22 setembro 2010

Para sair da crise é urgente uma estratégia de desenvolvimento

O debate em torno do défice das contas públicas tem vindo a polarizar de tal modo o discurso político-partidário, com a correspondente amplificação por parte dos media, que corremos o sério risco de continuar a passar ao lado dos verdadeiros desafios que o País atravessa no indispensável acertar do caminho para um desenvolvimento sustentável, base de consolidação da própria democracia.

Entrevistas, sondagens de opinião junto dos cidadãos e cidadãs comuns, programas televisivos de larga audiência, tudo converge para nos fazer crer que o cerne da crise reside numa despesa pública excessiva ou na falta de competitividade da nossa economia no mercado mundial e é deste olhar míope que se parte: no primeiro caso, para fomentar a crença de que são inevitáveis cortes nas despesas do Estado (redução de serviços e prestações sociais, deslocalização de serviços públicos para o sector privado e mercantil, mais privatizações; alienação de capitais públicos); no segundo caso, ou seja para fomentar a competitividade, argumenta-se que há que baixar os impostos, reduzir salários e multiplicar os incentivos do Estado às empresas.

E tudo isto, feito num ambiente de crispação, que parece visar mais efeitos psicológicos com previsíveis interesses partidários do que o real enfrentamento dos problemas e a procura das suas verdadeiras soluções.

Considerando a  proximidade da discussão em torno do Orçamento do Estado, afigura-se-me tarefa urgente reposicionar o debate em torno de uma estratégia de desenvolvimento nacional que tenha na devida conta eixos fundamentais como sejam os seguintes:

- a reestruturação do papel do estado, nomeadamente no que se refere à definição das respectivas funções, serviços que deve prestar e papel a desempenhar na orientação geral da economia;

- os objectivos e as metas de um desenvolvimento humano sustentável (em vez da discussão em torno do mítico indicador de crescimento do PIB) e respectivo planeamento a prazo, sem esquecer a política de valorização da agricultura e da floresta, a política industrial, o encaminhamento para a economia baseada no conhecimento, a valorização de recursos próprios como os recursos marítimos, o turismo, as potencialidades das energias renováveis ou as capacidades tecnológicas já disponíveis;

- o aperfeiçoamento do sistema de saúde e prestação de cuidados generalizados e com qualidade a toda a população;

- a orientação do sistema de educação, com o que tal comporta de definição de prioridades em matéria de conteúdos, de recursos a disponibilizar e de condições de uma gestão eficiente;

- a qualidade da justiça e a capacitação do sistema de justiça para enfrentar os novos desafios da corrupção e criminalidade económica, da delinquência juvenil, das organizações mafiosas e seus tráficos ilícitos de armas, drogas, ou tráfico humano;

- o ordenamento do território, as acessibilidades, a reabilitação urbana e, de modo geral, a correcção das grandes desigualdades de oportunidades a nível regional que continuam a ensombrar a coesão nacional;

- a correcção das desigualdades na apropriação da riqueza, nos níveis de remuneração do trabalho, na fiscalidade, que ofendem os direitos de cidadania;

- a erradicação da pobreza, nomeadamente no que se refere à pobreza infantil, quebrando definitivamente o elo de transmissão geracional da pobreza e pondo termo a esta grave violação de direitos humanos;

- a criação de condições favoráveis à conciliação da vida profissional com a vida pessoal, família, pessoal e cívica;

- a definição de objectivos e metas de uma estratégia de sustentabilidade ambiental.

Estas são algumas das questões que, a meu ver, merecem um amplo e urgente debate nacional com vista a obter resultados concretos que viabilizem a definição de um plano estratégico de desenvolvimento para os próximos 4-5 anos, vinculativo para além do calendário eleitoral.

Sem este esforço de planeamento concertado, não vejo saída para esta crise, que se diz ser de desequilíbrio das contas públicas, porque ela, em boa verdade, é uma crise estrutural e com raízes muito fundas, só podendo ser enfrentada no quadro de uma visão compreensiva da realidade e assente em opções que reunam um largo consenso nacional.

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