08 fevereiro 2013

Protecção social: favor ou direito?

Numa conferência, em Dezembro passado, sobre integração europeia organizada pelo deputado europeu Rui Tavares no âmbito do “Projecto Ulisses”, ouvi o sociólogo inglês Guy Standing referir-se às pressões para “desmantelar a protecção colectiva institucionalizada” de que a Europa ainda é (cada vez menos) modelo e que, a terem sucesso, resultariam num retrocesso civilizacional.


Esta referência à protecção social, não como resultante de boas acções a nível individual, mas como acção colectiva e institucionalizada, através de leis e governação, ficou-me um pouco como leitmotiv que me vinha à cabeça sempre que reagia a: discursos apresentando medidas de austeridade como necessárias mas a aplicar “com compaixão”; medidas de apoio social apresentadas sempre com a ressalva de se dirigirem apenas aos mais vulneráveis – que parece irem-se situando cada vez mais na categoria de indigentes; à insistência revoltante (o corte dos quatro mil milhões!) num Estado mínimo especialmente nas suas funções sociais; ou até quando, com genuína boa intenção, se declara aceitar cortes na pensão desde que alguém garanta que “ninguém morre à fome”. “Que ninguém morra à fome” pode ser uma forma de expressão, mas pode contribuir para descer o padrão de referência da protecção social, da solidariedade institucional.

Para mim, também é claro que a caridade não substitui essa solidariedade que, com as leis e a governação, garante e regula a protecção aos cidadãos na infância e na velhice, nas situações de grave carência de recursos, no desemprego, na doença. Mas também não deixo de afirmar que isso não dispensa a intervenção de indivíduos e colectivos com sentido de ajuda amiga, que é uma das componentes de comportamentos de caridade.

Andava eu com isto na cabeça, quando num seminário (de preparação para a conferência “Economia Portuguesa: propostas com futuro”, no próximo dia 16 do corrente) sobre o papel do Estado, suas funções sociais e a democracia, a Prof.ª Maria Eduarda Gonçalves referiu uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão, em 2010, que considerava um direito económico (relacionado com protecção social) como direito fundamental ou constitucional. A Prof.ª M. Eduarda Gonçalves teve depois a gentileza de me enviar um artigo de uma jurista alemã que analisa essa decisão. Não tenho competência de jurista para fazer aqui uma apresentação sintética desse texto. Mas saliento a conclusão de que o Tribunal Constitucional Alemão, com essa decisão, cria um direito constitucional ou “fundamental” para garantir um mínimo de subsistência baseado no Artigo com que começa a Constituição Alemã que diz que “A dignidade humana é inviolável…”, em conjugação com o Artigo que estabelece o princípio do estado social. E saliento também que esse direito “assegura a cada pessoa a necessitar de assistência os requisitos materiais indispensáveis para a sua existência física e para um mínimo de participação na vida social, cultural e política (traduzido do inglês das “headnotes” que precedem o “acórdão” do tribunal).

Como este padrão de referência e de concretização da “dignidade humana” fica longe de ideias tais como a de senhas para abastecimento alimentar, por exemplo, ou do não deixar ninguém morrer à fome!

O padrão de referência decorrente da dignidade humana é o mesmo que nos leva a considerar que a situação de pobreza atenta contra direitos humanos fundamentais.

É de direitos de cidadão que se trata e não de assistencialismo ou migalhas de compaixão. E também não basta apelar a governações com “sensibilidade social, pois o assegurar esses direitos de protecção aos cidadãos não depende de emoções, embora elas enriqueçam o seu exercício.

Direitos sociais e protecção: garantir protecção não é fazer um favor, é cumprir ou fazer cumprir um dever; e ter protecção não é receber uma esmola, é exercer um direito.

1 comentário:

  1. A Segurança Social nasceu entre os trabalhadores na Era Industrial como forma de se protegerem na doença, no desemprego e mais tarde na velhice.
    Era quase como um seguro que capitaliza os dinheiros e depois cobre as situações dos associados.

    Isto tudo funcionou e bem até que o Estado - Politica - lançou mãos aos fundos e se apropriou do que não lhes pertencia.

    Depois foi a degradação geral. Os políticos deram tudo aos amigos e aos que nunca contribuíram e agora preparam-se para nos fazer a todos voltar aos tempos da morte lenta ...

    Fome, ignorância e submissão...

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