Ouvimos
ontem o actual ministro das Finanças apresentar, em entrevista, as principais
medidas deste OE 2022 revisto. E causa-nos alguma apreensão o facto de não
estar prevista uma actualização salarial que evite a perda generalizada de
poder de compra que se começa já a notar.
Com efeito, ainda antes da invasão da Ucrânia pela Federação russa já se começava a fazer sentir um aumento dos preços de vários bens e mercadorias, especialmente em consequência das deficiências de abastecimento provocadas pela pandemia de COVID 19. Com a guerra, e como é do conhecimento geral, os combustíveis e a energia têm sofrido aumentos consideráveis nos preços a pagar pelo consumidor. Pode discutir-se se esses aumentos que nos estão a afectar resultam essencialmente de um acréscimo dos custos de produção ou de uma ampliação das já consideráveis margens de lucro, sobretudo no que respeita à energia… Mas não é a esse aspecto que nos queremos agora referir.
Alguns
analistas e instituições internacionais têm salientado até agora que não se correria
propriamente risco de inflação, uma vez que não se se estaria a assistir a uma
subida generalizada dos preços mas apenas dos de alguns bens. Neste momento,
parece-nos que esse argumento está completamente arredado, a natureza
transversal da energia e dos combustíveis rapidamente se transmitirá em efeitos
multiplicativos à generalidade da economia. E é o próprio Orçamento de Estado
para 2022, agora revisto, que admite abertamente a existência de uma taxa de
inflação para este ano da ordem dos 4%.
Justificar-se-á, então, que não sejam previstas nesta nova versão do OE 2022, actualizações salariais da função pública superiores ao inicialmente estabelecido – 0,9% - uma vez que tal aumento é manifestamente insuficiente para compensar minimamente a perda real de poder de compra?
Um dos
argumentos avançado pelo governo é o de que os salários nominais só deverão
subir se a produtividade do trabalho tiver subido também. Consideremos a Figura
1, na qual se comparam em índice, entre outras evoluções, as daquelas duas
variáveis desde 1991/95:
FIGURA 1: (Fonte: PORDATA)
A Figura 1 é só por si elucidativa: no gráfico do lado esquerdo vemos que a evolução das remunerações, a preços constantes (curva a azul) decai sistematicamente desde 2009 e só em 2015 começa a retomar o crescimento, voltando a decair em 2019 com a crise pandémica. No mesmo gráfico se pode observar que, entretanto, o excedente bruto de exploração (curva a laranja) tem um crescimento explosivo a partir de 2013, só decaindo, mas menos do que as remunerações, em 2019. Entretanto, no gráfico do lado direito pode constatar-se que a produtividade aparente do trabalho aumenta sistematicamente ao longo de todo o período considerado (1995-2019), apenas com um curto abrandamento entre 2010 e 2012.
Em que
ficamos, então?
Por outro lado, a evolução em índice das remunerações na função pública cai drasticamente entre 2009 e 2012, recuperando a partir de então um crescimento débil, de tal modo que o nível indiciário destas remunerações em 2021 não ultrapassava o correspondente para 1999, como decorre claramente da Figura 2, de novo com base nos dados da base PORDATA:
FIGURA 2: (Fonte: PORDATA)
Conhecendo
o efeito de emulação exercido pelas remunerações da função pública sobre as
remunerações dos restantes sectores da economia, não se justificará, por sua
vez, uma actualização destas remunerações ainda mais em vista de tão acentuada
perda do poder de compra que se seguirá?
Temos dúvidas de que não haja ainda margem para uma actualização das remunerações em Portugal que compense minimamente o aumento do custo de vida que começa a intensificar-se. Tanto mais que a nossa taxa de inflação se encontra bastante abaixo da correspondente neste momento para a média da UE e a depreciação salarial tem vindo a intensificar-se entre nós, com efeitos particularmente contraproducentes para a atracção dos mais qualificados...
Uma reflexão oportuna!
ResponderEliminarSe "a evolução das remunerações, a preços constantes decai sistematicamente desde 2009 e só em 2015 começa a retomar o crescimento, voltando a decair em 2019 com a crise pandémica" e "a produtividade aparente do trabalho aumenta sistematicamente ao longo de todo o período considerado (1995-2019), apenas com um curto abrandamento entre 2010 e 2012.", então a interpretação possível é a de que o governo quer outra vez privilegiar a corrida às boas notações das agências de rating!
À custa e bem dos teabalhadores!
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