09 maio 2012

Que Injustiças Foram Geradas pela Crise?


Com esta temática começou ontem em Lisboa o Ciclo de Conferências de Maio, uma iniciativa do Centro de Reflexão Cristã (CRC) que se vem repetindo há mais de três décadas e este ano decorre em torno de uma pergunta primordial: Que fizeste do teu irmão?

Convidada a integrar um painel moderado por Guilherme Oliveira Martins e que contava também com intervenções de José Manuel Pureza e Nicolau Santos, procurei destacar os campos de maior incidência do acumular de injustiças que decorrem da crise e das políticas em curso para a enfrentar.

Na minha intervenção, depois de lembrar a natureza, extensão, profundidade e mecanismos geradores da presente crise, destaquei o agravamento das injustiças a nível territorial, no âmbito da concepção e dignificação do trabalho e das relações laborais, na repartição funcional e pessoal do rendimento, na provisão de bens públicos e qualidade de bem-estar pessoal e colectivo. Creio que ficou claro o impacto da actual orientação da política económica no sério e perigoso agravamento das injustiças nestes vários domínios.

Já no final da minha intervenção quis abordar uma dimensão do problema que tende a ser esquecida ou subestimada, a quota-parte de responsabilidade pessoal no agravamento das injustiças. Transcrevo, de seguida,  os parágrafos finais:

Poder-se-á ser levado a pensar que as injustiças são apenas produto de uma dada organização socioeconómica e política acerca da qual cada pessoa individualmente nada pode fazer. Não é assim, por duas ordens de razões.

Em sociedades democráticas, o colectivo acaba por reflectir o que pensam, sentem e vivem as pessoas que o constituem. Se as injustiças existem e acumulam, é porque a maioria das pessoas as não reconhecem como tal e as aceitam.

Por outro lado, o valor da justiça, como outros valores fundamentais, espelha-se no quotidiano da vida de cada pessoa: a vida familiar, o trabalho, a convivência cívica, as opções de consumo, o cuidado com a sustentabilidade, etc. Também a estes vários níveis, a coberto da crise, se agravam as injustiças. Penso, designadamente, no que sucede em certos ambientes de trabalho, (na administração pública, como na empresa privada, nas escolas como nos hospitais) em que a luta pela competitividade, que, em nome da produtividade, se fomenta entre os pares, se sobrepõe às verdadeiras finalidades do trabalho que se realiza e ao espírito de cooperação e solidariedade que deveria estar presente no ambiente de trabalho.

A Doutrina Social da Igreja dedica uma grande atenção ao valor da justiça. Exalta-o e defende-o. Também, em múltiplas ocasiões, tem erguido a sua voz para denunciar as injustiças em concreto: no mundo do trabalho (veja-se a carta encíclica de João Paulo II, Laborem Exercens), como nas relações entre os povos (Veja-se, por exemplo, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes ou a encíclica Solicitude Rei Socialis. O Sínodo de 1971 foi dedicado a tratar da justiça no mundo.

A concluir esta minha reflexão com uma afirmação retirada do texto final do Sínodo de 1971: a justiça consiste no reconhecimento da dignidade e dos direitos do próximo. Penso que esta verdade continua a apontar-nos o rumo certo, a seguir sempre que se trata de procurar soluções, a nível colectivo como a nível pessoal, para enfrentar a crise ou, simplesmente, para avaliar da sua bondade e pertinência.

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