualquer rebuço vários responsáveis anunciavam-nos, na mesma
ocasião, que os sacrifícios que se tinham verificado anteriormente eram para
manter pois, se tivéssemos a tentação das facilidades, deitaríamos a perder
tudo o que de bom tinha sido adquirido até aí. Depois disto e glosando o que o
José Manuel Pureza escreveu no Diário de Notícias, a questão que deve ser
colocada não é, por isso, tanto a de saber se a saída é limpa ou não, mas antes
a de verificarmos se, de facto, houve qualquer saída.
A via
austeritária contra os cidadãos é, portanto, segundo nos anunciam, para
continuar e, em particular, contra os que no período do programa de ajustamento
viram mais diminuir a sua capacidade de exercício da cidadania. Só que se isto
é verdade, então, o que se pode dizer da saída é que ela é tudo menos limpa. Em
sentido contrário, pode-se argumentar com a possibilidade adquirida de acesso
ao mercado de capitais, a taxas de juro normais. Mas ao dizer isto está-se a atirar
poeira para os olhos de quem escuta, porque quem o faz está a esquecer duas questões fundamentais:
- A das condições externas que
têm conduzido à baixa da taxa de juros, que se aplicam a Portugal como a
qualquer outro país;
- A da destruição que tem vindo a
ser feita das condições estruturais do funcionamento da economia portuguesa
(recursos humanos, recursos materiais e recursos institucionais), que virá a
constituir um pesado bloqueador do arranque do crescimento e do desenvolvimento.
Não tem
faltado quem argumente que apenas os “velhos do Restelo” têm esta compreensão
das coisas e de que uma boa prova de que não é assim que as coisas acontecem e
de que estamos no bom caminho, é o facto de que existem sinais de que a
economia começa a crescer e o desemprego a diminuir.
Perante quem
assim pensa não pode deixar de se acrescentar: “santa miopia!”. Com efeito,
como é que é possível acreditar que a economia, agora, vai começar a crescer e
a desenvolver-se, de forma sustentável, se tudo o que está escrito nos livros e
na experiência do passado, como condições estruturais do arranque para o desenvolvimento,
tem vindo a ser destruído?
Mas, então, a
economia está a crescer ou não? Ela mexe, mas é preciso ir um pouco mais a
fundo e compreender o porquê. Ora este porquê tem a ver com o aproveitamento de
capacidade produtiva não utilizada, com a finalização de processos de
investimento que se tinham iniciado em períodos anteriores e, marginalmente,
com exportações de um número reduzido de empresas que são capazes de aproveitar
inovações de ponta, mas não têm condições para criar emprego.
O argumento
do crescimento do emprego (diminuição da taxa de desemprego) está, também,
imbuído de fragilidades. A verdadeira questão a que é preciso responder é a de
saber se, estando a diminuir a taxa de desemprego, o emprego está a aumentar.
Não é de mais aqui voltar a sublinhar que a taxa de desemprego é o resultado do
quociente entre o desemprego e a população ativa. Ora, por ex., se desemprego diminui
porque aumenta e emigração, uma diminuição de igual montante vai-se verificar
no denominador do quociente, mas como em percentagem a diminuição do numerador
é superior à percentagem de diminuição do denominador, a taxa cai. Coelho tirado
da cartola!
E poderia
continuar a desenvolver a argumentação observando as características do emprego
que tem vindo a ser criado: pouco qualificado, a tempo parcial, sem garantias
de continuidade, etc.
Aqui chegados,
não é difícil afirmar que os “empregados da limpeza” não fizeram mais do que o
que se diz que por vezes fazem os empregados pouco competentes: meteram o lixo
debaixo do tapete. Por isso, importa dizer alto e bom som: que grande porcaria
de limpeza! É preciso despedir os empregados que procederam a tal limpeza . . .
E deste despedimento não viria a resultar qualquer espécie de consequência
direta sobre o nível da taxa de desemprego. A prazo até poderia acontecer que a taxa em vez de diminuir aumentasse.
Pouco mais de
8 dias tinham passado sobre o anúncio da limpeza e eis senão quando, com banda
e fanfarra, as agências de rating acordam e entram em campo , com pancartas escritas em letras garrafais, em que testamentam:
vocês têm perspetivas de poderem vir
a ser classificados como estando melhor, mas tenham paciência, olhem por vocês
abaixo, vocês continuam a ser lixo.
Em primeiro
lugar, onde é que andaram estes senhores para, agora, quando os seus aliados,
cá dentro, procuram difundir um aroma perfumado de limpeza, aparecerem para
dizer que, afinal, por baixo da água-de-colónia barata, a porcaria continua a
existir. Somos lixo, prontos! Pois não andaram em sítio nenhum. Estiveram
sempre, por aí, à espera de, como os camaleões, deitarem a sua pegajosa língua
de fora e apanharem os insetos, que somos nós.
Depois,
estão-se a portar como o senhor que lança rebuçados à populaça, dizendo-lhe: vejam
como eu sou vosso amigo, mas se querem que eu continue a ser assim, tem que
continuar a trabalhar como meus escravos; a austeridade é, pois, para
continuar.
E, assim, lá
continuarão a ser-nos extorquidos os nossos recursos, para que, nos bancos ou
fora deles, o grande capital financeiro continue a anunciar amanhãs que cantam (ver a este propósito
a entrevista hoje publicada no jornal Público e feita ao Sr. Philipe Legrain,
anterior conselheiro do Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso).
Assim
continuarão a ser-nos extorquidos os recursos, a menos que nos mobilizemos para
incomodar quem tanto nos humilha com a classificação de que continuamos a ser
lixo. De facto, o que temos que fazer é deitar fora o lixo que estes
senhores nos atiram e devolvê-los à procedência carregando o lixo que nos trouxeram.
Limpemo-nos, pois, desta porcaria!
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