22 setembro 2013

E a “sociedade não participativa”?


O recentemente entronizado rei holandês acaba de se fazer porta-voz dos interesses económicos mais bem instalados, intra e extra muros, e anunciar o fim do Estado Social em nome da Sociedade Participativa…

Ora, uma “sociedade participativa” – seja isso o que for… – deverá supor a “participação” ampla da população nas condições de acesso à educação e ao trabalho, à repartição do rendimento, aos resultados da produção, à fruição do lazer e dos bens culturais…

Mesmo a Holanda, uma das economias mais ricas da União Europeia, não tem conseguido escapar à crise atual. Em recessão técnica desde 2012, com uma dívida pública elevada, a economia holandesa prevê uma recuperação moderada para 2014, ainda assim insuficiente para evitar o aumento do desemprego. Está previsto que aumente também o “jobs gap”, ou seja, a diferença existente entre o emprego potencial e o emprego corrente, contribuindo para o reforço do desemprego estrutural. Com o aumento deste, agrava-se o peso da população persistentemente excluída do mercado de trabalho e, portanto, do acesso ao rendimento primário (OECD EO 2013). Para já não falar no fato de a Holanda ser, também, um dos países europeus com maior percentagem de emprego a tempo parcial, sobretudo entre as mulheres, com grande benefício para a igualdade de oportunidades entre géneros no que respeita ao acesso à educação e à partilha de tarefas e responsabilidades familiares. Ora só a força do Estado Social tem permitido manter até agora esta situação.

Embora recuperando da tendência dos últimos dois anos, também se prevê que o consumo privado e o investimento se manterão em desaceleração, tendendo a variação da procura interna a estagnar em 2014. Para além do esperado bom comportamento das exportações, a outra grande fonte de crescimento económico reside no “dumping fiscal”, com o qual se pretende continuar a atrair capital de empresas estrangeiras através de um sistema muito próximo dos paraísos fiscais (OECD Ec O 2013). Bem conhecemos os reflexos desta situação, já que dezassete das empresas portuguesas que compõem o PSI-20 /19 dele têm beneficiado. A existência desta exceção no contexto da normalizadora União Europeia é assunto que importaria aprofundar e discutir, embora não no âmbito deste “post”.

Também na sociedade holandesa, tida até há pouco como uma das mais representativas do igualitarismo na repartição do rendimento, se constata agora que o índice de Gini, relativo ao rendimento global, tem vindo a subir desde 2007. E se o correspondente índice para o rendimento disponível das famílias se mantem estável e próximo de zero, isso deve-se, em grande medida, aos efeitos do Estado Social, agora condenado a desaparecer, e às habitualmente confortáveis transferências que tem vindo a fazer para as famílias.  Entretanto, cerca de 15.7% das pessoas estavam, em 2011, em risco de exclusão social, próximo de 11 % em risco de pobreza monetária e 6.6% sofrendo de privação material (EUROSTAT 2013).

No entanto, dentro da União Europeia, a Holanda é uma das poucas economias – juntamente com a Áustria, Finlândia e Alemanha - em que o ajustamento salarial no pós crise se tem vindo a fazer abertamente pela positiva, prevendo-se o reforço desta tendência para 2014. Sucede isto em total oposição com o que se verifica em muitas outras economias europeias, de entre as quais se destaca a portuguesa. Também na Holanda são elevados e crescentes – apesar da crise – os gastos públicos com a educação em percentagem do Produto Interno Bruto e onde cerca de 80% dos estudantes recebe bolsa do Estado, mesmo sendo as propinas do Ensino Superior holandês bastante moderadas no contexto europeu...

Que se pretende concluir?

Por um lado, que, apesar do Estado Social, também na Holanda há população excluída e em risco de exclusão, se assiste ao reforço do desemprego e a um aumento da desigualdade. Com a proposta da sua eliminação, os “participantes” tenderão a ser progressivamente menos numerosos; e o turvo conceito de “sociedade participativa” começa a clarificar, identificando-se agora nitidamente com o de “sociedade para alguns”.

Por outro lado, e se “a moda pega”? Nada de estranhar, a onda neoliberal reforça-se pela expansão e pelo contágio, como temos assistido. E mesmo pequenos países, como Portugal, se têm vindo a apressar, por mão e prática dos seus governantes, a alistarem-se como fiéis adeptos da diminuição do Estado Social, bem o temos vindo a sofrer. A questão, o grande problema social, é que os indicadores económicos e sociais de países como o nosso em nada se podem comparar com os holandeses, mesmo em período de funcionamento regular do Estado Social. O desfecho será, nestes casos, a reconversão acelerada em “sociedade dualista”, servida por uma cada vez mais concentrada “economia de clã”.

Margarida Chagas Lopes






4 comentários:

  1. Bem-vinda ao blogue "A Areia dos Dias".
    Parabéns pelo seu primeiro post!
    É sempre uma alegria ver crescer a lista de autores deste blogue em número e qualidade.

    Muitas felicidades para o teclado! ;)

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  2. Muito obrigada pelas suas Boas Vindas!

    Embora apenas iniciada como "blogger", tentarei fazer o meu melhor...

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    1. Minha cara Margarida Chagas Lopes,
      Sejas bem-vinda a este Clube de reflexão e de alerta. A seara é grande e os escolhos da ceifa são cada vez maiores. Bem precisamos da tua participação.
      Quanto a reis já não são o que eram! Apesar da alegria que nos trazem as tulipas, alguns holandeses querem conduzir-nos pelos caminhos da tristeza.
      Absolutamente de acordo quanto ao aumento da participação, desde que isso não signifique apropriação do que outros produzem sem nada trazer em troca.
      Agora esta de colocar a participação em oposição ao Estado Social é difícil de entender. Entre nós, o que temos visto, e outra coisa não seria de esperar, é que quanto menos Estado Social nos trazem, mais reduzidos níveis de participação nos proporcionam.
      Talvez haja quem possa pensar que a participação é tanto maior quanto maior é o nível de iniciativa privada de uma sociedade. Os que assim militam esquecem que a iniciativa privada, apesar de todos os méritos que tem, produz externalidades que têm que ser geridas pela iniciativa pública e que a verdadeira participação só é possível num mundo em que todos podem ser chamados cidadãos, na medida em que fazem e participam da cidadania.

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  3. Caro Brandão Alves, muito certa a tua precisão: participação - efetiva - sim; sua oposição a Estado Social faz duvidar...Totalmente de acordo,
    Margarida

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