3.
Liderança Mundial pela Paz
No post publicado, sob o mesmo título, a
22 de março passado, referi, seguindo a indicação do Papa Francisco, na sua
Mensagem pelo Dia da Paz de 2022, os parágrafos 76 a 80 da Populorum Progressio
(PPg). No parágrafo 78, Paulo VI declara ter indicado aos representantes da
ONU, em Nova Iorque, terem por vocação de promover a fraternidade entre todos
os povos, para se chegar a uma autoridade mundial eficaz na construção e
manutenção da Paz. É mais que natural que assim tenha procedido: a Carta da ONU
(CNU), logo no seu preâmbulo bem como nos números 1 e 2 do Artigo 1, coloca a
Paz e a segurança mundiais como o propósito central da Organização.
Apesar
deste preâmbulo apenas admitir a força armada se no interesse comum, o que
acima de tudo se visava exorcizar era o “flagelo da guerra que por duas vezes,
no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis”, numa clara
referência às duas Grandes Guerras do século passado, flagelo que felizmente
não se repetiu ainda … Mas a verdade é que logo no nº1 do Artigo 1 se exigia
medidas eficazes na prevenção e repressão de qualquer rutura da paz. Em texto
publicado no 7Margens a 9 de abril, intitulado “As armas vistas através do
poliedro da guerra”, Manuel Brandão Alves diz que desde a II Grande Guerra, quase
todos os anos ocorreram situações de guerra com muita destruição e sofrimento
incluindo a perda de inúmeras vidas humanas. Desenvolve uma importante reflexão
que, como muito bem aponta, apesar de surgir no contexto da guerra na Ucrânia,
há muito que podia e devia ter sido feita.
Eis
porque o Papa Francisco evoca o apelo de Paulo VI à constituição de uma
autoridade mundial eficaz: manifestamente ela não existe ainda e manifestamente
se algum terreno seminal ou mesmo embrião se pode vislumbrar, é no seio da ONU.
Em 2005, a Assembleia Geral (AG) da ONU e
o seu Conselho de Segurança (CS) conjuntamente criam a Comissão para a
Construção da Paz (Peacebuilding Commission - PBC), corpo consultivo que visa
propor estratégias integradas de construção, manutenção e reposição da Paz,
juntando todas as partes envolvidas e reunindo todos os recursos precisos, cujo
uso adequado deve promover e gerir. (Retirado da consulta, em 20220408, a https://www.un.org/securitycouncil/content/repertoire/peacebuilding-commission)
Tem prestado apoio ao Presidente da AG,
ao Presidente do CS e ainda ao Secretário-Geral (SG), em colaboração com o
Departamento de Assuntos Políticos e de Construção da Paz (DPPA) que faz parte
do “Senior Mangement Group” na dependência direta do SG. Além do papel
consultivo estabelece uma ponte entre a AG, o CS e ainda o Conselho Económico e
Social (CES).
A PBC desenvolveu uma função importante
no contexto dos efeitos da Covid-19, tendo para isso promovido financiamento
sustentado e previsível que adquiriu suma importância com a exacerbação das
desigualdades e vulnerabilidades, especialmente em zonas de conflito. A sua
atenção na escuta das lideranças no terreno promove a coerência nas abordagens
do aparelho da ONU à construção da Paz. De entre os seus empenhamentos mais
recentes a PBC destaca o seu envolvimento no Burkina Faso, na Colômbia, na
região dos Grandes Lagos, em África (um apoio para mulheres da região foi
arquitetado em consultas a mulheres da região organizadas pelo Enviado Especial
do SG para a região), na Papua Nova-Guiné, na Serra Leoa e na Somália.
É constituído por sete Estados Membros
eleitos pela AG, outros sete eleitos pelo CS e ainda outros tantos pelo seu CES.
A estes somam-se os cinco Estados Membros maiores contribuintes de pessoal
militar e forças policiais para as missões da ONU, bem como os cinco maiores
contribuintes verificados, para os orçamentos e para o fundo da ONU.
(https://www.un.org/peacebuilding/sites/www.un.org.peacebuilding/files/documents/pbc_brochure_may_2021.pdf, consultado a 20220408)
4.
Por uma Autoridade Mundial eficaz
Estará a ONU capaz de avançar na criação
desta autoridade?
As atuações mais recentes atrás
mencionadas da PBC e a sua colocação funcional no seio do aparelho da ONU,
diretamente apoiada pelo Peace Building Support Office, na dependência direta
do atrás mencionado DPPA, bem como outros sinais, parecem indutores de alguma
esperança.
António Guterres, no papel de
Secretário-Geral da ONU, fez quase todo o seu primeiro mandato (janeiro de 2017
a dezembro de 2021), com o Presidente nos Estados Unidos mais adverso ao papel
da ONU de toda a história desta organização. A importância desta potência no
panorama internacional, sendo membro permanente do CS, prestando apoio
logístico fundamental ao próprio funcionamento da organização, obrigou a ONU a
esforços de diplomacia discreta. Com o atual Presidente dos EUA melhores expetativas
surgem ao longo de 2021, mas eis que outro membro permanente do CS decide
rasgar todas as crenças numa paz duradoura em solo europeu e rompe mesmo
princípios básicos do Direito Internacional e da CNU. A invasão da Ucrânia pela
Rússia provoca a imersão total no cenário da barbárie a que dá lugar e com que
somos diariamente atingidos.
Pena é que o choque das imagens do
horror, apesar da clamorosa e merecida denúncia que promove, da criminosa elite
russa, também nos distraia da ação necessária. Antes de mais, a importante
intervenção de Guterres, perante o CS, no passado dia 5 de abril, não mereceu o
relevo jornalístico que lhe caberia. Apontando esta guerra como um dos maiores
desafios à arquitetura global da Paz fundada na CNU, a partir da invasão
perpetrada por um membro do CS, lembra ter imediatamente exigido uma
investigação independente do que se vem revelando, no terreno, a partir da
retirada russa de Bucha, e os possíveis crimes de guerra conexos. Denuncia a
deslocação forçada de mais de dez milhões de pessoas, num só mês, como a mais
veloz desde a II Guerra, sem esquecer os gravíssimos danos à economia global que
incidem muito particularmente sobre os mais vulneráveis: os preços ascendentes
na alimentação e nos combustíveis, com tudo o que arrastam. Recorda como o
grave endividamento resultante da Covid-19, por causa do injusto sistema
económico e financeiro global, começa agora a transitar da vulnerabilidade para
uma crise de agitação social inflamada pela desigualdade, privação e falta de
financiamento. Recusando que sejam os mais pobres a pagar o preço da guerra, criou,
na primeira metade de março, o Grupo de Resposta Global a Crises sobre
Alimentação, Energia e Finanças: recomenda este a partilha de reservas de
alimentos e energia, a aceleração da
transição para as renováveis, e um funcionamento de emergência do sistema
financeiro que promova liquidez e fiscalidade a favor dos mais necessitados, a
caminho da sua já demasiado atrasada reorientação.
(https://www.un.org/sg/en/node/262886, consultado a 20220411)
Em próximo post tentarei abordar o
equipamento para a Paz que Guterres cria desde há quatro anos e o apelo à ação
dos cidadãos, a partir das comunidades de base; e ainda os esforços
diplomáticos e humanitários, tanto da ONU como do Vaticano, porque é urgente o
fim desta e de todas as guerras.
Para que conste, ainda ontem escolhi o possível título do meu próximo post prometido no último parágrafo deste texto:
ResponderEliminar"Aprofundar a Democracia potencia a Paz".
Se entender necessário, oportunamente explicarei este pré-anúncio.