Num post anterior destaquei a importância da compreensão do fenómeno da financeirização da economia e da necessidade de, na economia de hoje, se possuir um entendimento adequado do seu significado. É o que pretendo abordar neste post.
Todos sabemos do que trata a economia: adequação de meios para a produção de bens e serviços susceptíveis de satisfazer necessidades. Já há muitos, muitos anos, vivia-se em economia de subsistência, isto é, cada um, cada família, mobilizava esforços indispensáveis para produzir tudo o que era indispensável para dar satisfação àquelas necessidades. (ainda hoje há zonas da organização produtiva onde tal acontece).
Pouco a pouco, as pessoas começaram a dar-se conta de que nem todos tinham idênticas capacidades para produzir cada um dos bens. Pensaram então, que talvez pudesse ser uma boa ideia que cada um pudesse produzir, em maiores quantidades, os bens para que se encontrava mais dotado e menos bens daqueles para que tinha menor apetência. Se assim fizessem, e porque eram mais eficientes na produção dos bens para que se encontravam mais dotados, poderiam trocar, com vantagem, os bens que produziam em excesso, por aqueles que não produziam, ou produziam em quantidades insuficientes para as suas necessidades.
Esta troca processava-se de forma directa, por ex. um sujeito chegava junto de outro e dizia-lhe: “estás de acordo em dar-me duas meadas de linho, que eu dou-te quatro alqueires de milho?”. Após a pergunta inicial negociavam entre si até chegarem a um acordo. Apesar dos inconvenientes, este procedimento foi o adoptado durante séculos, até que alguém pensou que em vez de levar para o mercado o milho poderia, talvez, levar uns pedacinhos de metal valioso (cobre, prata ou ouro), que era muito mais fácil de transportar e, certamente, seria aceite pela outra parte.
E se assim pensou, melhor o fez, dando origem ao aparecimento da moeda. Foi uma grande descoberta, porque as trocas puderam desenvolver-se muito mais rapidamente e com maior satisfação para todos. A moeda não tinha um valor em si (salvo o de reserva, de adorno, etc.). Isto é, ninguém procurava negociar a moeda; ela aparecia como um equivalente geral de bens, ou de valores (dos bens); a moeda era neutra em relação às trocas que se processavam. A moeda tinha, apenas, um papel de intermediação. O dinheiro era importante, mas existia, apenas, em função das necessidades da economia real (a dos bens e dos serviços).
Mas, como em todas as histórias, também aqui surgiram oportunistas. Começaram a aparecer uns sujeitos escondidos atrás das árvores a propor negócios em que ninguém, antes, tinha pensado. Diziam, a quem passava, que se não tivesse as moedas suficientes para comprar o que queria, ou necessitava, não fazia mal, porque eles lhas poderiam emprestar, desde que se comprometessem a devolver-lhes outras de igual valor, embora com um pequeno acréscimo de moedas (juros devedores). Do mesmo modo, se aparecia alguém que tinha moedas a mais, também, tinham uma proposta para lhe fazer: “deixas-me as moedas que te sobram que daqui a um certo tempo (o que fosse combinado) eu devolvo-te moedas de igual valor, com mais umas tantas com compensação (juros credores).
E assim a moeda se transformou em mercadoria. Começou a haver gente que passou a viver do comércio do dinheiro, pois que pela mesma quantidade de moedas, pagavam menos quando recebiam do que quando emprestavam. O dinheiro passou a ser uma mercadoria. Começou a ter uma funcionalidade própria e já não era, apenas o dinheiro para a economia real, embora continuasse nela ancorado.
Os tempos passaram e o negócio sofisticou-se. Começou a emprestar-se dinheiro, não apenas como facilitador de trocas de bens e serviços mas, também, para que se pudessem realizar aplicações financeiras. Isto é, com o dinheiro passou a comprar-se, igualmente, dinheiro ou títulos de dívida. Tal passou a ser válido, não apenas para os indivíduos mas, também para as grandes instituições e Estados.
E assim se caminhou do “dinheiro ao serviço da economia” para a “economia ao serviço do dinheiro”.
Fica, contudo, uma pergunta: porque é que alguém há-de preferir emprestar para aplicações financeiras em vez de o fazer em investimento produtivo? A explicação é simples.
Quem tem dinheiro para emprestar dirige-o para as aplicações em que pensa poder obter uma maior rentabilidade. Em certas ocasiões tal acontece na economia real, mas em outras diminui a rentabilidade nesta e aumenta na economia financeira.
Quando? A economia real é tanto mais rentável quanto maior for o conteúdo de inovações incorporadas e enquanto essas inovações não se transformaram em inovações de massa. Quando tal acontece, como é o caso actualmente, a liquidez existente desloca-se para a economia financeira, onde a possibilidade de distorcer o comportamento dos mercados se torna muito mais fácil. Hoje, o facto de o mercado da oferta de dinheiro ser um mercado global, dá-lhe capacidade suficiente para condicionar os mercados da procura que são mercados locais, regionais ou nacionais.
Não surpreende, assim, que os ataques financeiros, pelo lado da oferta, se concentrem sobre os que do lado da procura se encontrem em situação mais frágil ou em condições de poder ser mais facilmente fragilizada (foi o que aconteceu com a Grécia, a Irlanda e Portugal e há-de acontecer com outros, quando já não for possível sugar mais os primeiros).
Mas então isto não tem saída? Claro que tem, o que é preciso é saber encontrá-la e desejar atravessá-la. Vários caminhos são possíveis:
- Diminuir a liquidez existente no mercado mundial, através de políticas de natureza fiscal, o que exigiria a compatibilização de comportamentos por parte dos Estados;
- Regular o comportamento dos mercados financeiros, como há muito vem sendo exigido, mas que se tem tornado inviável dado que quem deveria promover a regulação, também, lucra com o comportamento que os mercados têm vindo a adoptar;
- Financiar o investimento na economia real, transferindo para ela os meios financeiros obtidos por via fiscal;
- Investir fortemente em inovação, o que não pode ter resultados significativos se não forem os Estados a mobilizar-se para tal.
Estes caminhos não têm que ser tomados como paralelos; antes, os seus efeitos podem ser reforçados se tenderem a sobrepor-se.
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