Reis há muitos, uns melhores, outros piores mas, um dos que
capta mais atenções é, pelo entretimento que proporciona, sem dúvida, o Rei do
tabuleiro de xadrez.
A origem do Roque nem sempre é consensual, mas parece que
poderá ser encontrada na designação anteriormente atribuída à pedra que hoje é
designada por Torre. Também se designa por Rock um determinado movimento de
pedras que dá vantagem a quem o pode realizar.
Em qualquer caso, um jogador que não tem nem Rei, nem tem
Roque (Torre), encontra-se em situação de muita debilidade face ao jogo. É por
isso que, quando alguém se encontra perdido, não tem orientação ou tem falta de
tino, se diz que “não tem Rei, nem Roque”.
Em razão dos comportamentos errantes que tem vindo a assumir
nos últimos tempos, poderá esta expressão ser aplicada ao Fundo Monetário
Internacional (FMI)?
Procurarei mostrar que sim.
As notícias que nos têm chegado a propósito dos
comportamentos do FMI causam em todos a maior perplexidade e preocupação. Tradicionalmente, conhecia-se bem o tipo de intervenções que o FMI realizava
nos países que entendiam pedir o seu apoio. A configuração dessa intervenção
tem, no entanto, sofrido alteração nos últimos tempos, senão em todos, pelo
menos em alguns desses países.
A principal motivação da intervenção do FMI era (e
provavelmente ainda é) a de levar os países “apoiados” a resolver os problemas
de desequilíbrio das suas contas externas. Esta intervenção tendia a
caracterizar-se por um mesmo padrão de receita: a desvalorização da moeda, a
desregulamentação da intervenção do Estado na economia e a promoção do setor
exportador, em e com prejuízo dos restantes setores da economia.
Estes ingredientes da receita tendiam a reforçar-se mutuamente.
Tudo deveria ser feito para promover as exportações, recorrendo-se para isso à
desvalorização dos recursos nacionais (trabalho, bens e serviços, matérias
primas e produtos intermédios) e à destruição da ação interventora e
orientadora do Estado.
Por ex., a desvalorização da moeda tinha como consequência,
a diminuição do preço das exportações, o aumento do preço das importações e a
desvalorização do preço da força de trabalho (na medida em que, mesmo
mantendo-se nominalmente constantes, por via da desvalorização, sofriam uma
forte diminuição em termos reais). Crê-se, assim, que com estas medidas de
política as exportações se tornam mais competitivas e que o equilíbrio das
contas externas do país tenderá a obter-se.
A receita é sempre a mesma, independentemente do grau de
desenvolvimento dos países, do seu grau de industrialização, da qualificação da
mão-de-obra, dos enquadramentos sociais e culturais, etc. É por aí que, ainda
hoje, passam a maioria das intervenções do FMI.
No entanto, a configuração das intervenções acima referidas
parece ter começado a alterar-se. Com efeito, ela pressupunha que os países
intervencionados possuíam soberania monetária e que podiam, nessas condições,
proceder a desvalorizações da moeda.
Os movimentos de integração e, em particular, a integração
europeia vieram modificar algumas das peças deste xadrez: para procederem a
ajustamentos nas contas externas passaram a restar aos Estados sujeitos à
integração as políticas orçamentais e fiscais. Esse ajustamento implica a promoção
do crescimento económico, de que as políticas orçamentais e fiscais passaram a
ser o único instrumento.
Neste campo de batalha surgem, entretanto, sem fundamentação credível, dois outros
objetivos, a redução do deficit das contas públicas e do nível das despesas
públicas, para níveis reduzidos. E aí vemos surgir um outro exército pronto a
atacar o exercício das soberanias nacionais e que é constituído pela a Comissão
Europeia (CE) e pelo Banco Central Europeu.
Acontece que o prosseguimento dos objetivos relativos às
contas públicas e às despesas públicas revelaram-se contraditórios com o da
promoção do crescimento, condição indispensável para que se possa superar o deficit das contas externas. Para que este acontecesse era necessário afetar-lhe
recursos públicos, mas isso é contraditório com o objetivo da redução do
deficit e da despesa pública.
Em consequência, torna-se evidente que as políticas que têm
vindo a ser seguidas, não têm qualquer consistência e só servem, como temos
vindo a verificar, para aprofundar os bloqueamentos em que cada vez mais se
encontram os países designados como “países da crise”, de que Portugal é um bom
exemplo.
Entretanto, se as intervenções no terreno mostram que, quer
o Governo, quer a “Troica”, agem como se não se apercebessem da contradição
acima enunciada, também é verdade que temos vindo a assistir a declarações dos
mais altos dirigentes do FMI (por ex. as do o anterior e a nova Diretora-geral
do FMI e as do seu economista-chefe) chamando a atenção para que as políticas
de austeridade, sem mais, conduzem os países para um beco de empobrecimento sem saída.
Assim parece que no FMI reina um grande desnorte, ou
incapacidade de quem manda, para fazer a sua máquina e os seus funcionários
seguirem as orientações, ou princípios, enunciados através daquelas
declarações (vide o recente relatório elaborado a pedido do Governo português).
Aqui chegados creio que não restam dúvidas de que nas tropas
do FMI reina uma grande falta de disciplina que não pode conduzir senão à perda
da batalha dos objetivos que o FMI se propõe atingir.
O FMI, já não possui o Rei, já não possui a Torre, nem é
capaz de rocar. A curto, médio, ou longo prazo, terá a batalha perdida. Com
isso pouco teríamos que nos preocupar, não fosse a devastação económica e
social que os seus experimentalismos têm vindo a produzir sobre países de
intervenção e, em particular, sobre a sociedade portuguesa.
De fato, o FMI NÃO TEM REI, NEM ROQUE.
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